Um jogo eficaz como “vacina psicológica” para as notícias falsas

É um jogo online, desenvolvido por cientistas da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, que será capaz de garantir uma resistência psicológica contra a informação falsa que é divulgada nas redes sociais. Noutra universidade, dois professores criaram uma disciplina só para ensinar a identificar “tretas”

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Gonçalo Dias

Jon Roozenbeek e Sander van der Linden têm boas e más notícias. As más notícias têm a ver com o espaço e audiência que a disseminação da desinformação online tem vindo a conquistar. As boas notícias são que estes dois cientistas da Universidade de Cambridge criaram Bad News (Más Notícias), um jogo online que promove uma exposição preventiva a esta doença da sociedade moderna. O objectivo é alertar e familiarizar as pessoas com as estratégias usadas na produção de notícias falsas e, assim, “conferir uma imunidade cognitiva” quando somos confrontados com desinformação no mundo real. Ou seja, trata-se de uma “vacina psicológica” que reduz a susceptibilidade a notícias falsas, garantem. Os resultados obtidos com 15 mil participantes do jogo foram publicados na revista de acesso aberto Palgrave Communications, do grupo da Nature.

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Jon Roozenbeek e Sander van der Linden têm boas e más notícias. As más notícias têm a ver com o espaço e audiência que a disseminação da desinformação online tem vindo a conquistar. As boas notícias são que estes dois cientistas da Universidade de Cambridge criaram Bad News (Más Notícias), um jogo online que promove uma exposição preventiva a esta doença da sociedade moderna. O objectivo é alertar e familiarizar as pessoas com as estratégias usadas na produção de notícias falsas e, assim, “conferir uma imunidade cognitiva” quando somos confrontados com desinformação no mundo real. Ou seja, trata-se de uma “vacina psicológica” que reduz a susceptibilidade a notícias falsas, garantem. Os resultados obtidos com 15 mil participantes do jogo foram publicados na revista de acesso aberto Palgrave Communications, do grupo da Nature.

Neste jogo o participante é desafiado a divulgar informação falsa no twitter, manipulando notícias ou incitando a teorias da conspiração, ao mesmo tempo que vão atraindo seguidores e alimentando uma pontuação de credibilidade para persuasão. Os cientistas experimentaram-no em 15 mil participantes e concluíram que “a capacidade das pessoas de identificar e resistir à desinformação melhora após o jogo, independentemente de educação, idade, ideologia política e estilo cognitivo”. O jogo foi lançado em Fevereiro de 2018.

“As investigações sugerem que as notícias falsas espalham-se mais rápido e mais profundamente do que a verdade, então combater a desinformação depois do facto pode ser como lutar uma batalha perdida”, refere Sander van der Linden, director do Laboratório de Decisão Social de Cambridge, num comunicado da instituição. O plano era tentar desmascarar (preventivamente, se possível) notícias falsas, expondo os participantes a uma dose fraca dos métodos usados ​​para criar e disseminar desinformação, para que entendessem melhor como poderiam ser enganados. “Esta é uma versão de uma técnica que os psicólogos chamam de ‘teoria da inoculação’, com o nosso jogo a funcionar como uma vacina psicológica”, diz o investigador.

Uma das etapas do desafio parar por convidar os jogadores a avaliar a fiabilidade de uma série de manchetes e tweets diferentes, antes e depois do jogo. São títulos reais misturados de uma forma aleatória com falsas notícias. O estudo mostrou que a fiabilidade atribuída a notícias falsas reduziu em média 21% entre o antes e depois do jogo. No entanto, a avaliação das notícias verdadeira manteve-se, não tendo sido notadas quaisquer diferenças na classificação destas notícias antes e depois do jogo. Os investigadores também perceberam que os participantes que começaram por se registar como mais susceptíveis a notícias falsas foram os que beneficiaram mais da “vacina”.

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REUTERS/Kacper Pempel

“Descobrimos que apenas quinze minutos de jogo têm um efeito moderado, mas o efeito é significativo quando alcança milhares de pessoas em todo o mundo, se pensarmos em construir uma resistência social a notícias falsas”, afirma Sander van der Linden. Jon Roozenbeek, co-autor do estudo também da Universidade de Cambridge, esclarece que este desafio muda o alvo das ideias para as tácticas. “Ao fazer isso, esperamos estar a criar o que se poderia chamar de ‘vacina’ geral contra notícias falsas, em vez de tentar combater cada conspiração ou falsidade específica.”

O jogo Bad News foi lançado em Fevereiro de 2018 e atraiu muita atenção. Neste momento, já foi traduzido para mais 12 línguas, incluindo polaco, alemão, sérvio, esperanto, grego ou holandês além do inglês, e também já tem uma versão “júnior” para crianças entre os 8 e 11 anos. “Queremos desenvolver uma maneira simples e envolvente de estabelecer a alfabetização mediática numa idade relativamente precoce e, em seguida, analisar a duração dos efeitos”, avisa Jon Roozenbeek.

Os cientistas reconhecem que os resultados deste estudo obtidos com o “jogo” devem ser lidos com alguma cautela. Para começar, a amostra foi auto seleccionada, ou seja, é composta por pessoas que se depararam com o jogo e decidiram participar, o que à partida mostra alguma predisposição para esta luta ou resistência às notícias falsas. Apesar disso, os dados revelam que a vacina Bad News é eficaz em participantes de diferentes idades, formações académicas, género e ideologia. “A nossa plataforma prova que há uma maneira de começar a construir uma protecção geral contra o engano, ao treinar as pessoas para estarem mais sintonizadas com as técnicas que sustentam a maioria das notícias falsas”, conclui Jon Roozenbeek.

"Bullshit” na universidade

À medida que o alerta sobre os perigos das notícias falsas se torna mais estridente, aumentam também os estudos e investigação sobre o tema e sobre as formas de travar a disseminação da desinformação. Jon Roozenbeek e Sander van der Linden não são os únicos a investigar esta matéria. Aliás, não é preciso ir muito longe para encontrar outro caso exemplar que tem sido notícia. Basta espreitar para outra universidade, desta vez a Universidade de Washington, nos EUA, e encontramos Carl Bergstrom e Jevin West, dois professores que assumem publicamente se dedicam há já muito tempo a bullshit, algo que podemos traduzir por tretas ou balelas. Tudo começou de forma mais ou menos acidental com a exigência imposta pelo trabalho académico que obrigava à revisão de artigos, numa tarefa que fazia com que tivessem de distinguir os trabalhos sérios dos trabalhos da treta. Encontraram aqui o fenómeno da falsa ciência, com a divulgação de notícias apoiadas em comunicados de imprensa pouco fiáveis.

Mais tarde, e com a crescente ameaça da disseminação de informação falsa online, Carl Bergstrom e Jevin West decidiram reagir a este fenómeno e fizeram da tarefa de identificar bullshit uma disciplina na universidade. Primeiro, com direito a uma aula por semana durante um trimestre que merecia um crédito académico e, mais recentemente, com a garantia da atribuição de três créditos a todos os estudantes que optem por frequentar a cadeira com o apelativo nome de “Calling bullshit”. Isto é uma piada? Não, respondem no site que criaram com o nome do curso e onde se podem encontrar as aulas e vídeos da disciplina que ensina a identificar notícias falsas. O site chama-se “Calling Bullshit”. São boas notícias para juntar a Bad News.