Piloto que fez aterragem que causou dois mortos omitiu problemas de saúde à autoridade de aviação
Em causa está o caso de aterragem de emergência na praia de S. João da Caparica, em Agosto de 2017. Presidente da ANAC e mais dois responsáveis acusados do crime de atentado à segurança de transporte por ar.
O piloto responsável pela aterragem de emergência na praia de S. João da Caparica, a 2 de Agosto de 2017, que causou dois mortos, omitiu problemas de saúde à Autoridade Nacional de Aviação Civil (ANAC), que lhe renovou as licenças de voo.
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O piloto responsável pela aterragem de emergência na praia de S. João da Caparica, a 2 de Agosto de 2017, que causou dois mortos, omitiu problemas de saúde à Autoridade Nacional de Aviação Civil (ANAC), que lhe renovou as licenças de voo.
O piloto de 67 anos que fazia um voo de instrução acompanhado de um aluno era desde 1985 piloto da TAP. Mas em 1993 foi obrigado a afastar-se do trabalho por motivos de saúde. “Reformou-se ainda em 1993, por invalidez”, afirma o relatório final do Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves.
No entanto, apesar de ter sido obrigado a sair da transportadora aérea nacional, o piloto continuou a voar. “A investigação apurou que a informação sobre a condição de invalidez que motivou a aposentação do piloto instrutor foi sempre omitida na resposta a todos os questionários obrigatórios da ANAC”, lê-se no mesmo documento.
Não é claro sequer se o piloto estava em condições de voar como instrutor já que tinha qualificações médicas para efectuar voos, mas com uma limitação: apenas podia voar como co-piloto ou na presença de um co-piloto qualificado. Esta limitação, com o código OML, “aplica-se aos membros da tripulação que não cumprem os requisitos médicos para operações de tripulação única, mas são adequados para operações multi-tripulação”.
O piloto instrutor da aeronave, anunciou esta segunda-feira o Ministério Público, foi acusado por dois crimes de homicídio por negligência e um de atentado à segurança de transporte por ar. Isto porque o Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa concluiu que o mesmo “violou as regras da aviação e o dever objectivo de cuidado que as circunstâncias concretas inerentes a uma pilotagem prudente impunham e que lhe eram exigíveis atenta a sua experiência profissional”, e ainda, que o fez sabendo que “a sua situação pessoal podia prejudicar a sua capacidade de actuação e de decisão numa situação de emergência como a ocorrida”.
Mas o piloto instrutor é apenas um dos sete acusados pelo Ministério Público. O presidente da Autoridade Nacional de Aviação Civil (ANAC), Luís Silva Ribeiro, foi acusado de um crime de atentado à segurança de transporte por ar, agravado pela morte de duas pessoas. Este crime é punido com pena de prisão entre um e oito anos, podendo, em alguns casos, o limite máximo chegar aos dez anos de cadeia. Recorde-se que a aterragem de emergência, motivada por uma falha do motor do Cessna 152 em voo, deu origem à morte de dois banhistas, uma menina de oito anos e um homem de 56.
Na nota divulgada esta segunda-feira, o MP adianta que além do presidente da ANAC, acusou igualmente o director da Segurança Operacional da mesma autoridade e o chefe do Departamento de Licenciamento de Pessoal e de Formação. Isto porque “violaram deveres de promoção da segurança na aviação, de fiscalização e de supervisão das escolas de aviação e ainda de controlo de revalidação dos certificados de instrutores”. Considera que tais omissões “foram aptas a pôr em causa a segurança da aviação e daquele voo em concreto e a causar um desastre como o ocorrido, o perigo concreto para várias pessoas, a lesão à integridade física de três pessoas e a morte de outras duas”.
Contactada pelo PÚBLICO, a ANAC confirma ter recebido a notificação da acusação e diz que “se encontra a analisar” a mesma. “A ANAC também informa que não poderá, no momento, prestar mais informações, face à necessidade de analisar todo o processo, o qual deve ser discutido em sede própria”, acrescenta.
O DIAP decidiu ainda acusar três responsáveis da escola de aviação para a qual o piloto trabalhava, a GAir (entretanto comprada pela L3, Commercial Training Solutions) nomeadamente a administradora que, à data do acidente, era responsável pela escola, o director de instrução e o director de segurança. A todos é imputado o crime de atentado à segurança de transporte por ar, agravado pelo resultado morte. Isto porque “resultou da investigação que, no exercício das respectivas funções, não adoptaram as medidas necessárias a garantir a segurança da actividade da escola e, por causa dessa omissão, colocaram em causa a segurança do voo de treino efectuado naquela data, sendo que tal omissão foi apta a causar aquele desastre”.
O Ministério Público arquivou o caso relativamente ao piloto aluno por ter entendido que sobre o mesmo não impedia qualquer dever de cuidado. A responsabilidade, diz a nota, recaía sobre o instrutor de aviação, o qual assumiu, como lhe cabia, “a responsabilidade pela realização dos procedimentos de emergência”.