Merecer tempo
Andamos numa correria danada para o fim. Esquecemos o tempo, desprezamo-lo, queixamo-nos dele. Mas esta é uma verdade absoluta: só o tempo dá respostas.
Todas as coisas são turvas no momento e merecem tempo para a nitidez. Lembro-me quando era mais novo, vivendo um grande e intenso amor de adolescência, de ficar absolutamente desesperado porque estava nos Açores quando a relação tinha acabado. Só queria regressar a Lisboa, não pensava noutra coisa, estava obcecado com a ideia de voltar e esclarecer. E entre angústias e insónias, lá me iam dizendo que de nada servia interromper as férias para ir esclarecer o que quer que fosse porque só o tempo daria respostas. E esta é uma verdade absoluta: só o tempo dá respostas. As coisas merecem tempo, todas as coisas merecem tempo.
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Todas as coisas são turvas no momento e merecem tempo para a nitidez. Lembro-me quando era mais novo, vivendo um grande e intenso amor de adolescência, de ficar absolutamente desesperado porque estava nos Açores quando a relação tinha acabado. Só queria regressar a Lisboa, não pensava noutra coisa, estava obcecado com a ideia de voltar e esclarecer. E entre angústias e insónias, lá me iam dizendo que de nada servia interromper as férias para ir esclarecer o que quer que fosse porque só o tempo daria respostas. E esta é uma verdade absoluta: só o tempo dá respostas. As coisas merecem tempo, todas as coisas merecem tempo.
O meu director partilhou comigo um método bastante nobre na altura de tomar decisões ou de ponderar. Dizia-me que, quando se tratava de um e-mail importante para enviar, escrevia-o todo e só enviava no dia seguinte. Precisava, no mínimo, de 12 horas até voltar a olhar para o que havia escrito. Porque muita coisa poderia mudar nesse tempo, perspectivas ou a própria realidade. E 12 horas depois, seguia. Podia seguir igual, ou totalmente diferente, mas mereceu o seu tempo.
Há quem chame “arrefecer”, “cabeça fria”, “ponderação”, “dormir sobre o assunto”. É tudo "merecer” tempo. Uma desavença com um familiar, uma discussão com a namorada ou com a mulher, uma conversa desagradável com o melhor amigo ou um conflito interior; tudo merece tempo e de nada serve a espontaneidade. Na retrospectiva todos somos génios e toda a vida haveremos de proclamar a célebre “se eu soubesse o que sei hoje”. A grande questão é se de facto faríamos ou não as coisas de forma diferente.
John Cleese, uma vez, andava às voltas com um texto para uma comédia e não havia forma de encontrar a punchline perfeita para concluir o momento. Esteve horas nesse processo até que desistiu. Deixou papel e caneta na mesa e deitou-se. Na manhã seguinte, sentou-se e concluiu o texto sem qualquer impedimento nem dificuldade. Aquela noite, aquelas horas, aquele tempo foi decisivo para que as palavras se tornassem claras.
É engraçado — e de certa forma desesperante — perceber que nunca temos consciência de que as coisas merecem tempo, no tempo certo. Até nesse aspecto, só com tempo percebemos que merecia tempo. Pelo menos com assuntos que nos envolvem. E isto só tem uma explicação: a pressa. Temos pressa para tudo e mais alguma coisa. Andamos numa correria danada para o fim. Esquecemos o tempo, desprezamo-lo, queixamo-nos dele. Que não o temos, que não o encontramos, que não o arranjamos ou que andamos contra ele. Acho que precisamos de forçá-lo. Fazer com que aconteça essa pausa que clarifica os dias, as dúvidas e as próprias certezas.
Amar merece tempo, discutir merece tempo, trabalhar merece tempo, encontrar alternativas merece tempo, perdoar merece tempo, pedir perdão merece tempo. Esquecer merece tempo, chorar merece tempo, cair no chão a rir merece tempo. Desfrutar merece tempo, ser bom merece tempo. E tudo merece tempo porque a vida é um instante.