Aos 20 anos, Alfa Pendular continua a ser um comboio rápido que anda devagar
Quando em 1999 o Alfa Pendular foi inaugurado, demorava três horas e meia entre Lisboa e o Porto. Vinte anos depois a modernização não foi concluída e a viagem faz-se em 2 horas e 50 minutos.
Foi a 1 de Julho de 1999 que o Alfa Pendular iniciou o seu serviço regular entre Lisboa e o Porto. Tinha sido comprado para ligar as duas cidades em duas horas, ma estreava-se com um tempo de percurso de 3 horas e 30 minutos porque a linha não estava preparada para um comboio tão rápido. Um dia antes tinha sido realizada uma viagem inaugural só para convidados, com o então ministro do Equipamento, João Cravinho, a bordo. A composição cometeu a proeza de atingir por, breves momentos, os 204 km/hora – deixando extasiados alguns dos passageiros -, mas isso foi devido às características VIP da viagem porque no serviço comercial o Alfa não iria passar dos 160 km/hora.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Foi a 1 de Julho de 1999 que o Alfa Pendular iniciou o seu serviço regular entre Lisboa e o Porto. Tinha sido comprado para ligar as duas cidades em duas horas, ma estreava-se com um tempo de percurso de 3 horas e 30 minutos porque a linha não estava preparada para um comboio tão rápido. Um dia antes tinha sido realizada uma viagem inaugural só para convidados, com o então ministro do Equipamento, João Cravinho, a bordo. A composição cometeu a proeza de atingir por, breves momentos, os 204 km/hora – deixando extasiados alguns dos passageiros -, mas isso foi devido às características VIP da viagem porque no serviço comercial o Alfa não iria passar dos 160 km/hora.
A verdade é que tudo correu mal, apesar de a CP ter anunciado na altura que o novo comboio era “um marco na história dos Caminhos de Ferro portugueses” e que representava para o país “a entrada na alta velocidade”. O pendular era para ter sido inaugurado um ano antes, aquando da Expo 98, mas o fabricante italiano atrasou-se e a primeira das dez unidades só entrou ao serviço com um ano e dois meses de atraso. Na Expo 98, o máximo que se conseguiu foi ter um comboio, ainda não testado, estacionado na gare do Oriente para ser visitado.
Por parte da infra-estrutura, a linha do Norte estava no auge das obras de modernização com três frentes de obra que tornava exploração complicadíssima e obrigou a CP a uma “política de verdade”, colocando o comboio mais rápido entre Lisboa e Porto a demorar mais meia hora do que o velho Foguete dos anos 80.
As próprias obras na via férrea também já estavam atrasadas. O projecto de modernização, demasiado optimista, não contava que a infra-estrutura estivesse em tão mau estado (sobretudo na zona do Ribatejo e nas bacias do Mondego e do Vouga devido à proximidade dos rios), o que obrigou a uma intervenção mais profunda. E depois acontecera a decisão política de mandar erguer aquilo que então se designava como “o apeadeiro mais caro da Europa”. A gare do Oriente não estava nos planos de modernização da linha do Norte e a sua construção atrasou ainda mais o projecto.
Resultado: quatro anos depois de iniciadas as obras, já se tinham gastado perto de 200 milhões de contos (997,6 milhões de euros) e só 10% da linha estava modernizada. No entanto, em 1995, quando tinha sido lançada a empreitada, acreditava-se que tudo estaria terminado em... 2001!
Um comboio de borla
É neste contexto que o Alfa Pendular chega a Portugal. O concurso público, de 25 milhões de contos, fora disputado pela Fiat Ferroviária (hoje Alstom) e pelos suecos da ABB. A decisão pendeu para os italianos e o caderno de encargos obrigava a que o comboio fosse montado em Portugal, na Amadora, na fábrica que já fora da Sorefame e pertencia então à multinacional ADtranz.
A montagem dos veículos é a parte mais barata, menos tecnológica e a que ocupa mão-de-obra menos qualificada, mas é a que mais “enche o olho” para os políticos poderem dizer que o comboio foi feito em Portugal. Os componentes vinham do estrangeiro e os nove/dez “pendolinos” foram ganhando forma na única fábrica da indústria ferroviária que havia no país.
O atraso na entrega da encomenda sairia caro à Fiat tendo esta pago uma indemnização de 2,5 milhões de contos. Ou seja, dos dez comboios, houve um que saiu à borla para a CP. O fabricante ainda tentou oferecer dois anos de serviços de manutenção gratuitos, mas a empresa recusou.
Os próprios ensaios também não correram bem e as datas para a inauguração do Alfa Pendular foram sendo falhadas. Era para ter sido a 25 de Abril de 1999. Depois a 30 de Maio, 14 de Junho, 21 de Junho, até que em 1 de Julho os portugueses puderam começar a viajar no comboio que mais se parecia a um TGV.
Quem já andava a pensar no TGV a sério era João Cravinho. O ministro percebera que as obras da linha do Norte eram um atoleiro. O Alfa Pendular, programado para circular a 220 km/hora, não passava dos 160 km/hora e, mesmo assim, só em alguns troços. Era como ter um Ferrari a acelerar em estradas municipais. Fazia falta uma verdadeira “auto-estrada ferroviária”.
Esta é anunciada uma semana depois. O PÚBLICO faz manchete com um “TGV vai ligar Lisboa ao Porto em 1h15” e oito dias depois o ministro vem explicar que “para os portugueses de hoje talvez fosse suficiente pensar-se nos 250 km/hora, mas vale a pena investir deliberadamente num sobrecusto em relação às preferências do nosso tempo e avançar para os 350 km/hora”, tendo em conta que se tratava de um projecto para as gerações futuras.
Por ironia do destino, o mau desempenho do Alfa Pendular ditava a decisão de se avançar para a alta velocidade. Dupla ironia: a alta velocidade acabou por não avançar e o pendular continua, 20 anos depois, desaproveitado.
“Ai senhores que o comboio vai cair!”
Em Junho de 1999 o PÚBLICO acompanhou uma viagem de ensaio do pendular, três semanas antes da sua inauguração. Gian Paolo Fantini, o engenheiro italiano da Fiat Ferroviaria, está preocupado com os problemas na pendulação, cujo sistema se desliga frequentemente sem razão aparente. No regresso do Porto para Lisboa, o comboio pára numa linha desviada em Alfarelos para fazer testes. Ao ver a composição abanar-se para a esquerda e para a direita, a vendedeira de tremoços da estação grita “Ai senhores que o comboio vai cair!”.
A pendulação, o facto de poder “deitar-se” nas curvas, tal como o fazem as motos, é a principal característica deste comboio que assim consegue circular a maior velocidade num traçado sinuoso sem provocar desconforto aos passageiros. Há um pequeno senão: uma reduzida percentagem de passageiros sofre de enjoo.
No resto, este comboio é muito semelhante a um TGV e não é por acaso que a equipa que trata desta frota, em Contumil (Porto), se chama Unidade de Manutenção de Alta Velocidade (UMAV).
A frota de dez unidades representa 60 carruagens, 80 motores de tracção, 410 portas electropneumáticas, 20 pantógrafos, 900 cortinas mecânicas, 100 casas de banho. E inúmeros componentes relacionados com telecomunicações, sinalização, ar condicionado, iluminação. Um Alfa Pendular tem mais quilómetros de cablagem do que um Airbus.
E é precisamente na aeronáutica que se inspira a UMAV para cuidar da frota de luxo da CP. Mesmo quando estão em circulação, os comboios são monitorizados e as suas avarias detectadas. Algumas até são reparadas à distância e o sistema procura também encontrar as causas das avarias para que estas não se repitam.
Isto explica a elevada disponibilidade da frota, que, com apenas 10 comboios, permitiu à CP alargar o serviço Alfa Pendular a Faro e a Braga em 2004, e a Guimarães em 2016. Os pendulares quase não param. O índice de disponibilidade é de 9,2 o que significa que há momentos do dia em que não há um único comboio em oficina.
Mas este reduzido tempo em oficina, agravado pela falta de pessoal da EMEF, tem um preço: uma manutenção deficiente ao nível do conforto dos passageiros porque a prioridade centra-se na manutenção dos sistemas relacionados com a segurança. É por isso que muitos clientes da CP se queixam de portas interiores que não fecham, casas de banho degradadas, lâmpadas fundidas, assentos que não reclinam. Um problema, no fundo, comum a outros comboios da transportadora pública.