Reorganizar as forças europeias
Uma coligação de forças pró-europeias progressistas é possível, também, neste novo Parlamento Europeu.
A política europeia joga-se num caleidoscópio onde várias forças se opõem ou se aliam em função das grandes questões que vão surgindo. O que está em causa para o próximo período é saber se as preocupações expressas pelos cidadãos europeus nas eleições de Maio vão encontrar uma resposta à altura por parte duma coligação de forças pró-europeias progressistas.
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A política europeia joga-se num caleidoscópio onde várias forças se opõem ou se aliam em função das grandes questões que vão surgindo. O que está em causa para o próximo período é saber se as preocupações expressas pelos cidadãos europeus nas eleições de Maio vão encontrar uma resposta à altura por parte duma coligação de forças pró-europeias progressistas.
A Europa mudou profundamente no decurso da passada legislatura. Quando esta começou, a questão central era a de aceitar ou ultrapassar a obsessão pela austeridade orçamental. Os socialistas exigiram um plano europeu de investimentos e a flexibilização do Pacto de Estabilidade para apoiar a Comissão Juncker, enquanto conservadores e liberais negaram que isso fosse necessário. Mas como sem socialistas não haveria maioria nesse Parlamento Europeu, acabaram por ceder algo. Foi nesse quadro que o comissário socialista Moscovici introduziu alguma flexibilidade nesse Pacto, que Juncker apresentou o Plano Europeu de Investimento, que eu consegui fazer passar o primeiro relatório do Parlamento Europeu com uma outra política económica para o crescimento e a convergência, e que Portugal e Espanha conseguiram bloquear sanções à sua nova política orçamental.
O momento de maior paroxismo travou-se à volta da saída da Grécia da zona euro, onde o empurrão preconizado por Schäuble foi travado in extremis por membros socialistas do Conselho e do Parlamento Europeu, em contato permanente com o novo Governo grego. Lembro-me bem das conversas dramáticas que tive com o primeiro-ministro e vários ministros gregos à beira do precipício.
O segundo momento alto surgiu quando a guerra civil na Síria gerou uma enorme vaga de refugiados a bater à porta da Europa, ao mesmo tempo que uma sequência de ataques terroristas gerou reações várias para proteção das fronteiras. O bloqueio da rota Leste pela Turquia e o referendo a favor do “Brexit” salientam-se entre as reações mais espetaculares. A onda de movimentos nacional-populistas que se seguiu estendeu-se a um vasto número de Estados-membros. Apesar das divisões paralisantes no Conselho de Ministros, o Parlamento Europeu conseguiu concertar-se internamente e aprovar um conjunto de relatórios notáveis preconizando um sistema de asilo europeu e defendendo uma resposta mais vasta incluindo programas de integração e uma verdadeira parceria com África. Mas lembro-me bem como foi difícil para mim, como vice-presidente do grupo parlamentar S&D, argumentar que uma fronteira europeia organizada era também inadiável sob pena de se regressar às fronteiras nacionais.
A União Europeia parecia estar confrontada com múltiplas crises e o projecto europeu em risco. Os discursos do Estado da União de Juncker em 2016 e 2017 faziam face a um Conselho Europeu extremamente dividido e vacilante e só encontraram alguma base de sustentação no Parlamento Europeu, onde os grupos pró-europeus se concertaram por duas vezes em torno de resoluções estratégicas sobre o programa de trabalho anual da Comissão Europeia. Tendo-me cabido coordenar essa negociação, lembro-me bem do quebra-cabeças que era acertar posições sobre dezenas de questões entre quatro grupos políticos diferentes.
Mas esta concertação interna no Parlamento Europeu rompeu-se a partir de 2018 em torno de questões que abriram as grandes clivagens para os próximos anos: a que ritmo devemos responder às alterações climáticas? Como reduzir as desigualdades sociais e regionais com base na implementação do Pilar Social Europeu entretanto aprovado, a partir dum relatório que conduzi? E com base numa política de impostos combatendo a evasão fiscal e cobrindo novas fontes como a financeira, digital e a energética? E com base num orçamento para a UE e para a zona euro que possa repor a convergência entre as regiões?
Estas são as linhas de fractura que explicam os resultados das últimas eleições europeias. Há os que pretendem regressar às fronteiras nacionais para conseguirem mais proteção, mas há também os que clamam por mais Europa para responder às alterações climáticas, a acordos comerciais com melhores padrões sociais e ambientais, a novas leis para proteger direitos sociais básicos na nova economia digital ou meios reforçados para investir e criar emprego nas actividades de futuro.
Uma coligação de forças pró-europeias progressistas é possível, também, neste novo Parlamento Europeu. O voto em plenário em Janeiro de 2017 que permitiu aprovar o Pilar Europeu dos Direitos Sociais desenhou-lhe os contornos possíveis. Vai ser mais difícil fazê-la emergir no Conselho Europeu e na próxima Comissão Europeia, algo que se seguirá ao longo das próximas semanas...
A autora escreve segundo o novo Acordo Ortográfico