Portugal já tem 480 mil estrangeiros, mas a maioria esperou anos para se legalizar
Relatório de Imigração, Fronteiras e Asilo foi apresentado nesta sexta-feira. Com mais de 93 mil concessões de residência a cidadãos europeus ou imigrantes fora do Espaço Schengen em 2018, Portugal atingiu número recorde de estrangeiros.
A apresentação pública do mais recente Relatório de Imigração, Fronteiras e Asilo (RIFA), esta sexta-feira, e a constatação de que houve um aumento significativo no número de autorizações de residência concedidas a cidadãos estrangeiros em Portugal em 2018, foi a ocasião para o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, se congratular com a “profunda transformação” na sociedade portuguesa. Em 1990 Portugal apenas tinha 50 mil estrangeiros residentes – o ministro elogiou, por isso, o trabalho do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF).
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A apresentação pública do mais recente Relatório de Imigração, Fronteiras e Asilo (RIFA), esta sexta-feira, e a constatação de que houve um aumento significativo no número de autorizações de residência concedidas a cidadãos estrangeiros em Portugal em 2018, foi a ocasião para o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, se congratular com a “profunda transformação” na sociedade portuguesa. Em 1990 Portugal apenas tinha 50 mil estrangeiros residentes – o ministro elogiou, por isso, o trabalho do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF).
Pelo terceiro ano consecutivo, o número de imigrantes aumentou e é o valor mais elevado registado pelo SEF, desde o seu surgimento em 1976: são 480.300 pessoas com autorização de residência. Este número inclui imigrantes (nacionais de países fora do Espaço Schengen) e estrangeiros residentes (cidadãos de países da UE e do Espaço Schengen).
O documento realça ainda que novos títulos de residência foram concedidos a 93.154 novos residentes – o que representa um aumento de mais 51%. Por comparação, em 2017 (ano em que o número de imigrantes era 421.711), registou-se um aumento de 13,9% no ano seguinte. É preciso recuar até 2002 para se encontrar um aumento tão expressivo como o de 2018.
Porquê este aumento?
Nos últimos três anos, passado o período mais difícil da crise económica e financeira, é quando Portugal começa a surgir como uma alternativa a outros países europeus, quando “a maioria dos países europeus fechou fronteiras e não está a acolher novos imigrantes”, explica Pedro Góis, investigador do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra. Esta é parte da explicação para o aumento.
O académico acrescenta que a percepção que transparece entre os imigrantes do Bangladesh, por exemplo, é a de que “Portugal é um país interessante para entrar, onde conseguem legalizar-se se tiverem um contrato de trabalho" e se tudo correr bem “ao fim de cinco anos adquirir a nacionalidade”, acrescenta.
“É uma visão muito pragmática”: são pessoas dispostas a receberem salários mais baixos na perspectiva de que isso será compensado no futuro. Para o Brasil, Portugal está na moda e, por isso, diz o investigador, a perspectiva é para esta tendência se manter. De Itália (que aumentou em 45,9%), vêm sobretudo jovens à procura de oportunidades de trabalho ligadas a start-ups e às novas tecnologias.
A maior comunidade de imigrantes em Portugal é a brasileira: um em cada cinco estrangeiros a viver em Portugal é oriundo do Brasil. Tem havido mais pedidos de autorização de residência por parte dos cidadãos do Bangladesh (+165,1%), Brasil (+143,7%), Nepal (+141,2%), Índia (+127,3%) e Venezuela (+83,2%).
"Prisão a céu aberto"
Timóteo Macedo, presidente da Associação Solidariedade Imigrante não vê, porém, motivos para Portugal se congratular. “O relatório diz que há 480 mil estrangeiros. O que não diz é que muitos destes 480 mil estiveram quatro anos à espera de ver a sua situação resolvida. Para terem esse estatuto passaram muitas dificuldades. Passaram cinco anos ou mais sem verem a família numa prisão a céu aberto que é Portugal porque não podiam sair sem os documentos”, aponta.
A tendência de crescimento da população estrangeira residente nos últimos três anos não impressiona Timóteo Macedo enquanto não houver “serviços públicos e políticas públicas à altura de responder”. O responsável desta associação revela que os agendamentos nos balcões do SEF “estão parados até 2020”. Resultado: pessoas que aguardam pela primeira vez um documento oficial não o podem obter, e quem espera renovação também não a pode concretizar. Questionado pelo PÚBLICO sobre esta situação, na tarde desta sexta-feira, o gabinete de imprensa do SEF não respondeu em tempo útil.
A apresentação do documento realizou-se na sede do SEF, no concelho de Oeiras, na presença da procuradora-geral da República, Lucília Gago. Foi ocasião para o ministro Eduardo Cabrita lembrar que houve um reforço dos inspectores do SEF nos aeroportos nacionais (que os representantes sindicais dos inspectores consideram largamente insuficientes) e anunciar, como também fez a directora-nacional do SEF, Cristina Gatões, que haverá alargamento dos horários de funcionamento dos balcões do SEF a partir da próxima semana – apenas aqueles que tenham capacidade e recursos humanos para o fazer.
Seja como for, diz Pedro Góis, “o sistema não está a conseguir responder.” E acrescenta: “Os atrasos têm vindo a agravar-se. Temos uma regularização através da entrada no mercado de trabalho, mas que se depara com muitos atrasos e uma burocracia do SEF que impede as pessoas de terem a sua situação legalizada.”
O sociólogo confirma que os 480 mil estrangeiros (contabilizados em 2018) representam um volume acumulado de vários anos, mas reconhece que tanto “o stock” como “o fluxo” estão a aumentar. E ressalva: “Este relatório só nos dá o retrato dos imigrantes legais no país. Todos o que estão no processo de adquirir a autorização de residência não estão aqui representados. E serão muitos. As pessoas que estão a regularizar os seus processos demoram entre 10 a 12 meses a fazê-lo.”
Episódios discricionários
“Um imigrante pode ter um contrato de trabalho mas enquanto não tiver um documento que oficialize a regularização, está num limbo: não pode sair do país, nem para um país do Espaço Schengen, e o acesso ao Serviço Nacional de Saúde é discricionário, dependendo do centro de saúde da sua área de residência. Enquanto esperam, não têm capacidade para se apresentar como cidadãos com a sua situação plenamente legalizada.”
Este cenário abre espaço a “episódios discricionários”, por parte do SEF ou de outros organismos públicos, refere Pedro Góis. Além disso, “se a situação económica [do país] mudar ou a situação laboral [do imigrante] se alterar, ele também fica sujeito à discricionariedade.” Por outras palavras: quando estão a trabalhar, estão em condições de ver a situação legalizada. Mas com a demora dos serviços, a situação pode mudar em seu desfavor e pôr em risco a sua regularização.