Rio Grande, uma rota cruel para escapar à rede de Trump

Fotografia perturbadora dos corpos de pai e filha salvadorenhos, nas margens do rio que faz fronteira entre México e EUA, expõe perigos de uma travessia antiga da imigração na América, que milhares continuam a desafiar, contra todas as probabilidades. Democratas responsabilizam Trump.

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Oscar e Valeria, numa fotografia dramática que relançou o debate sobre os perigos para os migrantes que tentaam chegar aos EUA EPA/Abraham Pineda-Jacome

Dezoito mil pessoas. É o número de migrantes detidos pelos agentes do sector fronteiriço de Del Rio, no Texas, desde Outubro do ano passado. Nos oito meses anteriores, o número não andava longe dos 1300. Del Rio é apenas um, de cinco sectores norte-americanos, distribuídos ao longo dos mais de 1500 km de extensão do Rio Grande, que perfaz o grosso da gigantesca fronteira natural entre México e Estados Unidos. Mas Del Rio é também o sector em que o número dos migrantes que foram resgatados da água é três vezes superior ao total de salvamentos semelhantes em todos os outros sectores.

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Dezoito mil pessoas. É o número de migrantes detidos pelos agentes do sector fronteiriço de Del Rio, no Texas, desde Outubro do ano passado. Nos oito meses anteriores, o número não andava longe dos 1300. Del Rio é apenas um, de cinco sectores norte-americanos, distribuídos ao longo dos mais de 1500 km de extensão do Rio Grande, que perfaz o grosso da gigantesca fronteira natural entre México e Estados Unidos. Mas Del Rio é também o sector em que o número dos migrantes que foram resgatados da água é três vezes superior ao total de salvamentos semelhantes em todos os outros sectores.

Os números falam por si. Uma das mais antigas travessias da região norte-americana, reconhecidamente perigosa, é cada vez mais a rota escolhida por milhares e milhares de migrantes, que por ali se aventuram para evitar o reforço do patrulhamento das fronteiras terrestres, ordenado pela Administração Trump, e os relatos sobre a deterioração das condições nos centros de detenção, trazidos a lume pela comunicação social.

“Temos feito centenas e centenas de resgates. É difícil manter-me actualizado. E há mais pessoas por aí, que nunca foram dadas como desaparecidas, e que eventualmente iremos encontrar no futuro”, diz ao New York Times Randy Davis, um dos responsáveis pelo sector fronteiriço de Del Rio, que fala em salvamentos “praticamente diários”.

Em Del Rio não se vêem sinais de que o fluxo de travessias venha a diminuir, bem pelo contrário. “Há cada vez mais famílias e cada vez mais e mais crianças. E não é nada fácil atravessar o rio com uma criança de dois anos presa ao peito ou às costas”, assegura Bryan Kemmett, agente fronteiriço de Eagle Pass, junto ao Rio Grande. “O desespero e o pânico levam, muitas vezes, a situações de enorme dificuldade”.

Mais a sul, no sector que toma o nome ao rio que liga o estado norte-americano do Colorado ao Golfo do México, não foi possível resgatar com vida Oscar Alberto Martínez Ramírez, de 26 anos, e a filha, Valeria, de apenas 23 meses. 

Uma fotografia avassaladora, tirada por uma jornalista mexicana, que mostra os corpos dos dois migrantes de El Salvador, junto às margens do rio, com a cara virada para baixo, partilhando a mesma t-shirt, encheu as páginas dos jornais e as redes sociais esta quarta-feira. E voltou a suscitar na opinião pública, de forma mais atroz e impiedosa possível, a urgência em debater as circunstâncias desumanas que muitos migrantes da América Central estão dispostos a desafiar para fugir à pobreza, à violência e à falta de oportunidades nos seus países.

“É a nossa versão da fotografia do rapaz sírio de três anos, morto na praia”, lamentou o congressista democrata Joaquim Castro, numa referência à fotografia de Alan Kurdi, cujo corpo deu à costa em Bodrum, na Turquia, e que se transformou num símbolo dos refugiados que perderam – e continuam a perder – a vida na travessia do Mediterrâneo.

Rio de perigos

Fartos de esperar, em Matamoros, no México, pela oportunidade de pedir asilo político às autoridades norte-americanas, Oscar e a mulher, Tania Vanessa Ávalos, decidiram aventurar-se, com Valeria, pelas águas imprevisíveis do Rio Grande. 

A menos de mil metros da ponte internacional que faz a ligação para Brownsville, nos EUA – e que estava encerrada na segunda-feira – a família salvadorenha lançou-se ao rio, numa zona que parecia acessível. Oscar carregou Valeria até à margem norte-americana e voltou a atrás para ir buscar Tania. Mas a criança quis ir atrás. E na tentativa de salvamento de Oscar, pai e filha foram arrastados pela corrente forte e morreram afogados.

Propagandeado pelos traficantes e contrabandistas como o caminho mais rápido e fácil para se entrar nos EUA, o Rio Grande contempla, ao longo da sua imensa extensão, zonas de profundidade reduzida e de profundidade de quase três metros. 

Mas as correntes fortes, a acumulação de lixo, os amontoados de árvores e de arbustos e os diferentes fluxos de água que advêm das chuvas, da quantidade de neve que desce das montanhas do Colorado e das necessidades de milhares de campos agrícolas que dependem da irrigação do rio e das suas barragens, fazem com que o nível das águas varie de mês para mês e de ano para ano, aumentando a imprevisibilidade das condições em cada um dos supostos pontos de travessia acessível.

Para além disso, lembram as autoridades norte-americanas, há que acrescentar à longa lista de perigos os jacarés que vivem em determinadas zonas do Rio Grande e que costumam estar alerta, escondidos entre a folhagem.

Mesmo que venham a descobrir que os riscos da rota são bem maiores do que pensavam, há entre a grande maioria dos migrantes a consciência de que a sua vida, e a dos seus familiares, vai correr perigo na travessia. Mais uma vez, é a urgência em escapar à cada vez maior mobilização de forças – dos dois lados da fronteira, não apenas dos EUA – que leva os migrantes a arriscar mais para entrar alcançar solo norte-americano.

“Trump é responsável”

Entre os opositores de Donald Trump, o trágico destino de Oscar e Valeria, é o resultado das medidas restritivas migratórias promovidas e impostas pela Administração e da retórica de “criminalização da imigração” que o Presidente dos EUA transformou em prioridade do seu mandato.

No Twitter, o candidato à nomeação presidencial do Partido Democrata, Beto O’Rourke, não hesitou em afirmar que “Trump é responsável por estas mortes”. “Enquanto a sua Administração se recusar a respeitar as nossas leis – impedindo refugiados de pedirem asilo nos locais de entrada – está a fazer com que famílias tentem entrar por outra vias, enfrentando maior sofrimento e morte”, escreveu naquela rede social.

No dia em que a maioria democrata na Câmara dos Representantes aprovou um pacote de 4,5 mil milhões de dólares (cerca de 3,9 mil milhões de euros) de ajuda humanitária para apoiar imigrantes detidos em condições muito precárias na fronteira com o México, outros possíveis candidatos presidenciais do partido juntaram-se a O’Rourke nas críticas. 

Kamala Harris catalogou de “desumana” a postura de Trump, ao dizer a pessoas que “fugiram de violência” que “regressem aos seus países”, termo também usado por Cory Booker: “Não devemos desviar o olhar da fotografia. São estas as consequências da política migratória desumana e imoral de Donald Trump. E isto está a ser feito em nosso nome”.