A ditadura do individual, segundo Van Gaal
Louis van Gaal deu por estes dias uma entrevista ao El País que vale a pena ler. Pela visão que o treinador holandês partilha acerca do futebol actual e pelos defeitos de carácter que detecta em muitas das equipas de topo. O principal, e aquele que merece maior reflexão, é este: “Para jogares bem futebol tens de jogar em equipa e esta é uma sociedade desenhada por gente que pensa apenas em si mesma”.
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Louis van Gaal deu por estes dias uma entrevista ao El País que vale a pena ler. Pela visão que o treinador holandês partilha acerca do futebol actual e pelos defeitos de carácter que detecta em muitas das equipas de topo. O principal, e aquele que merece maior reflexão, é este: “Para jogares bem futebol tens de jogar em equipa e esta é uma sociedade desenhada por gente que pensa apenas em si mesma”.
É relativamente fácil antecipar o impacto negativo que se produz na equipa sempre que se verifica a ausência ou a distorção de um comportamento, individual ou colectivo, idealizado pelo treinador. Porque os quatro momentos do jogo convencionais não existem de forma isolada e cada um deles deixa de fazer sentido se não estiver em estreita e directa relação com os demais, é imperioso que se cumpram os pressupostos que moldam a ideia de jogo.
Van Gaal aproveitou o mote para lançar duras críticas a Lionel Messi e, acima de tudo, aos treinadores que forçam uma adaptação do seu jogar às características do maior talento do plantel. Parece-me pacífico que se limem arestas para criar o contexto ideal ao aparecimento da qualidade individual - afinal de contas, essa mais não é do que uma ponte para a maximização do rendimento global. O que é claramente contraproducente é desvirtuar um modelo, com todos os desequilíbrios que daí advêm, para garantir que jogador mais decisivo se sente como peixe na água.
É relativamente ténue a fronteira entre a ordem e o caos. Por isso é tão difícil definir os limites do risco e identificar o exacto ponto até ao qual se consegue nadar sem comprometer a necessidade de voltar para terra firme. Para que Messi (ou Neymar, outro dos réus eleitos por Van Gaal) possa procurar o desequilíbrio através do drible é necessária uma teia de salvaguarda para acautelar a perda. E de seguida um batalhão de operários dispostos a apertarem o adversário com o intuito de recuperarem rapidamente a bola.
No fundo, é esse um dos grandes atributos das equipas que frequentam a elite do futebol. Entre elas pode incluir-se o Ajax versão 2018-19, que renovou a visão do futebol total que a Holanda ofereceu ao mundo no século passado. “Ten Hag treinou os jogadores para atacarem de forma caótica e pensarem estruturadamente quando perdem a bola”. Uma síntese perfeita nas palavras do antigo seleccionador holandês.
Uma das imagens de marca do gigante de Amesterdão é a valorização da sua formação. Mais do que um traço genético, é quase uma obrigatoriedade num mercado em que os milhões de euros voam para todo o lado mas não chegam para todos. Essa aparente desvantagem, porém, acabar por dar origem ao molde do futebol holandês, especialmente nos clubes em que a pirâmide foi trabalhada ao pormenor para conferir competências comuns e graduais aos jogadores até chegarem ao topo.
É o antídoto possível face ao poderio dos milionários europeus. A esse respeito, Van Gaal também traça uma distinção clara entre as duas Ligas mais abastadas do planeta. “A Premier League é a mais competitiva, mas não porque tenha os melhores futebolistas. Apesar de todas as contratações, não têm os melhores porque a filosofia em Espanha é formar jogadores para usá-los”.
Apesar da carga de subjectividade inerente a esta avaliação, é inequívoco que a formação, justamente por ser um projecto a prazo, permite outro tipo de controlo, na medida em que passa por cima dos problemas de adaptação sentidos nos clubes mais consumistas. E ganhar com esses ingredientes, cozinhados durante anos em lume brando, acaba por ter outro sabor.