Macacos-prego já usam ferramentas de pedra há três mil anos
A forma como os macacos-prego usam ferramentas de pedra foi mudando ao longo do tempo. Até agora, esta variação no comportamento só tinha sido observado nos humanos.
Não é em vão que os macacos-prego abrem frutos e sementes com tanta desenvoltura: afinal, têm a capacidade de usar objectos como ferramentas. Agora, uma equipa de cientistas do Brasil e do Reino Unido datou ferramentas de pedra pertencentes a estes macacos e concluiu que já as utilizam há três mil anos. Num artigo publicado esta segunda-feira na revista Nature Ecology & Evolution, anuncia-se ainda que houve uma variação comportamental no uso destas ferramentas ao longo do tempo, algo que só se tinha verificado no registo arqueológico humano.
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Não é em vão que os macacos-prego abrem frutos e sementes com tanta desenvoltura: afinal, têm a capacidade de usar objectos como ferramentas. Agora, uma equipa de cientistas do Brasil e do Reino Unido datou ferramentas de pedra pertencentes a estes macacos e concluiu que já as utilizam há três mil anos. Num artigo publicado esta segunda-feira na revista Nature Ecology & Evolution, anuncia-se ainda que houve uma variação comportamental no uso destas ferramentas ao longo do tempo, algo que só se tinha verificado no registo arqueológico humano.
O protagonista deste trabalho foi o Sapajus libidinosus, uma das espécies de macacos-prego, assim conhecidos devido ao formato do seu pénis. Endémico do Brasil, o Sapajus libidinosus vive sobretudo nas áreas de Cerrado e Caatinga. E, embora não esteja na lista de animais ameaçados – como o Sapajus flavius e o Sapajus xanthosternos –, a expansão da área agrícola tem vindo a diminuir a sua área de habitat.
Uma das principais características do Sapajus libidinosus é a capacidade manipulativa aliada à sua grande capacidade cognitiva, o que lhe permite resolver problemas e usar objectos como ferramentas. Os macacos-prego usam ferramentas de pedra para abrir frutos – cocos ou castanhas – e sementes. No Parque Nacional da Serra da Capivara, no Brasil, (onde se fizeram escavações em sítios arqueológicos de Sapajus libidinosus), as ferramentas também são uma ajuda para escavar raízes, batatas e aranhas e também auxiliam em comportamentos comunicativos, nomeadamente ameaças e demonstrações sexuais.
“Várias populações são bastante terrestres (usam muito o chão), fazendo com que essa espécie possa ser usada como modelo para entender a evolução humana”, explica ao PÚBLICO Tiago Falótico, primatólogo da Universidade de São Paulo e um dos autores deste estudo.
Para perceber a evolução do uso de ferramentas de pedra dos macacos-prego, a equipa de Tiago Falótico fez escavações arqueológicas em sítios onde já havia indícios de acumulação desses artefactos. “[Depois] usámos o conhecimento que já tínhamos sobre o comportamento do uso de ferramentas dos macacos na região do Parque Nacional da Serra da Capivara para as identificar”, relembra o primatólogo.
Além de 122 artefactos de pedra, recolheu-se carvão nos sedimentos, o que permitiu datar as ferramentas através de isótopos de radiocarbono.
Percebeu-se então que os macacos-prego já usam ferramentas de pedra há pelo menos três mil anos, sublinha o artigo científico. Num artigo de 2016 na revista Current Biology, referia-se já que o Sapajus libidinosus usava ferramentas de pedra para abrir frutos há 700 anos.
Diferentes dos chimpanzés
Através da datação, conseguiu-se ainda dividir os artefactos em diferentes fases temporais e compará-los. Sugere-se assim que os macacos-prego mudaram a forma como usam as suas ferramentas ao longo do tempo.
Numa primeira fase, que começou há três mil anos e terminou há 2400 anos, estes macacos utilizaram ferramentas de pedra mais pequenas, leves e gastas. No artigo, indica-se que devem ter ficado mais gastas “provavelmente em consequência de frequentes e repetidos impactos entre o martelo e a bigorna de pedra [uma superfície sólida e plana onde o macaco põe o alimento], como resultado do processamento de comida mais pequena”, como sementes e frutos de casca fina. Também se encontraram ferramentas semelhantes a estas com 600 anos.
Depois, algures há entre 2400 e 300 anos, os macacos-prego usaram ferramentas de pedra maiores e mais pesadas para processar a comida. Provavelmente, precisariam delas assim para frutos com casca mais rígida ou mais difíceis de abrir. Por fim, numa fase que se iniciou há 100 anos e se estende até aos dias de hoje, estes macacos voltaram a ter ferramentas mais pequenas, o que deverá estar associado ao processamento de castanhas-de-caju.
Embora as razões para justificar todas estas mudanças sejam desconhecidas, a equipa tem várias hipóteses. Uma delas é que grupos de macacos-prego distintos possam ter usado diferentes pedras. A outra é que, antes de as castanhas-de-caju terem ficado mais acessíveis, outros tipos de alimento deveriam ter diversos tamanhos, o que requeria ferramentas de diferentes dimensões.
Sobre estas mudanças ao longo do tempo, destaca-se no artigo: “Este trabalho apresenta o primeiro exemplo da variação no uso de ferramentas a longo prazo fora da linhagem humana.” Até agora, além dos humanos, só os chimpanzés apresentavam um registo arqueológico deste tipo. Contudo, nos chimpanzés, o tipo de ferramentas não se altera, o que significa que o seu comportamento se manteve, segundo o artigo científico. “No caso dos macacos-prego que estudámos, pudemos identificar mudanças no seu comportamento ao longo do tempo, o que pode reflectir diferenças no ambiente ou mudanças na tradição dos seus grupos”, sublinha Tiago Falótico.
Neste momento, o primatólogo brasileiro diz que a sua equipa continua a recolher informações sobre o uso de ferramentas de pedra dos macacos-prego da região. Afinal, a forma como estes ágeis macacos abrem frutos ainda pode esconder muitos segredos.