Erdogan aposta tudo na vitória na “sua” Istambul
O Presidente turco tem-se esforçado para que, na repetição das eleições locais, o seu candidato vença as municipais em Istambul. E, mesmo assim, poderá não ser suficiente.
Há 25 anos, Recep Tayyip Erdogan, então uma estrela em ascensão na política turca, era eleito presidente da Câmara Municipal de Istambul. A vitória marcou o início da carreira que o projectou como o líder turco mais poderoso das últimas décadas. Mas agora, a cidade onde tudo começou está perto de dar ao agora Presidente da República uma derrota histórica.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Há 25 anos, Recep Tayyip Erdogan, então uma estrela em ascensão na política turca, era eleito presidente da Câmara Municipal de Istambul. A vitória marcou o início da carreira que o projectou como o líder turco mais poderoso das últimas décadas. Mas agora, a cidade onde tudo começou está perto de dar ao agora Presidente da República uma derrota histórica.
Quase três meses depois, a maior e mais importante cidade turca repete as eleições para escolher o presidente da Câmara Municipal. Porém, o confronto deste domingo pode ter repercussões que vão muito além de Istambul.
Nas eleições de 31 de Março, disputadas ao milímetro em Istambul, o candidato do Partido Popular Republicano (CHP), Ekrem Imamoglu, chegou a ser dado como vencedor, derrotando por uma curtíssima margem o escolhido por Erdogan para representar o Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP), o ex-primeiro-ministro, Binali Yildirim. No entanto, após um processo muito controverso, as autoridades eleitorais decidiram dar razão à queixa apresentada pelo AKP, de que houve indícios de irregularidades eleitorais, e ordenou a repetição das eleições.
A decisão da justiça eleitoral foi muito criticada pela oposição, que a acusou de actuar ao serviço de Erdogan. O tribunal considerou que alguns documentos referentes à contagem dos votos não foram assinados e notou que alguns membros das mesas de voto não eram funcionários públicos. A oposição questionou a pertinência de se repetir apenas as eleições para a presidência do município, e não para outros cargos locais que foram escolhidos no mesmo dia e nas mesmas circunstâncias. A não publicação do relatório das autoridades de supervisão eleitoral ajudou a aumentar as suspeitas.
“A nossa democracia sofreu um grande golpe”, denunciou Imamoglu, pouco depois de ser conhecida a decisão de repetir as eleições.
Desde então, Erdogan tem concentrado as suas atenções em Istambul quase em exclusivo, empenhando-se pessoalmente. O “homem forte” da Turquia participou em dezenas de comícios de campanha nos últimos dois meses e multiplicou os apelos junto dos antigos eleitores do AKP que se abstiveram em Março, descontentes com o rumo da economia. Numa decisão histórica, Yildirim concordou até em participar num debate televisivo com Imamoglu – desde que Erdogan chegou ao poder, nunca participou em qualquer debate com adversários políticos.
“Pela primeira vez na história do país, o Presidente está a concorrer contra um candidato local. Esta é a importância que a corrida em Istambul adquiriu”, escrevia no Guardian o presidente-executivo do Centro de Estudos Económicos e de Relações Internacionais de Istambul, Sinan Ülgen.
Erdogan e o AKP estão conscientes dos riscos que as eleições locais em Istambul acarretam. Algumas sondagens mostram Imamoglu com uma confortável liderança face a Yildirim. “Se perderem as eleições em Istambul duas vezes, significa que há um novo começo. Eles vão ter de começar a pensar no que vão fazer a seguir”, disse ao Financial Times Ali Carkoglu, professor de Ciência Política da Universidade Koc.
O conturbado processo de repetição das eleições deixou divisões até no AKP, com vários dirigentes a criticarem publicamente a posição do partido. Personalidades como o ex-primeiro-ministro Ahmet Davutoglu, ou o ex-Presidente Abdullah Gul, encabeçaram as críticas, e há quem anteveja a hipótese de que as dissidências possam fazer surgir novos partidos, enfraquecendo ainda mais a hegemonia de Erdogan e do AKP.
“Há tanto descontentamento que, na minha opinião, se houvesse um novo partido com uma matriz económica liberal, mais centrista, poderia facilmente ir buscar apoio entre os eleitores do AKP e da classe média alta”, disse ao FT o ex-membro da direcção do AKP, Osman Can.
Numa disputa que se prevê apertada, a chave para a vitória poderá estar entre a comunidade curda de Istambul, que constitui cerca de 15% do eleitorado da metrópole. Com isto em mente, o AKP tem adoptado uma postura mais conciliadora e, no início do mês, Yildirim fez mais de mil quilómetros para fazer campanha em Diyarbakir, a principal cidade do Curdistão turco. O Governo permitiu também que o líder histórico do Partido dos Trabalhadores do Curdistão, Abdullah Ocalan, preso há vinte anos, se reunisse com o seu advogado – algo que lhe era negado desde 2011, diz a Reuters.