Há poucos professores com competências para ensinar crianças com necessidades especiais. É “urgente” formá-los

Em 2018, foi apresentado o novo regime da educação inclusiva. A falta de formação dos docentes — que é reconhecida pelos próprios nas respostas ao inquérito TALIS — pode colocar em causa os progressos alcançados, diz o presidente da associação Pró-Inclusão - Associação Nacional de Docentes de Educação Especial.

Foto
PAULO PIMENTA

A preparação dos professores do ensino básico para lidar com alunos com necessidades especiais ainda fica aquém. E são os próprios a admiti-lo nas respostas ao inquérito TALIS (Teaching and Learning International Survey) 2018, publicado nesta quarta-feira pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). Só 30% tiveram formação sobre como lidar com estudantes com necessidades especiais no último ano e cerca de 27% dizem que é algo que lhes faz falta.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

A preparação dos professores do ensino básico para lidar com alunos com necessidades especiais ainda fica aquém. E são os próprios a admiti-lo nas respostas ao inquérito TALIS (Teaching and Learning International Survey) 2018, publicado nesta quarta-feira pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). Só 30% tiveram formação sobre como lidar com estudantes com necessidades especiais no último ano e cerca de 27% dizem que é algo que lhes faz falta.

Os directores também o reconhecem. Metade dos inquiridos diz que a qualidade do ensino nas suas escolas é prejudicada pela falta de docentes com formação específica direccionada para crianças com necessidades especiais. Um número que está muito acima da média da OCDE: 32%.

Para o presidente da associação Pró-Inclusão, David Rodrigues, é “urgente que possamos desenvolver para o futuro um grande programa nacional, articulado e generalizado de formação para os professores”. Algo “que ainda não existe”.

“O que sabemos hoje é que, quando tomámos a decisão de educar todos os alunos da mesma escola, a formação [dos professores] foi claramente insuficiente”, acrescenta David Rodrigues. Para cumprir esse desígnio — “que é uma questão de direitos humanos” — é necessário um conjunto de recursos. Se não existirem, “as pessoas qualquer dia vão estar outra vez a pedir escolas de educação especial”. 

Então o que é preciso? “Desenvolver programas que tenham em conta a realidade da escola, que acompanhem o seu desenvolvimento ao longo do ano.”

No bom caminho

Mas há outra forma de olhar para os dados. As respostas ao TALIS foram dadas pelos professores entre Março e Maio de 2018. A resposta dada pela comunidade docente mostra que o Ministério da Educação está a ir no caminho certo, interpreta o secretário de Estado da Educação, João Costa. “Alegra-nos”, diz João Costa, porque “é um investimento que temos feito em termos de formação contínua”.

“O TALIS é o único estudo a nível internacional que é apenas a voz dos professores e dos directores. Não há dados fornecidos por governos. É um olhar sobre os sistemas educativos que vem dos profissionais”, refere o secretário de Estado da Educação, João Costa.

“Estamos a creditar a formação em educação inclusiva para todos os grupos de recrutamento. O TALIS ajuda-nos a definir prioridades de investimento. Agora, com turmas a funcionar em todo o país, continuamos a perceber que é das áreas em que temos de investir mais”, esclarece.

Em Portugal, cerca de 33% dos professores do básico trabalham em escolas onde mais de 10% dos alunos têm necessidades educativas especiais. No secundário o número é ainda menor: 21%.

As diferenças entre o básico e o secundário têm uma explicação possível, segundo João Costa: “No ano em que os professores foram inquiridos, em 2018, estávamos a viver no secundário uma lei que empurrava os alunos [com necessidades especiais] para o profissional. Este ano [há um novo regime de educação inclusiva] estamos a reduzir o número de alunos por turma também no científico-humanístico. Pode ser por isso que há essa representação.”

Tempo desperdiçado

Tarefas administrativas, como a distribuição de formulários ou a verificação de presenças, e o controlo do comportamento dos alunos ocupam, em média, um quarto da duração total das aulas no ensino básico. Esta proporção coloca Portugal entre os países e economias da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) onde se despende menos tempo em actividades de ensino e aprendizagem (73,5%). A média da OCDE é 78,1%. Os professores que mais dizem usar o tempo de aula para esse propósito estão na Rússia, Estónia e Vietname.

Ao PÚBLICO, João Costa, secretário de Estado da Educação e presidente do órgão de governação do TALIS, reconhece a questão do comportamento em sala de aula (e do tempo gasto a geri-lo) é uma dimensão “preocupante”. É algo que “tem de ser cruzado” com outras questões como “o envolvimento dos estudantes, as questões de disciplina, as questões de valorização geral dos professores e a relação com encarregados de educação”.

A utilização do tempo de aula para as tarefas ditas de aprendizagem está a diminuir. Nos últimos anos, esse tempo “diminuiu em cerca de metade dos países e economias participantes no TALIS”, adianta a OCDE. Em Portugal, a redução foi de dois pontos percentuais.

E o que explica esta tendência? Em parte, o número de alunos por turma. Ao analisar os dados do TALIS, a OCDE conclui que “quando os professores têm turmas maiores, tendem a gastar menos tempo de aula nas actividades de ensino e aprendizagem”.

Classe envelhecida

A OCDE volta a frisar que os professores portugueses estão entre os mais envelhecidos. Têm, em média, 49 anos — mais cinco do que a idade média dos docentes dos outros países e economias que participam no TALIS.

A organização sublinha ainda que, em 2018, 47% destes profissionais tinham 50 anos ou mais. Algo que se agravou desde 2013 e 2018, quando esta proporção se ficava pelos 28%. “Significa que Portugal vai ter de renovar cerca de um em cada dois membros da sua classe docente durante a próxima década”, diz a OCDE.