Congresso dos EUA debate compensações aos descendentes de escravos
O Partido Republicano opõe-se à ideia porque “nenhum dos responsáveis [pela escravatura] está vivo”. Os defensores dizem que a riqueza dos EUA assenta no trabalho escravo, e que os afro-americanos continuam a sofrer as consequências.
Uma proposta de lei apresentada pela primeira vez há 30 anos no Congresso norte-americano, para avaliar se os afro-americanos devem ser compensados pelos quase 250 anos de escravatura nos EUA, foi debatida esta quarta-feira pela primeira vez. Em causa está a possível criação de um grupo de trabalho e não a aprovação de medidas concretas, mas o debate sobre o tema está longe de ser consensual e conta com a oposição declarada do Partido Republicano.
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Uma proposta de lei apresentada pela primeira vez há 30 anos no Congresso norte-americano, para avaliar se os afro-americanos devem ser compensados pelos quase 250 anos de escravatura nos EUA, foi debatida esta quarta-feira pela primeira vez. Em causa está a possível criação de um grupo de trabalho e não a aprovação de medidas concretas, mas o debate sobre o tema está longe de ser consensual e conta com a oposição declarada do Partido Republicano.
A ideia de compensar os descendentes dos escravos de origem africana foi criticada esta semana pelo líder da maioria do Partido Republicano no Senado, Mitch McConnell.
Expressando uma opinião que é comum entre os críticos da proposta, McConnell disse que a ideia de compensar os descendentes de escravos “não é boa” porque “nenhum dos responsáveis [pela escravatura] está vivo”.
“Aprovar compensações para uma coisa que aconteceu há 150 anos, e de que nenhum de nós é responsável, não é uma boa ideia”, disse McConnell. “Enfrentámos o nosso pecado original da escravatura com uma guerra civil, com a aprovação das leis dos direitos civis e com a eleição de um Presidente afro-americano”, disse o líder da maioria do Partido Republicano no Senado.
"Base da riqueza dos EUA"
Os defensores da proposta, como o actor Danny Glover ou o escritor e jornalista Ta-Nehisi Coates (ambos presentes no debate desta quarta-feira numa subcomissão da Câmara dos Representantes), dizem que a ideia de compensação “não se resume a passar cheques a negros”, nem se limita ao período de 246 anos de escravatura institucional no território, entre 1619 e 1865.
No seu depoimento, Ta-Nehisi Coates disse que os argumentos de Mitch McConnell reflectem “uma estranha teoria de governação” – a de que “as contas americanas estão limitadas ao tempo de vida das suas gerações”.
“Ainda neste século, os Estados Unidos continuaram a pagar pensões aos herdeiros dos soldados da Guerra Civil. E honramos tratados que foram assinados há 200 anos, apesar de nenhum dos seus signatários estar vivo”, disse o escritor e jornalista.
Coates defende o pagamento de compensações financeiras aos descendentes dos escravos, mas outros defensores da proposta dizem que estão abertos a várias soluções e que o importante é criar um grupo de trabalho para estudar o assunto.
“Quem trabalhou nos campos de algodão criou as bases da riqueza deste país”, disse Coates, autor de um importante artigo em defesa da compensação aos descendentes de escravos publicado em 2014 na revista The Atlantic.
“Tal como o historiador Ed Baptist escreveu, a escravatura ‘moldou cada aspecto crucial da economia e da política’ da América. Em 1836, mais de 600 milhões de dólares, quase metade da actividade económica nos Estados Unidos, derivavam directa ou indirectamente do algodão produzido pelos escravos”, disse o escritor e jornalista no seu depoimento na Câmara dos Representantes.
Efeitos actuais
Para os defensores da proposta, sem o trabalho de milhões de escravos entre os séculos XVII e XIX, os Estados Unidos não seriam o país poderoso que viria a ser – e é por causa desses quase dois séculos e meio de escravatura, sem acesso a nenhuma oportunidade de valorização, que os afro-americanos continuam a partir atrás da maioria dos brancos na sociedade norte-americana actual.
Para além do período de escravatura, os defensores da proposta discutida esta quarta-feira salientam que a população afro-americana não passou a ser livre com a abolição no final da Guerra Civil norte-americana, em 1865.
Nos anos seguintes e até à década de 1960, os estados do Sul do país, que tinham lutado na guerra civil pela manutenção da escravatura, aprovaram uma série de leis de segregação que mantiveram os afro-americanos na extrema pobreza e fizeram deles alvos da segregação e de linchamentos.
A discussão da proposta de lei, cuja primeira versão foi apresentada em Janeiro de 1989 pelo então congressista John Conyers, tem também um aspecto simbólico: esta quarta-feira comemora-se nos EUA o feriado conhecido como Juneteenth, que recorda a abolição da escravatura, a 19 de Junho de 1865; e em 2019 cumprem-se 400 anos da chegada dos primeiros escravos ao território que é hoje o estado da Virgínia.
Apesar de a proposta ter chegado à primeira fase de discussão, é pouco provável que venha a ser aprovada.
Depois do debate desta quarta-feira numa subcomissão, a proposta terá de ser votada e aprovada pela Comissão de Justiça; aprovada pela Câmara dos Representantes; aprovada pelo Senado (que tem a sua própria versão da proposta); e promulgada pelo Presidente norte-americano.
Segundo a proposta que está em discussão, esse grupo seria composto por 13 pessoas (três indicadas pelo Presidente dos EUA, três pela presidente da Câmara dos Representantes, um pelo presidente do Senado e seis por organizações da sociedade civil), e teria um ano para apresentar um relatório final.