Memorial vai homenagear as vítimas do dia “em que o impossível se fez real”
O primeiro-ministro, vários membros do Governo, autarcas da região de Leiria, o Presidente da República e o do Parlamento juntaram-se em Castanheira de Pera para homenagear as vítimas dos incêndios de há dois anos.
As mãos que seguram o papel com o discurso que trouxe escrito nunca pararam de tremer ao longo os cinco minutos em que falou. A voz da presidente da Associação de Vítimas do Incêndio de Pedrógão Grande (AVIPG), Nádia Piazza, saía soluçada. Não lhe é fácil recordar o dia “em que o impossível se fez real”. O dia 17 de Junho de 2017, quando o fogo matou 66 pessoas e deixou feridas cerca de 250 no centro do país. Um dia recordado nesta segunda-feira, em Castanheira de Pera, na presença das três principais figuras da República, vários ministros e todos os autarcas da zona atingida pelas chamas fez agora dois anos. E em dia de homenagem às vítimas, foi anunciada a construção de um memorial em Pedrógão Grande da autoria do arquitecto Souto Moura, junto à estrada onde muitos perderam a vida.
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As mãos que seguram o papel com o discurso que trouxe escrito nunca pararam de tremer ao longo os cinco minutos em que falou. A voz da presidente da Associação de Vítimas do Incêndio de Pedrógão Grande (AVIPG), Nádia Piazza, saía soluçada. Não lhe é fácil recordar o dia “em que o impossível se fez real”. O dia 17 de Junho de 2017, quando o fogo matou 66 pessoas e deixou feridas cerca de 250 no centro do país. Um dia recordado nesta segunda-feira, em Castanheira de Pera, na presença das três principais figuras da República, vários ministros e todos os autarcas da zona atingida pelas chamas fez agora dois anos. E em dia de homenagem às vítimas, foi anunciada a construção de um memorial em Pedrógão Grande da autoria do arquitecto Souto Moura, junto à estrada onde muitos perderam a vida.
Passaram dois anos desde o dia em que as chamas consumiram milhares de hectares no Pinhal Interior, destruíram cerca de meio milhar de casas e causaram a morte a mais de 60 pessoas, mas as marcas do fogo ainda estão bem presentes. No chamado Pinhal Interior, no distrito de Leiria, ainda há madeira queimada a pintar a paisagem agora mais verde, graças aos eucaliptos que renasceram e às acácias selvagens que dominam o cenário. Há muita floresta por limpar e milhares de troncos acumulam-se ainda, abandonados, pelas terras.
Foi um local com vista para este cenário, onde notoriamente muito há ainda por fazer na ordenação daquela floresta, que o Governo escolheu para lembrar e homenagear as vítimas e as suas famílias. Em Castanheira de Pera esteve o primeiro-ministro, cinco ministros e os presidentes das sete câmaras atingidas pelo incêndio de 2017. Numa missa de homenagem na igreja local juntaram-se ainda o Presidente da República, o da Assembleia da República, a líder do CDS e a deputada Teresa Morais em representação do PSD.
Uma homenagem sentida e com muita gente em lágrimas. Uma dor que acabou verbalizada na cerimónia que se seguiu à missa, durante assinatura de um protocolo entre a AVIPG e a Infra-Estruturas de Portugal para a construção do memorial.
Porta-voz da dor
A porta-voz desta dor que muitos ainda sentem foi a presidente AVIPG, Nádia Piazza. “Hoje é o dia que assinalamos um verdadeiro holocausto em Portugal, pela destruição de vidas e bens. (…) Todos precisam de seguir em frente, mas não se segue em frente sem antes enfrentar o passado”, afirmou a dirigente associativa que perdeu um filho nos incêndios de 2017.
O memorial da autoria de Souto Moura, que também esteve em Castanheira de Pera, ainda não tem data definida para a sua conclusão, mas o local para a sua instalação está já decidido. Será junto ao quilómetro 7,7 da EN 236-1, onde uma parte das vítimas mortais foi cercada pelo fogo. A obra será constituída por uma balsa de água ligada a uma fonte que simbolizará a vida e o nascimento.
“Não será uma pedra tumular, mas um espaço de lembrança colectiva e a página que falta virar, e, para muitos, um local de reflexão. Um espaço para aliviar os traumas dos que por lá passam e tornar-se num local de convívio sentido da comunidade e de todos aqueles que também não se querem esquecer e que lá depositam o seu respeito (…) Que sirva de cura até que um dia reste apenas a saudade purificada pelas suas águas, lavada do ódio, da revolta, da indignação e do sofrimento”, acrescentou Nádia Piazza.
Souto Moura, por sua vez, explicou que “água como purificação é um elemento transversal em todas as culturas e religiões”, salientando que a balsa terá a “dupla função de evocar o renascimento, que pensamos que vai acontecer e, se houver outro incêndio, os bombeiros têm onde ir buscar água”.
Na sua intervenção, António Costa sublinhou que as causas profundas dos incêndios “nunca serão resolvidas” apenas a partir dos meios de combate. Para o primeiro-ministro, as causas dos incêndios que afectam o país de forma cíclica apenas poderão ser combatidas quando se conseguir “vencer o desafio extraordinário de revitalizar estes territórios de baixa densidade e se conseguir concluir a reforma da floresta”.
“Ninguém nos poderá perdoar alguma vez se não fizermos tudo aquilo que está ao nosso alcance para enfrentar estes dois desafios. Não são dois desafios para amanhã, mas dois desafios de médio e longo prazo que não podemos adiar mais uma vez, porque se não, mais uma vez, nós falharemos o compromisso que temos de ter de que isto nunca mais volte a acontecer”, acrescentou.
Um dos ministros presentes em Castanheira de Pera foi o do Planeamento, Nelson de Souza. Confrontado pelos jornalistas sobre a regeneração de eucaliptais, muitos deles ao abandono, na região afectada pelo incêndio, o governante afirmou que “as mudanças na floresta não acontecem no espaço de ano e meio”. Souza recordou o trabalho do executivo em torno das faixas de gestão de combustível, considerando, porém, que essa “não é uma solução de futuro, porque não é sustentável para os proprietários”, prometendo medidas que possam “encarar de frente essas questões”.
Avaliação negativa
Na Assembleia da República, o deputado do PCP António Filipe afirmou que o executivo tem fugido da avaliação periódica do Parlamento sobre as medidas tomadas e ainda por tomar. E defendeu que as vítimas que ainda não foram ressarcidas - em indemnizações por danos físicos ou na reconstrução de primeira e segunda habitação - o devem ser “o mais rápido possível”.
Dois anos depois, “ainda há vítimas por indemnizar, há famílias cujas habitações ainda não foram reparadas; o potencial produtivo não foi restaurado, sobretudo no sector agro-florestal, em que a burocracia e atrasos levaram ao abandono de uma parte das explorações; não há política de fomento, ordenamento e reposição de uma floresta autóctone, o que faz com que o eucalipto volte a proliferar por regeneração natural, já que é uma espécie infestante”, afirmou o deputado comunista.
Em Castanheira de Pera, Assunção Cristas pediu mais acção do Governo nos concelhos atingidos pelos incêndios de Pedrógão Grande, acrescentando que continua “a ouvir a palavra de que as pessoas se sentem abandonadas”. Com Maria Lopes