Confrontos contra Pequim saem das ruas para entrarem no G20
Espera-se que o Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, aborde os protestos em Hong Kong no seu encontro com o homólogo chinês, Xi Jiping. Retaliação norte-americana pode passar por incluir a região administrativa na linha da frente da guerra comercial.
Os protestos em Hong Kong contra a lei de extradição são o maior desafio de sempre à autoridade do Presidente chinês, Xi Jinping. E, agora, podem ultrapassar as fronteiras da região administrativa especial chinesa para ficarem no centro da guerra comercial entre os Estados Unidos e a China na cimeira do G20, no final deste mês em Osaka, no Japão.
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Os protestos em Hong Kong contra a lei de extradição são o maior desafio de sempre à autoridade do Presidente chinês, Xi Jinping. E, agora, podem ultrapassar as fronteiras da região administrativa especial chinesa para ficarem no centro da guerra comercial entre os Estados Unidos e a China na cimeira do G20, no final deste mês em Osaka, no Japão.
No domingo, dois milhões de pessoas manifestaram-se contra a proposta de lei da extradição, que permitiria que criminosos (e opositores políticos) fossem julgados na China Continental. O governo local, escolhido por Pequim, foi obrigado a recuar e a suspender a proposta. A chefe do executivo, Carrie Lam, pediu publicamente desculpa pela violência policial.
Esta decisão foi vista não apenas como um passo atrás de Lam, mas como um recuo de Pequim perante uma manifestação de dimensões históricas. Conhecido pela sua intransigência perante qualquer contestação, Xi viu-se obrigado a aceitar o recuo de Lam, que contraria um discurso que proferiu em 2017 numa visita a Hong Kong, quando alertou que “qualquer tentativa para pôr em risco a soberania e segurança da China, desafiar o poder do Governo central”, seria uma “linha vermelha totalmente inadmissível”.
É num cenário que alguns analistas consideram de fragilidade - devido à guerra comercial e devido à resistência de Hong Kong - que Xi vai participar na cimeira do G20, coincidindo com o Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que pode tentar retirar benefícios nas negociações sobre a guerra comercial entre os dois países.
Os protestos “implicam que se as pessoas forem corajosas o suficiente para desafiarem Pequim, podem conseguir melhores resultados, e forçar Pequim e o Partido Comunista Chinês a cederem”, disse à CNN Willy Lam, professor na Universidade Chinesa de Hong Kong.
Sabendo-o, o Presidente dos Estados Unidos deverá abordar o assunto no seu encontro com Xi à margem do G20, segundo o seu secretário de Estado, Mike Pompeo. “Tenho a certeza de que [os protestos] estarão entre os assuntos que vamos discutir”, disse Pompeo à Fox News.
A hipótese de Trump querer falar sobre um território chinês, ainda que com administração especial, fez soar os alarmes nos corredores do poder em Pequim. Trump pode ameaçar retirar a imunidade económica a Hong Kong, incluindo a região na guerra comercial que trava com Pequim.
Devido ao seu estatuto de relativa autonomia com a política de “um país, dois sistemas” a partir de 1997, Hong Kong tem sido poupada às retaliações económicas norte-americanas na guerra comercial – taxas e proibições de exportação. Mas tudo pode mudar se Washington entender que a autonomia da região é uma ilusão. Para incluir Hong Kong nesta guerra, o Congresso de Washington teria que aprovar uma lei que pusesse fim à imunidade da região, o que ainda não foi feito – nem deverá ser. Mas Trump pode usar essa ameaça.
“Enquanto Trump está desejoso de chegar a acordo com a China, os falcões dos assuntos securitários nos EUA vão procurar qualquer abertura que possam explorar para enfraquecer a China, de Taiwan a Xinjiang e, agora, Hong Kong”, disse Wang Yong, director do Centre for International Political Economy da Universidade de Pequim, ao South China Morning Post. Uma parte da Administração norte-americana, com Pompeo à cabeça, vê a China como a grande ameaça à hegemonia dos EUA.
Do lado chinês, o mais previsível é limitar-se a declarar que a situação em Hong Kong é um assunto exclusivamente interno à China e que não afecta as relações com os EUA, recusando pelo meio qualquer debate ou diálogo – Pequim já acusou Washington de interferência nos protestos.
“O Presidente Xi continua a querer levar as conversas comerciais com os EUA a bom porto e não quer neste momento ligar o comércio a qualquer outro assunto”, garantiu Bonnie Glaser, directora do China Power Project do Center for Strategic and International Studies, em declarações à CNN.
“Hong Kong é uma importante ponte entre as economias chinesa e norte-americana. Se os falcões nos EUA quiserem dissociar as duas economias, vão ter como alvo Hong Kong”, explicou Wang. A China sabe-o, o que pode empurrar Xi para uma abordagem mais de conciliação do que de confronto com os EUA.
A economia da região depende do sector financeiro e do transporte de mercadorias por via marítima, a que se junta a dependência ao dólar. Como epicentro tecnológico, as taxas e proibições de exportação irão certamente afectar o sector do território.
Lam entre a espada e a parede
Carrie Lam chegou a chefe do Governo de Hong Kong pela mão dos chineses e apenas deixará de o ser se Pequim assim o quiser. No protesto de domingo, os manifestantes acrescentaram uma segunda reivindicação, a seguir à anulação do projecto de lei: a demissão de Lam.
Esta segunda-feira, Pequim deixou claro que não está disponível para ceder completamente à pressão das ruas e que a posição da chefe do Governo não é negociável. Um alto funcionário do Governo de Hong Kong confirmou à Reuters que Pequim mantém, para já, a confiança total em Carrie Lam. Acrescentou que Lam não está autorizada a demitir-se.
“Ela está entre Pequim, que continua a dar ordens e quer que o Governo de Hong Kong diga sim a tudo, e as exigências e expectativas da sociedade de Hong Kong”, afirmou Jean-Pierre Cabestan, autor do livro China Tomorrow: Democracy or Dictatorship e professor na Universidade Baptista de Hong Kong, ao Straits Times. “É uma missão impossível”.
O apoio incondicional a Lam por parte de Pequim pode enquadrar-se numa estratégia de ganhar tempo até outra figura ser escolhida para assumir a chefia do executivo local, já depois de a contestação ter diminuído. Um segundo mandato de Lam, agendado para começar em 2022, e que era dado como certo, já que o parlamento é controlado por forças pró-Pequim, pode porém estar fora de questão. Mas, por agora, dizem os analistas ouvidos pelo Straits Times, ninguém se consegue lembrar de um nome para a substituir, e muito menos de quem o queira.