Blocos de parto com falta de médicos dão sinais de ruptura

Com apenas 61% dos obstetras que existem em Portugal a trabalhar no Serviço Nacional de Saúde, agravam-se os problemas nos serviços às grávidas e aos bebés.

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Fernando veludo/público

O Verão ainda não chegou mas algumas urgências de obstetrícia, os chamados blocos de parto dos hospitais públicos, já estão com problemas em assegurar escalas e têm que encaminhar grávidas para outros hospitais. Na maternidade do hospital de Beja vive-se uma das situações mais complicadas: desde o início deste ano o serviço de urgência de ginecologia/obstetrícia encerrou temporariamente por quatro vezes devido à falta de especialistas.

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O Verão ainda não chegou mas algumas urgências de obstetrícia, os chamados blocos de parto dos hospitais públicos, já estão com problemas em assegurar escalas e têm que encaminhar grávidas para outros hospitais. Na maternidade do hospital de Beja vive-se uma das situações mais complicadas: desde o início deste ano o serviço de urgência de ginecologia/obstetrícia encerrou temporariamente por quatro vezes devido à falta de especialistas.

No domingo passado, uma mulher teve um bebé numa ambulância estacionada no posto de abastecimento de Aljustrel, ajudada pelos bombeiros locais. A notícia chamou a atenção para a recorrente falta de obstetras na maternidade de Beja. Quando esta fecha temporariamente, as parturientes têm que ir para o hospital de Évora, a cerca de 80 quilómetros, para o Centro Hospitalar do Algarve (unidades de Faro e Portimão), ou para o hospital de Setúbal - estes últimos distam mais de 140 quilómetros de Beja.

A criança e a mãe ficaram bem. “E se o parto se tivesse complicado?”, pergunta o presidente do Sindicato Independente dos Médicos (SIM), Jorge Roque da Cunha, que tem denunciado “outras situações de ruptura” em várias maternidades nos últimos dias. “É o pão nosso de cada dia, as equipas estão depauperadas”, diz.

O problema da falta de médicos especialistas em ginecologia/obstetrícia “tem vindo a agravar-se” de ano para ano, confirma o presidente do colégio desta especialidade na Ordem dos Médicos (OM), João Bernardes, que lembra que no Verão este problema tem ainda mais impacto, por causa do período de férias.

“O problema de Beja é gravíssimo”, enfatiza o médico. No bloco de parto deste hospital alentejano há “cinco especialistas” quando seriam necessários “entre 16 a 18” para assegurar todas as escalas, calcula. As normas ditam que uma urgência de ginecologia/obstetrícia deve ter, no mínimo, dois médicos em permanência. Para poder assegurar as equipas mínimas, o hospital de Beja recorre a especialistas em contrato de prestação de serviços (médicos que trabalham à tarefa), mas há alturas em que nem estes chegam para as encomendas.

De mãos atadas, o conselho de administração da Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo (que gere o hospital de Beja) explicou que os concursos abertos nos últimos 10 anos para contratar especialistas em ginecologia/obstetrícia têm ficado “desertos” e que os médicos internos formados no hospital “infelizmente” não ficam depois de terminarem a formação.

Mas este não é caso único no país. O bloco de parto do hospital de Évora também está muito carenciado, com “oito especialistas”, e até em Lisboa e Vale do Tejo há outras maternidades com grande falta de obstetras, como a do hospital de S. Francisco Xavier, que “tem 16 especialistas” mas precisaria de mais do dobro (“entre 34 a 36”), segundo João Bernardes. Nos hospitais com mais partos, as regras ditam que são necessários, no mínimo, quatro a cinco obstetras em permanência.

Apesar de a situação em algumas maternidades ter melhorado no ano passado, na sequência de denúncias e de notícias na comunicação social, o cenário geral manteve-se sombrio. “Pontualmente, os hospitais transferem grávidas e accionam planos de contingência”, diz.

Portugal até tem muitos obstetras, mas apenas 850 (de um total de 1400) trabalham no Serviço Nacional de Saúde, ou seja, 39% estão no privado ou a trabalhar à tarefa ou emigraram. E a renovação de uma especialidade muito envelhecida não tem sido feita ao ritmo necessário. No último ano saíram 45 novos especialistas mas só cerca de metade foram colocados nos hospitais públicos, sintetiza João Bernardes. Muitos jovens vão para o sector privado, outros preferem ficar a trabalhar em prestação de serviço, explica João Bernardes. “A trabalhar à tarefa ganham 50 euros por hora”, diz o secretário-geral do SIM, Roque da Cunha. E mais de metade dos obstetras já tem mais de 55 anos de idade, ficando por isso dispensados de fazer urgências.

Este cenário complicado já tinha sido traçado no ano passado pela OM. Nos últimos dois anos, sintetizava então o colégio da especialidade, as urgências de obstetrícia têm estado “de uma forma geral em pré-ruptura, com períodos de ruptura, por falta de recursos humanos”.

Faltam pediatras e anestesiologistas

O certo é que o problema não se resume à falta de obstetras. Roque da Cunha diz que “na região Sul quase todos os dias são enviadas para os CODU [Centros de Orientação de Doentes Urgentes do INEM] notificações a avisar que não mandem as grávidas” para várias maternidades. No hospital Amadora-Sintra foi accionado o plano de contingência nos dias 1 e 3 deste mês, o que significa que “durante a noite a maternidade esteve encerrada, alegadamente por falta de anestesiologistas”, segundo o SIM. E o hospital de Setúbal também tem por vezes encaminhado grávidas para o Santa Maria (Lisboa), segundo afirma.

Também na maternidade do hospital de Portimão, entre as 16h30 do dia 7 e as 9h00 do dia 11 deste mês, as grávidas em trabalho de parto e com condições de transferência em segurança foram encaminhadas para o hospital de Faro devido à falta de pediatras, tendo apenas ficado assegurados os partos em situação de emergência. Isto implicou que, durante o período de encerramento, quer as crianças com necessidades de apoio diferenciado que as parturientes de risco internadas no serviço de obstetrícia, fossem transferidas para o hospital de Faro, onde existe uma unidade com cuidados intensivos neonatais.

Sublinhando que a carência de pediatras na unidade de Portimão é “reconhecida”, o conselho de administração do Centro Hospital Universitário do Algarve explica que “no passado foram desenvolvidos vários concursos que ficaram desertos, por falta de candidatos”. Seja como for, acentua, o atendimento no Serviço de Urgência Pediátrica da Unidade Hospitalar de Portimão “não será comprometido, estando assegurado pela equipa de clínicos gerais, com competências em pediatria”. E frisa que está “inteiramente disponível para contratar, de imediato, médicos pediatras.

O Ministério da Saúde adiantou, entretanto, que, entre 2015 e 2018, houve um acréscimo de 58 especialistas de ginecologia e obstetrícia no SNS. Sublinhando que procura abrir concursos de “forma mais célere” e respeitando as necessidades identificadas nos hospitais “com a preocupação de não desguarnecer outras regiões”, lembra que “têm sido atribuídos incentivos, quer à mobilidade, quer a novas contratações”, para serviços e estabelecimentos que se situem em zonas geográficas qualificadas como carenciadas. 

Recorda ainda que, no último concurso, foram criadas pela primeira vez “vagas de perfil”, que correspondem a necessidades específicas identificadas pelas unidades.