A partir de 2020 só serão cobradas taxas moderadoras nas urgências
Com a proposta aprovada esta sexta-feira, deixarão de ser cobradas as taxas moderadoras das consultas nos centros de saúde, nas consultas de especialidade e nas análises, exames e fisoterapia desde que prescritos por médicos do SNS. Medida entra em vigor em 2020.
Numa reviravolta em relação ao que fizeram no grupo de trabalho da Lei de Bases da Saúde, o PS e o PSD aprovaram nesta sexta-feira no plenário a proposta do Bloco para acabar com as taxas moderadoras nos cuidados de saúde primários e nas demais prestações de saúde que sejam prescritas por profissionais no Serviço Nacional de Saúde. Isto inclui consultas, tratamentos de enfermagem, análises e exames, ou fisioterapia. E com data: a medida entra em vigor em 2020.
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Numa reviravolta em relação ao que fizeram no grupo de trabalho da Lei de Bases da Saúde, o PS e o PSD aprovaram nesta sexta-feira no plenário a proposta do Bloco para acabar com as taxas moderadoras nos cuidados de saúde primários e nas demais prestações de saúde que sejam prescritas por profissionais no Serviço Nacional de Saúde. Isto inclui consultas, tratamentos de enfermagem, análises e exames, ou fisioterapia. E com data: a medida entra em vigor em 2020.
O PCP, o PEV, o PAN e o deputado não-inscrito também votaram a favor; só o CDS votou contra.
No grupo de trabalho, exactamente a mesma proposta do BE foi chumbada, tendo sido aprovada uma muito parecida do PS que estabelecia que essa isenção seria regulamentada por nova lei a definir. Ao levar o assunto ao plenário, o BE tentou encostar o PS às cordas - e conseguiu -, fazendo com que a lei fosse já alterada. Além do atendimento - por exemplo, apenas para passar receitas -, consultas e tratamentos nos cuidados de saúde primários (centros de saúde), passam a ser gratuitas também, por exemplo, as consultas de especialidade nos hospitais, os actos complementares prescritos como as análises e os exames complementares de diagnóstico, e “outras prestações de saúde” como a fisioterapia. A exigência é sempre a mesma: desde que tudo seja prescrito por um profissional que atenda o utente no Serviço Nacional de Saúde.
Actualmente, as consultas nos centros de saúde para quem não é isento custam 4,5 euros e as de especialidade no hospital do SNS 7 euros. As consultas de enfermagem nos primeiros custam 3,5 euros e nos hospitais 4,5. Já a tabela das análises e exames vai desde os 35 cêntimos aos 40 euros.
Nesta sexta-feira, o voto a favor do PS só foi possível através de um acordo entre os socialistas e os bloquistas para que na discussão na especialidade, na Comissão de Saúde, a entrada em vigor passe a ser com o orçamento do Estado do próximo ano e não de imediato, como prevê o texto do Bloco. Se fosse agora, isso violaria a lei-travão, que impede a aprovação de mais despesa ou menos receita no decorrer da execução orçamental.
O Bloco aceitou dar esse passo atrás. “Só entra em vigor com o próximo Orçamento do Estado e não queremos que entre antes porque violaria a lei-travão”, afirmou Pedro Filipe Soares no discurso de encerramento, apesar de ter feito a proposta para que a medida entrasse em vigor assim que a lei fosse publicada em Diário da República.
Taxas são barreira
O bloquista Moisés Ferreira argumentou que as taxas moderadoras são uma “barreira no acesso aos cuidados de saúde”, que são “co-pagamentos encapotados” porque o utente paga uma segunda vez algo que já é pago pelos impostos. “Não moderam o acesso, mas sim impedem-no”, já que é por causa do seu preço que centenas de milhar de consultas e exames ficam por fazer todos os anos. Alegou não fazer sentido obrigar o utente a pagar por um exame ou uma consulta de especialidade que lhe são prescritos por um médico. O Governo alega que as taxas moderadoras se destinam a moderar a procura dos serviços de saúde.
“Que sentido faz cobrar taxa moderadora por um exame que foi prescrito pelo médico de família? Se ele foi prescrito é porque o médico o acha necessário; logo, o utente tem de o fazer.”
Foi Moisés Ferreira quem chamou a Lei de Bases da Saúde para o debate. Lembrou o “impasse” por causa da “inflexibilidade” do PS que “teima em manter a gestão privada do SNS” e até referiu haver no PS quem “feche a porta a qualquer hipótese de acordo na actual legislatura” - uma menção indirecta ao presidente Carlos César. “Não queremos que a obstinação na defesa das PPP possa deitar tudo a perder. Se já se conseguiu estabelecer um acordo e uma maioria em torno do objectivo de acabar com as taxas moderadoras nos cuidados de saúde primários (...) então concretize-se já essa medida.”
De acordo com os últimos dados disponíveis no relatório do acesso do SNS, divulgado em 2018 mas com dados de 2017, as receitas com taxas moderadoras ascendem a 89 milhões de euros nos cuidados de saúde primários (vulgo centros de saúde) e 72 milhões de euros nos hospitais, centros hospitalares e unidades locais de saúde - estas últimas também integram centros de saúde, pelo que, a receita total com taxas moderadoras vinda dos centros de saúde será superior aos tais 89 milhões de euros. Não é possível, contudo, desagregar os dados para obter uma análise mais fina.
O debate da moderação
Durante o debate em plenário, tanto o PSD como o PS mostraram uma posição muito crítica sobre a proposta do Bloco, lembraram que a mesma redacção foi chumbada na discussão da Lei de Bases da Saúde, e que ficara aprovada a do PS de que isso seria matéria para regulamentar posteriormente. Aliás, o debate era sobre taxas moderadoras mas acabou por ser capturado pelo tema da lei de bases.
Foi a centrista Ana Rita Bessa quem pôs o dedo na ferida: “O debate de hoje não é sobre taxas moderadoras. É sobre interesses que falam mais alto e nem sequer é um debate pré-eleitoral, é mesmo eleitoral. Não é um debate de taxas, é de moderação das posições entre o BE e do PS.” Lembrou que a mesma proposta do Bloco foi chumbada há duas semanas no grupo de trabalho da Lei de Bases por PSD, CDS e do PS e até teve a abstenção do PCP e que a discussão de hoje era uma tentativa do BE de fazer o PS aproximar-se, numa discussão na especialidade.
Antes, o social-democrata Cristóvão Simão Ribeiro, quisera saber se o BE voltava à mesma proposta por “uma questão populista e eleitoral ou por total falta de confiança no PS”, criticara as “cambalhotas" socialistas e lamentara o “triste espectáculo” das negociações da lei de bases entre os partidos da esquerda.
Mas tinha sido a socialista Joana Lima a deixar os bloquistas de pé atrás. A deputada teve um discurso muito cauteloso: listou as isenções e as reduções das taxas moderadoras que o actual Governo já promoveu, criticou a “oportunidade” da proposta do Bloco quando o tema foi aprovado há pouco tempo na lei de bases. E defendeu ser preciso ter “sentido de responsabilidade” e não andar a “alterar tudo de um dia para o outro”.
Nas mãos do Bloco
E foi também Jamila Madeira que veio refrear o Bloco. Disse que a redução e alargamento das isenções das taxas com o actual Governo já representam cerca de 40 milhões de euros desde 2015. Mas o apelo da socialista era sobre a lei de bases. Lembrou que já está quase tudo aprovado e faltam sobretudo das PPP. Por isso apelou ao Bloco que ajude a “preservar o mínimo denominador comum” para se conseguir “o essencial”, que é “acabar com a lei de 1990”, em vez de “cristalizar” na questão das PPP. Vincou que o Governo já se comprometeu a fazer, em 180 dias, o decreto “para revogar o decreto-lei das PPP” e colocou o ónus do lado do Bloco. “Querem ou não salvaguardar o mínimo denominador comum? Isso está nas vossas mãos”, disse Jamila Madeira, lembrando que na terça-feira (dia 18) será preciso tomar uma decisão.
As intervenções pareciam anunciar um chumbo do PS à proposta do BE, mas seria apenas fachada enquanto ainda haveria conversas entre as duas bancadas. Por esta altura, ainda não havia certezas no Bloco sobre que estratégia a seguir - se pedir a baixa sem votação do projecto de lei ou levá-lo à votação.
Outra intervenção do PS mais tarde reforçava a dúvida: mesmo já depois de Maria Antónia Almeida Santos ter dito que os socialistas estavam dispostos a aprovar o diploma do Bloco se fosse alterada, na especialidade, a entrada em vigor para o próximo ano, o deputado António Sales confessou o “desconforto” com o “momento e o modo” que o Bloco escolheu para debater as taxas moderadoras - “e em política isso não é apenas um detalhe”, avisou. O deputado questionou se faz sentido um processo legislativo paralelo à lei de bases e levantou dúvidas sobre a competência do Parlamento para legislar sobre taxas.
As conversas de bastidores terão dado frutos. Se o PS votasse contra, ficaria sozinho com o CDS - porque a indicação que o Bloco tinha entretanto era que o PSD ou se abstinha ou votaria contra. E o Bloco decidiu então levar o seu diploma à votação.
Do resto da esquerda, o BE tinha já o apoio de que precisava. O PCP, pela voz da deputada Carla Cruz, assumiu o seu voto a favor por ter uma posição de princípio contra as taxas moderadoras; e o PEV, avançou com o mesmo argumento de que as taxas “nada moderam”, sendo antes uma “taxa de utilização”.