Estado começa a mandar já no SIRESP, apesar de só ser 100% pública em Dezembro
A rede de emergência nacional ainda vai estar nas mãos de privados em mais uma época de fogos, mas serão os novos administradores públicos a ter mais poder. Créditos dos accionistas privados, Altice e Motorola, transitam para o Estado.
Ao fim de semanas de negociações com os accionistas privados da SIRESP, SA, a empresa que gere a rede de emergência nacional, o Governo anunciou nesta quinta-feira que vai comprar as quotas da Altice e da Motorola, com efeitos a 1 de Dezembro de 2019, por cerca de sete milhões de euros. Mas o negócio tem ainda outros contornos: o Estado passará desde já a ter mais força na comissão executiva e ficará como credor da empresa, pelos créditos que transitem dos privados.
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Ao fim de semanas de negociações com os accionistas privados da SIRESP, SA, a empresa que gere a rede de emergência nacional, o Governo anunciou nesta quinta-feira que vai comprar as quotas da Altice e da Motorola, com efeitos a 1 de Dezembro de 2019, por cerca de sete milhões de euros. Mas o negócio tem ainda outros contornos: o Estado passará desde já a ter mais força na comissão executiva e ficará como credor da empresa, pelos créditos que transitem dos privados.
A aquisição da empresa só se vai efectivar no final do ano, a menos de dois anos do fim do contrato desta parceria público-privada. E, até lá, com mais uma época de incêndios pelo meio.
Sobre este assunto, o Governo garante que não vai haver interrupções do serviço decididas pelos accionistas e que, para não se deparar com um novo ultimato de corte do serviço de satélite, como aconteceu em Abril, vai promover alterações reforçando “desde já a intervenção do Estado na condução executiva da sociedade”.
E a dívida do Estado?
No ano passado tinha ficado acordada a nomeação de dois administradores e do presidente por parte do Estado, mas tal nunca aconteceu, apesar de nessa altura o Estado já estar na empresa com 33% do capital. Agora, com este acordo, responde o Ministério das Finanças ao PÚBLICO, haverá um reforço estatutário e do acordo parassocial que “reforça a maioria necessária para o Conselho de Administração deliberar, e o quórum constitutivo da Assembleia Geral”.
Outra das dúvidas deste negócio prende-se com os valores. A SIRESP (e a Altice) afirmava que o Estado lhe devia cerca de 11 milhões de euros pelo investimento que foi feito na criação da rede satélite, a rede de redundância que funciona sempre que a rede principal falha. Contudo, o valor total da empresa avaliado pelo Estado foi de 10,5 milhões de euros, abaixo até do valor do investimento feito. Pelas quotas da Altice (52,1%), o Estado assume que pagará 5,5 milhões e 1,5 milhões pelos 14,9% da Motorola. No total, pelo pagamento das quotas dos privados, o investimento total será de 7,1 milhões de euros.
O gabinete de Mário Centeno garante, no entanto, que haverá uma passagem dos créditos dos actuais accionistas privados para o Estado, sem que isso implique outra verba: “Ademais, os créditos que, à data da transmissão, sejam detidos pelos accionistas privados sobre a sociedade SIRESP, S.A., e que tenham a natureza de suprimentos serão transmitidos para o Estado pelo seu valor nominal, passando este a ser o seu titular, acrescido de juros vencidos até à data da entrada em vigor do diploma.”
Contudo, o dinheiro a despender pela utilização da rede durante este ano será superior aos sete milhões, uma vez que o Estado ainda vai pagar pela concessão neste ano corrente. Questionado sobre o pagamento deste ano, o Ministério das Finanças diz que “a transmissão opera a 1 de Dezembro de 2019, garantindo a não disrupção da estrutura accionista e de gestão da empresa durante o período de mais elevado risco de incêndios”.
Nos últimos dois anos de concessão, o Estado paga menos à empresa pela utilização da rede. Estava já definido por contrato uma redução do valor a pagar mensalmente e isso pode explicar o porquê de haver interesse por parte dos privados em vender. O último relatório da Unidade Técnica de Acompanhamento de Projectos, referente ao terceiro trimestre de 2018, já mostrava essa diminuição do valor. Se, em 2014, o Estado teve de pagar quase 50 milhões num ano, no ano passado esse valor será de cerca de 40 milhões. O mesmo relatório afirma que durante o ano passado não foram “aplicadas quaisquer deduções ou penalidades” contratuais.
“Dúvidas” de PCP e PSD
A solução encontrada parece não ter agradado nem à esquerda nem à direita, como mostram as primeiras reacções ao negócio, do PCP e PSD.
Jorge Machado, deputado do PCP, tem “dúvidas” que a melhor estratégia seja a de comprar a posição dos privados na empresa, pagando por uma sociedade que não se modernizou e que o Estado já pagou “por cinco vezes”. “Temos sérias dúvidas sobre a solução de aquisição por sete milhões das participações dos privados. Estamos a beneficiar o infractor”, disse ao PÚBLICO. O mesmo reforçou horas mais tarde o líder comunista Jerónimo de Sousa, para quem o negócio é um “bónus” aos privados.
O sociais-democratas, por sua vez, duvidam deste “negócio da China” do Governo, diz o deputado Duarte Marques, e querem mais explicações. Caso essas explicações não sejam satisfatórias, o PSD admite chamar ao Parlamento o responsável do Governo por este dossier. Que foram vários: começou por ser Eduardo Cabrita, que passou a pasta às Finanças, e acabou em Siza Vieira, o ministro da Economia que foi o primeiro a anunciar ontem que haveria acordo com os privados para a compra da SIRESP.