Três ex-autarcas do PSD arguidos em investigação que começou em Lamego

Álvaro Amaro, Hernâni Almeida e Francisco Lopes estão entre os cinco arguidos. Em causa estão crimes de corrupção e tráfico de influências que envolvem a Transdev. PJ fez buscas em 18 câmaras.

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Álvaro Amaro é um dos arguidos nesta operação da PJ Paulo Pimenta

Três ex-presidentes de câmara do PSD foram constituídos arguidos nesta quarta-feira na sequência da Operação Rota Final da PJ no Norte e Centro do país. Entre eles estão, confirmou fonte da investigação ao PÚBLICO, Álvaro Amaro, ex-presidente da Câmara da Guarda e agora eurodeputado eleito nas listas do PSD, Francisco Lopes, ex-presidente da Câmara de Lamego e Hernâni Almeida, ex-presidente da Câmara de Armamar. No rol de arguidos está ainda um funcionário da Câmara de Lamego e um administrador da Transdev.

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Três ex-presidentes de câmara do PSD foram constituídos arguidos nesta quarta-feira na sequência da Operação Rota Final da PJ no Norte e Centro do país. Entre eles estão, confirmou fonte da investigação ao PÚBLICO, Álvaro Amaro, ex-presidente da Câmara da Guarda e agora eurodeputado eleito nas listas do PSD, Francisco Lopes, ex-presidente da Câmara de Lamego e Hernâni Almeida, ex-presidente da Câmara de Armamar. No rol de arguidos está ainda um funcionário da Câmara de Lamego e um administrador da Transdev.

Segundo a Procuradoria-Geral Distrital de Coimbra, o inquérito visa ainda uma empresa de transportes, o Grupo Transdev. A investigação, diz a procuradoria, pretende “esclarecer os termos em que o Grupo Transdev obteve contratos e compensações financeiras com as autarquias. A empresa reagiu dizendo que está a “colaborar com as autoridades”

No total, foram realizadas 50 buscas domiciliárias e não-domiciliárias, que incluíram 18 câmaras municipais, outras entidades públicas e empresas de transporte. Em causa estão suspeitas da prática de corrupção, tráfico de influências, participação económica em negócio, prevaricação e abuso de poder.

Operação Rota Final foi realizada pela Directoria do Norte da PJ com o envolvimento de 200 elementos da PJ que procuraram provas relacionadas com o que acreditam ser um “esquema fraudulento da viciação de procedimentos de contratação pública, com vista a favorecer pessoas singulares e colectivas”.

As câmaras visadas nesta operação foram as de Águeda, Almeida, Armamar, Belmonte, Barcelos, Braga, Cinfães, Fundão, Guarda, Lamego, Moimenta da Beira, Oleiros, Oliveira de Azeméis, Oliveira do Bairro, Sertã, Soure, Pinhel e Tarouca. O principal operador rodoviário nestes concelhos, com vários contratos por ajuste directo, é a Transdev, que trabalha no mercado com várias marcas.

As cores políticas destas autarquias repartem-se: oito são dirigidas pelo PS, outras tantas pelo PSD. Em Oliveira do Bairro, distrito de Aveiro, o presidente é Duarte Novo, do CDS-PP. Em Águeda, no mesmo distrito, a autarquia é controlada pelo independente Jorge Almeida.

Investigação começou em 2017

Esta investigação teve inicio em Lamego, em 2017. E desde o ano passado que o Tribunal de Contas (TdC) tem vindo a alertar para as ilegalidades em contratos entre a Câmara de Lamego e a Transdev.

No seu mais recente acórdão, que data de Fevereiro passado e no qual se recusa a aprovar estes contratos, os juízes do TdC determinaram o envio do processo para o Ministério Público, para apuramento de responsabilidades financeiras – o que significa que, independentemente do desfecho do processo-crime, os autarcas de Lamego que aprovaram os negócios com a Transdev podem vir a ser julgados no TdC.

Em causa está uma compensação financeira do município à operadora de transportes no valor de 510 mil euros, por conta dos prejuízos da concessionária na prestação deste serviço. Este tipo de compensações são não só legais como frequentes: decorrem do facto de este negócio ser quase sempre deficitário, uma vez que os custos de exploração se revelam superiores às receitas. O problema está na forma como são calculadas essas compensações.

No caso de Lamego, o TdC considera que foi a própria Transdev a estipular o montante estimado de 510 mil euros, relativo ao período entre Setembro de 2018 e Agosto deste ano. Segundo as estimativas da operadora rodoviária, manter as carreiras de serviço público importa em 964 mil euros, mas a receita estimada, proveniente dos passes e de outros títulos de transporte, não ultrapassará os 454 mil.

Acontece que a Câmara de Lamego não conseguiu provar, para o TdC, que impôs obrigações de serviço público à transportadora de passageiros.

Os juízes não percebem qual a justificação da autarquia para fixar uma margem de lucro de 12,5% para a Transdev. Por outro lado, pelos documentos entregues ao tribunal pela autarquia os magistrados perceberam que tinha sido subtraído ao seu escrutínio um anterior contrato com a mesma empresa, relativo ao transporte escolar do ano lectivo de 2018/19. “Foi ‘adjudicado’ autonomamente à Transdev pelo valor de 373 mil euros, acrescido de IVA, e deveria ter sido igualmente sujeito a fiscalização prévia, já que os encargos previstos são superiores a 350 mil euros”, assinala o acórdão.

Aumentar

“Não tendo base legal, a compensação financeira assume a natureza de um auxílio de Estado, o qual é expressamente proibido”, prossegue o tribunal. “Tratando-se de uma despesa ilegal, é igualmente ilegal a deliberação da câmara que a aprovou”.

A entrega do serviço de transporte público à Transdev em Lamego foi feita através de um acordo, e não de um contrato de serviço público de transporte de passageiros. “A Transdev não é um operador com direito exclusivo para operar no município, mas é, de facto, o único operador de transportes públicos de passageiros a actuar em toda a área geográfica do concelho”, disse a autarquia ao TdC.

Influenciadas decisões

No âmbito da Rota Final, o esquema em causa permitiu que fossem influenciadas “decisões a nível autárquico com favorecimento na celebração de contratos públicos de prestação de serviços de transporte, excluindo-se das regras de concorrência, atribuição de compensação financeira indevida e prejuízo para o erário”, diz a PJ.

Álvaro Amaro desconhece o processo em que alegadamente está envolvida a sua gestão na Câmara da Guarda, uma das autarquias alvo das buscas. Álvaro Amaro, recém-eleito eurodeputado, soube da existência da investigação pelo telefonema do PÚBLICO: “Não sei de nada”, respondeu o social-democrata, que se encontra em Espanha. O PÚBLICO tentou sem sucesso contactar os outros dois ex-autarcas arguidos.

Álvaro Amaro, que é uma escolha pessoal de Rui Rio para o Parlamento Europeu, é o coordenador para a área da Reforma do Estado, Autonomias e Descentralização do Conselho Estratégico Nacional do PSD, fundado pelo presidente do partido. Contactado pelo PÚBLICO, o secretário-geral do PSD, José Silvano, não quis fazer declarações sobre a Operação Rota Final, remetendo para esta quinta-feira uma posição.​

Segundo dados do Portal Base [que disponibiliza informação sobre a formação e execução dos contratos públicos], a Câmara da Guarda celebrou, desde 2011, contratos com o grupo Transdev no valor de 966.171,36 euros. Desse número, 774.211,66 euros dizem respeito ao período em que Álvaro Amaro foi presidente da câmara. O social-democrata exerceu funções na autarquia entre Setembro de 2013 e Abril de 2019. 

O presidente da autarquia da Guarda, Carlos Chaves Monteiro (PSD), esclareceu entretanto em comunicado que "nenhum dos colaboradores ou eleitos em exercício” no município “foram constituídos arguidos ou obrigados a prestar quaisquer declarações”.

Outras autarquias alvo de buscas nesta operação também já reagiram. Barcelos, cujo presidente pediu uma substituição de cargo, por estar em prisão domiciliária no âmbito da Operação Teia, emitiu um curto comunicado confirmando que agentes da PJ estiveram nos paços do concelho. Por ali aguarda-se “com serenidade o desenrolar do inquérito”.

Em apenas duas semanas, a Câmara de Barcelos foi duas vezes alvo de buscas da PJ. A primeira aconteceu no dia 29 de Maio, no âmbito da Operação Teia, de que resultou a prisão domiciliária com vigilância electrónica do presidente do executivo, Miguel Costa Gomes, e de Maria Manuel Couto, mulher do ex-presidente da Câmara de Santo Tirso, Joaquim Couto. A segunda decorreu esta quarta-feira, um dia depois de Miguel Costa Gomes ter entregado um pedido de substituição do cargo, que deverá ser executado no prazo máximo de 29 dias.

Armandina Saleiro, até agora vice-presidente da autarquia, assume temporariamente a presidência da Câmara de Barcelos. Armandina Saleiro e Costa Gomes são arguidos noutro processo por alegado favorecimento à empresa de segurança Gproject.  

Mais polémicas foram as palavras do presidente da Câmara de Oleiros, Fernando Marques Jorge, que ligou a investigação a declarações que fez criticando o Governo de António Costa. “Alguém neste país anda a comer as câmaras, mas Oleiros não deixa”, afirmou, citado pela Lusa.

Já em Moimenta da Beira, a reacção é para que “se investigue” tudo o que há para investigar. À Lusa, o socialista José Eduardo Ferreira explicou que a Transdev "há muito tempo que faz as carreiras públicas no município e nos outros da região e que, por isso, foi feito o ajuste directo para o transporte escolar”. Com Patrícia Carvalho

Notícia corrigida às 12h50 desta quinta-feira. Ao contrário do que o PÚBLICO noticiou, Álvaro Amaro não é vice-presidente do PSD, é coordenador da área da Reforma do Estado, Autonomias e Descentralização do Conselho Nacional do PSD​. Ao próprio e ao partido as nossas desculpas pelo lapso.