Vinhos de Portugal: como uma boa história vende um bom vinho

Num total de seis dias, divididos pelo Rio de Janeiro e São Paulo, perto de 80 produtores de vinho português andaram a contar as suas histórias por entre “batalhas” amigáveis e muita curiosidade do público brasileiro.

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As pessoas querem ouvir e os produtores não se cansam de contar. Cada um tem a sua história e o público que encheu o Vinhos de Portugal no Rio de Janeiro (de 31 de Maio a 2 de Junho) e depois em São Paulo (de 7 a 9 de Junho) estava ali mesmo para as ouvir e perceber o que é que, afinal, distingue o vinho português, que neste momento é já o segundo mais vendido no Brasil, logo a seguir ao chileno, e ultrapassando a Argentina em volume.

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As pessoas querem ouvir e os produtores não se cansam de contar. Cada um tem a sua história e o público que encheu o Vinhos de Portugal no Rio de Janeiro (de 31 de Maio a 2 de Junho) e depois em São Paulo (de 7 a 9 de Junho) estava ali mesmo para as ouvir e perceber o que é que, afinal, distingue o vinho português, que neste momento é já o segundo mais vendido no Brasil, logo a seguir ao chileno, e ultrapassando a Argentina em volume.

O evento – uma organização dos jornais PÚBLICO, de Portugal, e O Globo e Valor Económico, do Brasil, em parceria com a ViniPortugal e curadoria da Out of Paper – cumpriu a sexta edição no Rio e a terceira em São Paulo e este ano apostou ainda mais no contacto directo de enólogos e produtores com os consumidores finais.

O master of wine brasileiro Dirceu Vianna Júnior convidou enólogos das várias regiões para “batalhas” em que cada um tinha que demonstrar por que é que a sua região era a melhor. Foi uma oportunidade para Sara Dionísio, da Casa de Mouraz, explicar o que distingue o Dão. “Gosto de explicar por que é que me apaixonei pelo Dão. Há um lado mágico, não é uma região que se oferece logo à primeira. Temos que procurar as vinhas no meio da floresta e é preciso algum tempo para descobrir o seu potencial.”

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O master of wine Dirceu Vianna Júnior William Lucas

A somar a isso, há ainda as vinhas velhas com os seus field blends, a mistura de castas que são vinificadas ao mesmo tempo. “As pessoas gostam muito dos vinhos de lote que são feitos na vinha”, diz ainda Sara Dionísio. “É uma marca identitária de Portugal. Não há muitos países com vinhas onde coexistem 30 ou 40 variedades de uvas.”

Osvaldo Amado, enólogo da Global Wines, brinca: “A batalha foi uma forma simpática de mostrar que, para além do Dão e da Bairrada, Portugal também tem o Douro e o Alentejo.” E depois, mais a sério: “Temos a capacidade de mostrar regiões distintas que, com as mesmas castas, produzem vinhos muito diferentes, podemos, por exemplo, ver o que é a Touriga Nacional no Alentejo, no Dão ou no Douro.”

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A batalha para descobrir a região dos melhores tintos de Portugal, com Dirceu Vianna Júnior, Sara Dionísio (Casa de Mouraz), Luís Sottomayor (Casa Ferreirinha), Anselmo Mendes (Anselmo Mendes) e Júlio Bastos (Dona Maria - Júlio Bastos) William Lucas

Há um lado didáctico até na escolha dos vinhos que para aqui se trazem. “Trouxemos um Touriga Nacional primário, sem barrica”, explica Osvaldo, “para mostrar melhor as características intrínsecas desta casta, e isto faz a diferença.”

E por falar em Touriga Nacional, a alemã Dorina Lindemann está no palco Vinhos Com, uma das novidades deste ano, na palestra “Vinhos com Sotaque”, a contar a história da extraordinária aventura, primeiro do pai e depois dela, para fazer vinho em Portugal, na alentejana Quinta da Plansel, e a forma como se apaixonou precisamente pela Touriga Nacional, numa altura em que era proibido plantar esta casta a sul do Tejo.

Ao seu lado, Anna Jorgensen, filha de uma americana e de um dinamarquês, relata aventuras semelhantes e a forma como o seu pai, com uma esperteza já muito portuguesa, conseguiu contornar a proibição de identificar o Syrah nas suas garrafas. E o brasileiro Marcelo Lima recorda como o projecto da Quinta da Covela nasceu no lugar mais improvável do mundo, durante uma viagem ao Uzbequistão em que lhe falaram pela primeira vez do britânico Tony Smith, que viria a ser o seu sócio na quinta que pertenceu ao realizador português Manoel de Oliveira.

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William Lucas

Potencial de crescimento

Apesar de desde as primeiras edições o evento atrair alguns dos enólogos e produtores de maior prestígio de Portugal, de Anselmo Mendes a Luís Pato, de Domingos Alves de Sousa a Dirk Niepoort, houve alguns que foram ao Brasil pela primeira vez nesta edição. É o caso de Pedro Araújo, da Quinta do Ameal, que, entre outras coisas, se apercebeu que os brasileiros “não sabiam que se faziam brancos tão bons em Portugal” e deixa o evento convencido de que este é um mercado “com um potencial incrível” para vinhos brancos que, acredita, vão ter “um crescimento muito acentuado nos próximos anos”.

Tal como Osvaldo Amado, Pedro Araújo sublinha o facto de o consumo per capita ser ainda muito baixo no Brasil – abaixo dos dois litros –, o que prova esse potencial de crescimento para vinhos tão diferentes como brancos, tintos, rosés, fortificados ou espumantes (se bem que, no capítulo da produção, os espumantes sejam a área em que o Brasil mais se tem destacado).

O novo presidente do Instituto dos Vinhos do Douro e Porto (IVDP), Gilberto Igrejas, outro estreante no evento, diz que em relação ao vinho do Porto – do qual houve várias provas, nas duas cidades, conduzidas pelo crítico do PÚBLICO Manuel Carvalho – a estratégia deve ser dupla: por um lado, através de masterclasses, formar pessoas que sejam depois capazes de transmitir toda a complexidade deste vinho, e, por outro, “tentar desmistificar a ideia de que o vinho do Porto deve ser guardado para um momento especial”.

Apesar de este vinho, e de o Douro, permitirem contar a história “da evolução de um povo, de uma cultura e uma tradição únicas e milenares”, Gilberto Igrejas sublinha que “temos que entender as regiões como parceiras e não entrar em competição”. Há tempo para ouvir todas as histórias e o interesse que Portugal desperta tem a ver precisamente com essa diversidade.

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12.500 visitantes nas duas cidades

Os três dias no Rio e os três dias em São Paulo deram para contar muitas histórias. A dos vinhos de talha do Alentejo, por exemplo, numa prova conduzida por Dirceu Vianna Júnior e na qual a assistência se multiplicou em perguntas sobre a especificidade desta técnica ancestral: como se controla a temperatura das talhas durante a fermentação? Será o processo semelhante ao das ânforas de barro usadas para manter a água fresca? Em vez de cubas de cimento poderia passar a usar-se o barro?

Outros temas que não tinham estado presentes nos anos anteriores, mas que têm uma actualidade cada vez maior, surgiram noutras provas – ainda com Dirceu Vianna Júnior, os vinhos orgânicos, biodinâmicos e naturais e como perceber as diferenças entre estas categorias, e, no espaço Tomar um Copo, conversas sobre mulheres produtoras de vinho, ou o efeito das viagens de avião na forma como se percepciona um vinho.

O palco Vinhos Com recebeu ainda os concertos de Tiago Bettencourt, no Rio, e de Márcia em São Paulo, e, em ambas as cidades, daquela que é já considerada uma embaixadora dos vinhos portugueses no Brasil, a cantora brasileira Adriana Calcanhotto.

Dois dos momentos mais especiais dos eventos foram as provas verticais de Pêra-Manca, no Rio, e de Barca Velha, em São Paulo, ambas com a presença dos enólogos, Pedro Baptista e Luís Sottomayor, respectivamente.

Quem vai ao evento – e foram nove mil pessoas que passaram pelo CasaShopping na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, e 3500 as que foram até ao shopping J.K. Iguatemi, em São Paulo – “quer ver as pessoas e as caras por trás dos vinhos”, resumia Dorina Lindemann, garantindo que no Rio o público que visitou o seu stand ficou tão encantado que o interesse se reflectiu imediatamente nas vendas através do importador.

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O produtor Domingos Alves Sousa William Lucas

Mas há ainda obstáculos a ultrapassar. “A questão das taxas é preocupante”, reconhece Gilberto Igrejas. “Temos que ver como podemos ajudar os nossos produtores a colocar cá mais vinhos, tentando aliviar essa carga de impostos.”

Há ainda muito trabalho a fazer, não só nesse ponto, mas no esforço contínuo para que os brasileiros conheçam cada vez melhor os vinhos portugueses. Por isso, anunciou a organização, o Vinhos de Portugal vai voltar ao Brasil no próximo ano, e as datas já são conhecidas: 29 a 31 de Maio no Rio de Janeiro, 5 a 7 de Junho em São Paulo.