A selecção e a ratificação do êxito
Vamos imaginar um referendo com as duas perguntas que se seguem. Questão número um: Portugal é a melhor equipa da Europa? Hipóteses: Sim ou Não. Questão número dois: Fernando Santos é o seleccionador indicado para o presente e o futuro da selecção? Hipóteses: Sim ou Não. Seria um exercício curioso para conduzir dentro de portas, num país tão versado em duvidar de si próprio, mesmo perante o aplauso vindo do lado de lá das trincheiras.
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Vamos imaginar um referendo com as duas perguntas que se seguem. Questão número um: Portugal é a melhor equipa da Europa? Hipóteses: Sim ou Não. Questão número dois: Fernando Santos é o seleccionador indicado para o presente e o futuro da selecção? Hipóteses: Sim ou Não. Seria um exercício curioso para conduzir dentro de portas, num país tão versado em duvidar de si próprio, mesmo perante o aplauso vindo do lado de lá das trincheiras.
O futebol e o consenso nunca conseguirão viver juntos e em harmonia, mas esse não é necessariamente um mau sinal, desde que traduza uma cultura de exigência e progresso construída sobre uma base de racionalidade. O que, por estas paragens, é mais uma excepção do que uma regra, reconheça-se. Equivale isto a dizer que nem as vitórias chegarão para convencer os adeptos da crítica fácil e impreparada. A esses, os troféus nunca bastarão como comprovativo do sucesso.
Portugal validou o seu mandato na Europa com diferentes doses de qualidade individual e competência colectiva. Olhando apenas para esta fase final, mostrou a sua pior face diante da Suíça, com um plano de voo assente em coordenadas erradas, e recalibrou a máquina com rigor para o embate decisivo com a Holanda, recuperando o sistema e as dinâmicas que já lhe renderam frutos no passado. Nem uma, nem outra versões reflectem a verdadeira selecção. Porque em constante mutação, ela é sempre uma mescla das duas.
É a era da estratégia a imperar. A era do detalhe, da observação aturada e da alta-costura, feita à medida do cliente. Nesse tabuleiro em que o rigor dos posicionamentos e a gestão do risco muitas vezes anulam o talento adversário, Portugal nem sempre terá a vantagem teórica que decorre da abundante qualidade dos seus executantes. É preciso continuar a ir mais além.
Fernando Santos nunca ganhará o prémio do treinador mais empático da Europa, mas já a conquistou por duas vezes a partir do banco. O seleccionador que idealizou o 4-4-2 losango na meia-final, um desenho que falhou essencialmente pela forma desabrida e imponderada como a equipa decidiu pressionar no momento da perda, é justamente o mesmo que apostou no 4-3-3, com dois médios de perfil mais posicional, que foi capaz de desligar a sala de máquinas da Holanda, na final. Não se tornou subitamente mais competente de um dia para o outro - e o mesmo raciocínio se aplica aos jogadores.
É inequívoco que Portugal goza hoje de uma fornada de talento de fazer inveja à maioria dos territórios do planeta do futebol, mas essa não é propriamente uma novidade. Fernando Santos sublinhou-o, de resto, provavelmente para ajudar a provar que não goza de uma situação de privilégio face a muitos dos antecessores, e tem inteira razão.
Durante anos, o Brasil da Europa espalhou pelos relvados o seu futebol romântico, acabando invariavelmente por assistir às grandes decisões pela televisão. Foi esse paradigma que o actual técnico se propôs mudar.
Para lá chegar, foi preciso construir uma nova teia de equilíbrios, que garantisse que a liberdade da qualidade individual não comprometia as ambições colectivas. Foi preciso estabilizar uma ideia e adaptá-la às circunstâncias, que umas vezes exigiram uma equipa mais de transições (como aconteceu em alguns períodos do Euro 2016) e outras vezes de ataque posicional mais paciente. Sem que isso significasse forçosamente comprometer a identidade.
É possível compatibilizar a conquista de troféus com uma ideia de jogo apelativa? Sem dúvida. Mas é mais difícil alcançá-lo no contexto de uma selecção, limitada no tempo de trabalho e obrigada a sintetizar as diferentes formas de jogar dos seus intérpretes nos clubes que representam. É, de resto, um desafio de tal forma exigente que, nas últimas décadas, talvez apenas a Espanha-réplica-do-Barcelona tenha chegado ao cume com um futebol de encantar.
Voltemos ao referendo e às respostas possíveis. Sim, Portugal é a melhor equipa da Europa se o critério for aquele que tantas vezes o país reclamou para si, o dos troféus. E é-o duplamente, graças à ratificação proporcionada pela Liga das Nações. Quanto a Fernando Santos, será o homem certo no lugar certo enquanto os jogadores continuarem a responder de forma eficaz à sua mensagem e à palavra de ordem que vem com ela: vencer. Acima de tudo o resto.