Mariagrazia Pizza: “As vacinas poderão dar um grande contributo no controlo da resistência aos antibióticos”

Quais são os desafios das vacinas? A investigadora italiana Mariagrazia Pizza vai estar esta quarta-feira em Oeiras para responder a essa questão.

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A investigadora Mariagrazia Pizza DR

Ao longo de 12 anos, Mariagrazia Pizza foi líder do projecto que desenvolveu a primeira vacina para a meningite B a ser aprovada. Comercializada com o nome Bexsero pela empresa farmacêutica GlaxoSmithKline (GSK), foi autorizada pela primeira vez na Europa em 2013 e hoje está em 38 países (incluindo Portugal). 

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Ao longo de 12 anos, Mariagrazia Pizza foi líder do projecto que desenvolveu a primeira vacina para a meningite B a ser aprovada. Comercializada com o nome Bexsero pela empresa farmacêutica GlaxoSmithKline (GSK), foi autorizada pela primeira vez na Europa em 2013 e hoje está em 38 países (incluindo Portugal). 

Mariagrazia Pizza vai estar esta quarta-feira, às 11h, no Instituto de Tecnologia Química e Biológica (ITQB), em Oeiras, para falar sobre as novas fronteiras da vacinologia. Esta palestra está integrada no ciclo Ciência e Desafios do Futuro, que assinala os 25 anos do ITQB. Quais os desafios para esta investigadora? Talvez criar uma vacina contra a resistência antibiótica, diz ao PÚBLICO.

Nos últimos dois séculos, as vacinas tiveram um impacto enorme na saúde humana. Contudo, recentemente têm sido colocadas em causa pelos movimentos antivacinas. Como se pode combater esses movimentos?

As doenças infecciosas podem ter consequência graves até no desenvolvimento dos países. Devido ao sucesso das vacinas e dos programas de vacinação, a maioria de nós já nem sabe como eram essas doenças e esquecemo-nos como podem ser devastadoras. É necessário aumentar a consciencialização do papel que as vacinas podem ter na prevenção das doenças infecciosas e importância na saúde pública.

As pessoas precisam de se sentir confortáveis quando se decidem vacinar. Como tal, devem ser dadas todas as oportunidades para que façam perguntas, que devem ser respondidas com informação rigorosa. Por exemplo, essa informação deve ser dada pelos governos, pediatras e outros profissionais de saúde.

Durante 12 anos, liderou o desenvolvimento de uma vacina contra a meningite B, que encerrou um ciclo de 40 anos de investigação e que já foi aprovada em 38 países. Este feito aconteceu devido a um método conhecido como “vacinologia reversa”. Que método é este e por que foi inovador?

Novas tecnologias – como a sequenciação de genomas e programas bioinformáticos – abrem portas a novas formas de antigénios [moléculas estranhas ao organismo que desencadeiam uma resposta imunitária] para vacinas e que são descobertos a partir do genoma de bactérias. A inovação da vacinologia reversa está na possibilidade de reduzir o tempo necessário na identificação de novas soluções para vacinas difíceis de desenvolver. Em vez de cultivar bactérias ou vírus que causam doenças e identificar e isolar potenciais antigénios que serão incluídos na vacina, a vacinologia reversa usa a informação digital para identificar antigénios directamente a partir do genoma. Ao aplicar esta abordagem, fomos capazes de identificar novos antigénios e os três melhores foram incluídos na vacina da meningite B.

Este método já foi usado para desenvolver outras vacinais?

Esta nova abordagem pode levar ao desenvolvimento de centenas de potenciais novas vacinais. Já conduziu à identificação de novos antigénios na bactéria Staphylococcus aureus, Streptococcus do grupo A e B, a Escherichia coli e muitos outros agentes patogénicos.

Por que é que foi tão difícil conseguir desenvolver uma vacina para a meningite B?

As vacinas para a doença meningocócica [meningites e outras infecções] que hoje estão disponíveis foram baseadas num polissacarídeo capsular, que é conjugado com moléculas transportadoras de proteínas. O desenvolvimento de uma vacina da meningite B baseada num polissacarídeo não era viável, porque o polissacarídeo se assemelha a um auto-antigénio e, como tal, não é imunogénico.

Há outras vacinas para a meningite B feitas por outras empresas?

Sim, há uma outra vacina, a Trumenba, da empresa Pfizer. Contudo, a Bexsero [da sua empresa] é a única vacina capaz de evitar a doença meningocócica em todos os grupos etários.

Que impacto teve a sua vacina até agora?

O Reino Unido foi o primeiro país a introduzir esta vacina no seu programa público de imunização nacional. Em Maio de 2017, três milhões de doses de vacinas foram administradas. A eficácia contra a meningite – avaliada nos 11 meses depois deste estudo ter começado e cinco meses depois da segunda vacinação – foi de 82,9% contra todos os casos de meningite B, o que corresponde a uma eficácia de 94,2% contra as estirpes que a vacina consegue dar protecção. No geral, a Bexsero foi altamente eficaz na prevenção da meningite B, reduzindo o número de casos em bebés elegíveis para vacina.

Também contribuiu para o desenvolvimento de uma vacina acelular contra a tosse convulsa. Qual foi o método usado para a criar?

Esta foi a primeira vacina contra a tosse convulsa desenvolvida através da engenharia genética e com base na toxina pertussis geneticamente modificada. Esta vacina tornou-se mais segura e imunogénica do que outras vacinas contra a tosse convulsa. Foi a primeira vez que se usou uma abordagem racional [que usa o conhecimento científico do alvo biológico que pretende atingir] para modificar a propriedade de uma proteína para que fosse usada nos humanos.

Esta quarta-feira vai fazer uma apresentação sobre as “Novas Fronteiras da Vacionologia”. Do que vai falar exactamente?

Irei falar sobre como as novas tecnologias poderão ser usadas e já foram usadas para desenvolver novas vacinas. A abordagem da vacinologia reversa está em rápido desenvolvimento e hoje a identificação de antigénios é complementada pela análise de múltiplos genomas ou pela estrutura dos antigénios para induzir uma resposta imunitária de protecção. Todas estas novas abordagens estão a influenciar a concepção de antigénios ideais para vacinas eficazes.

O campo da vacinologia está a evoluir de forma muito rápida. Muitas novas descobertas nas áreas da microbiologia, imunologia, genómica e biologia estrutural estão a mudar completamente o panorama da vacinologia. O que é possível hoje era impossível há poucos anos. Contudo, muitas questões continuam em aberto e precisaremos de esforços multidisciplinares para responder a desafios futuros.

Que vacina gostaria ainda de criar?

Vacinas associadas a novos desafios, como o da resistência antibiótica. Todos os anos morrem pelo menos 700 mil pessoas devido a infecções que não respondem aos antibióticos. Estima-se que em 2050 mais de dez milhões de pessoas morrerão em todo o mundo de infecções intratáveis, o que é superior aos 8,2 milhões de mortes causadas pelo cancro hoje em dia. As vacinas – que juntamente com os antibióticos contribuíram para vencermos e eliminarmos muitas doenças infecciosas – poderão dar um grande contributo no controlo da resistência aos antibióticos.