O mês do volume máximo amplifica o ruído do ano inteiro
Câmara de Lisboa quer lançar no fim das festas uma campanha de sensibilização contra o ruído na cidade, um tema que está a mobilizar cada vez mais cidadãos.
O cheiro a grelhados e a cerveja enche o ar, as esplanadas galgam os limites habituais, bancas espontâneas surgem por toda a parte, o volume da música sobe e preenche todo o espaço sonoro: é Santo António em Lisboa.
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O cheiro a grelhados e a cerveja enche o ar, as esplanadas galgam os limites habituais, bancas espontâneas surgem por toda a parte, o volume da música sobe e preenche todo o espaço sonoro: é Santo António em Lisboa.
Há alguns anos podia dizer-se com certeza absoluta que esta era a mais longa, a mais povoada, a mais animada, a mais barulhenta e a mais confusa noite lisboeta. Hoje ainda é, mas a distância para outras noites esbateu-se: não porque o 12 de Junho seja menos concorrido, mas porque a festa se prolongou no tempo. Os arraiais populares, antigamente confinados a apenas alguns dias, duram agora o mês inteiro, e as juntas de freguesia disputam entre si os artistas mais sonantes – o que frequentemente se traduz em maiores multidões no centro histórico.
Nos últimos anos a festa tem arrastado consigo as queixas de muitos moradores, que reclamam de não terem sossego durante todo o mês de Junho. Este ano, num gesto inédito, a EGEAC emitiu mesmo um comunicado a pedir “moderação” nos festejos. “É fundamental que tanto parceiros como público ganhem consciência de que quando as normas não são respeitadas estão a prejudicar os moradores e uma das iniciativas mais queridas da cidade”, disse Joana Gomes Cardoso, presidente da empresa de cultura de Lisboa, nesse comunicado.
Se o Santo António é pretexto para um avolumar das reclamações, quem vive no centro histórico há muito se habituou a lidar com ruído excessivo durante todo o ano. “Há exemplos chocantes”, diz o realizador Bruno de Almeida, um dos impulsionadores do “Menos Barulho em Lisboa”, uma página de Facebook criada há dez dias e já com quase 2000 membros. O grupo nasceu de uma forma “espontânea” e com base na experiência de umas três ou quatro pessoas, explica Bruno de Almeida, mas as proporções que tomou entretanto levaram-nas a perceber que “afinal há muita gente afectada por este problema”.
“Alguns vídeos partilhados neste grupo são chocantes, coisas que não são minimamente aceitáveis”, critica. Na página encontram-se relatos e vídeos de barulho de várias origens (festas populares, obras, esplanadas, etc.), que vão sendo assinalados num mapa da cidade. Brevemente será lançada uma petição pública, a entregar à câmara de Lisboa.
Uma das ideias lançadas por Bruno de Almeida é que exista uma “linha de apoio ao ruído” para que os cidadãos possam reportar situações incomodativas e a polícia actue com rapidez.
Essa foi precisamente a proposta que a associação Aqui Mora Gente decidiu apresentar ao Orçamento Participativo (OP) de 2016 – e ganhou. Com o lema “Viver no centro histórico é possível”, o projecto previa a criação de uma plataforma exclusiva para queixas de ruído, com número de telefone e e-mail próprios, que mobilizasse a PSP ou a Polícia Municipal de imediato.
A proposta foi uma das vencedoras, embora tenha acabado por não ser implementada tal e qual os seus criadores queriam inicialmente. No fim de 2018 a câmara de Lisboa criou a categoria “Fiscalização de estabelecimentos comerciais – horário e ruído” no Na Minha Rua, um site onde os lisboetas podem fazer alertas e reclamações sobre a cidade.
Desde então e até à sexta-feira passada (cerca de meio ano) foram feitas 546 queixas, segundo números que a autarquia forneceu ao PÚBLICO. Em 2017 e 2018, quando não existia ainda aquela categoria específica e os problemas de barulho eram apenas catalogados no chapéu mais genérico da “Segurança pública e ruído”, houve 865 e 1346 protestos, respectivamente. Uma fonte municipal ressalva que nestes dados há queixas mal catalogadas e reincidências e que os números estão em linha com a realidade de outras capitais europeias.
Isso parece ser fraco consolo para Isabel Sá da Bandeira, da associação Aqui Mora Gente, que se diz desiludida com o tempo já decorrido. Até porque o projecto tinha ainda outra vertente, uma campanha de comunicação, que ainda não avançou. “Quando vejo as notícias do OP só penso: ‘Coitadas destas pessoas, nem sabem onde se estão a meter’”, comenta Isabel Sá da Bandeira.
“Já foi definido o conceito da campanha e estão ser desenhados os materiais gráficos e anúncio vídeo para, muito em breve, apresentar a proposta de campanha à associação e serviços da câmara”, garante a autarquia. “Se a proposta for aprovada, contamos ter a campanha na rua no final de Junho, após as festas da cidade.”