Centenas de milhares de pessoas protestam em Hong Kong contra lei que permite extradição para a China
Organizadores esperavam ter meio milhão nas ruas em Hong Kong, mas há protestos em 25 outras cidades espalhadas pelo globo. Nova legislação pode pôr em causa a liberdade de qualquer pessoa que desafie o regime de Pequim.
Centenas de milhares de pessoas enchem as ruas de Hong Kong, num protesto para tentar impedir a aprovação pela Assembleia Legislativa desta região administrativa especial chinesa de uma lei que facilitará as extradições de suspeitos de crimes para serem julgados na China continental.
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Centenas de milhares de pessoas enchem as ruas de Hong Kong, num protesto para tentar impedir a aprovação pela Assembleia Legislativa desta região administrativa especial chinesa de uma lei que facilitará as extradições de suspeitos de crimes para serem julgados na China continental.
Os organizadores esperavam reunir meio milhão de pessoas nas ruas, e foram mobilizados mais de 2000 agentes da polícia para acompanhar a marcha. Espera-se que seja a maior manifestação desde 2003, quando a população se mobilizou contra planos do Governo chinês para impor uma lei de segurança mais restritiva – que acabou por ser posta de lado.
No Twitter, a jornalista Laurel Chor conta que nunca viu uma multidão tão grande. Às 19h (hora local, menos 8 em Portugal continental) relatava que conseguia finalmente ver o fim da marcha – levou quatro horas a que todas as pessoas que se concentravam no parque que era o ponto de partida conseguissem sair para a avenida para marchar.
Há protestos marcados para 25 outras cidades em todo o mundo, incluindo Londres, Sydney, Nova Iorque e Chicago. O debate sobre a lei deve começar na quarta-feira, e a expectativa é que a legislação, que se teme que ponha em causa a liberdade de qualquer pessoa que desafie o regime de Pequim, seja aprovada até ao fim do mês.
Em Hong Kong, o branco foi a cor predominante, bem como guarda-chuvas amarelos, símbolo das manifestações em favor da democracia em 2014.
“Isto é uma questão de vida ou de morte”, descreveu à Reuters o professor Rocky Chang, 59 anos.
“Se perdermos esta [batalha], Hong Kong já não será Hong Kong, será apenas outra cidade chinesa”, disse ao diário britânico The Guardian Martin Lee, uma das figuras destacadas da luta pró-democracia e um dos organizadores da marcha.
Lee, considerado “contra-revolucionário” pelo Governo chinês, acredita que seria um dos alvos da nova lei: “Não cometi qualquer crime na China, mas não gostam de mim por causa do que faço”, comentou. “Mas estou preparado – tenho 80 anos, quase 81, não vou sair de Hong Kong, vou continuar a lutar aqui. Se me levarem para lá, tudo bem. Se me mataram na prisão e disserem que foi suicídio, tudo bem. Espero ir para o céu.”
“Esta lei não vai afectar só a reputação de Hong Kong como um centro financeiro internacional, mas também o nosso sistema judicial. Isso terá impacto no meu futuro”, explicou pelo seu lado Ivan Wong, estudante de 18 anos, à agência AFP.
Ouviram-se slogans como “Não à extradição para a China, não à lei má”, diz a Reuters. Alguns manifestantes traziam cartazes com o rosto da dirigente do executivo de Hong Kong, Carrie Lam, apelando à sua demissão. Lam fez alguns ajustes à lei, mas recusou retirá-la, afirmando que é preciso corrigir uma “lacuna” no ordenamento jurídico de Hong Kong.
Os defensores da lei dizem que a impossibilidade de extraditar suspeitos de crimes para a China poderá tornar a cidade num “refúgio para criminosos internacionais”. O assunto foi levantado pela primeira vez no ano passado, depois de um cidadão de Hong Kong ter assassinado a namorada durante uma viagem a Taiwan. Uma vez que Hong Kong não tem um acordo de extradição para Taiwan, o homem, de regresso à metrópole, não pôde ser julgado pelo homicídio, mas apenas por crimes menos graves – como a utilização indevida do cartão de crédito da vítima.
Uma grande parte da comunidade de Hong Kong, no entanto, opõe-se à legislação. Desde empresários, que normalmente não contestam o poder estabelecido, até advogados e estudantes, companhias de seguros, figuras pró-democracia e grupos religiosos uniram-se para a contestar, descreve a Reuters.
Sob o princípio “um país, dois sistemas”, Hong Kong tem, como região semi-autónoma desde 1997, as suas próprias leis e liberdades que os chineses da parte continental não têm – como o direito de manifestação. Hong Kong tem acordos de extradição com 20 países, incluindo o Reino Unido e os Estados Unidos, mas não com a China continental, apesar de negociações nas últimas duas décadas, explica a BBC.
O correspondente da BBC em Hong Kong, Martin Yip, descreve este protesto como “pacífico e ordeiro”, como são normalmente os protestos em Hong Kong. Muitos manifestantes não estão optimistas, diz Yip, depois de o movimento pró-democracia de 2014 não ter conseguido concessões e os seus líderes terem sido acusados e alguns condenados a pensas de prisão. “As pessoas falaram, se o governo vai ouvir, é outra coisa”, comentou.