O segredo dos Barca Velha ainda é a longevidade
Prova vertical de alguns Barca Velha, em São Paulo, apresentou colheitas de 1965, 82, 91 e 2008 para o público brasileiro conhecer melhor o vinho que tem no Brasil um dos seus principais mercados fora de Portugal.
O que faz um grande vinho ser um grande vinho e sê-lo de forma consistente ao longo de décadas? Nada melhor, para responder a esta pergunta, do que uma prova vertical de Barca Velha, o mais famoso vinho português. Na sua última edição produziram-se 18 mil garrafas, que hoje estão cotadas em cerca de 600 euros por unidade em Portugal e, face à procura no Brasil, pode atingir a cotação de 2000 euros.
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O que faz um grande vinho ser um grande vinho e sê-lo de forma consistente ao longo de décadas? Nada melhor, para responder a esta pergunta, do que uma prova vertical de Barca Velha, o mais famoso vinho português. Na sua última edição produziram-se 18 mil garrafas, que hoje estão cotadas em cerca de 600 euros por unidade em Portugal e, face à procura no Brasil, pode atingir a cotação de 2000 euros.
Foi precisamente uma prova dessas que aconteceu sexta-feira, no arranque do Vinhos de Portugal em São Paulo, que chegou a esta cidade depois da primeira etapa, no fim-de-semana anterior, no Rio de Janeiro.
A prova, apresentada por Manuel Carvalho, director do PÚBLICO, aqui na qualidade de crítico de vinhos, tinha sido anunciada pela organização como o momento mais aguardado do evento de São Paulo, não só pela oportunidade de provar quatro Barca Velha de diferentes anos e ainda um Reserva Especial, como pela presença de Luís Sottomayor, o enólogo da Casa Ferreirinha, responsável por este vinho, que, em 67 anos de história recebeu o rótulo de Barca Velha apenas em 18 colheitas. Nos outros anos, como explicaria o enólogo, ele pode ser Reserva Especial ou pode não ser nada.
O que leva então à decisão de declarar um vinho como Barca Velha, o que o distingue de um Reserva Especial, é um dos grandes mistérios que os participantes nesta prova queriam desvendar. E Luís Sottomayor não os desiludiu.
Apesar de estarmos a falar de diferenças muito subtis, alguém com a experiência dele, que ainda conheceu o criador do vinho, Fernando Nicolau de Almeida, e que declarou o seu primeiro Barca Velha em 2008, sabe exactamente o que procura: a certeza de que o vinho tem capacidade para envelhecer bem, a garantia da longevidade.
A prova abriu em ambiente solene – “provar quatro grandes Barca Velha, o vinho português mais consagrado, mais caro, mais raro, é um momento que exige alguma solenidade e alguma reflexão”, disse Manuel Carvalho, antes de contar resumidamente a história da Casa Ferreirinha, do papel dessa mulher única no Douro que foi D. Antónia Adelaide Ferreira, e depois a aventura de criar o Barca Velha com uvas nascidas no calor tórrido do Douro Superior e, como explicaria Sottomayor, a pedirem alguma frescura e, sobretudo, a acidez de outras nascidas em quotas mais elevadas. É desse equilíbrio, construído e mantido desde os anos 50 do século passado até hoje, que se faz o Barca Velha.
“De cada vez que provo um Barca Velha é como se fosse a primeira vez”, confidenciou o enólogo, que fez precisamente no Brasil as verticais mais completas deste vinho. Modesto, diz que não sente um grande peso de responsabilidade porque sabe que tem o que precisa para trabalhar: “muito boas uvas”.
E agora tudo é mais fácil do que era no tempo de Fernando Nicolau de Almeida, quando era preciso transportar gelo de Matosinhos até à Quinta do Vale Meão (hoje o Barca Velha é feito noutra quinta, a da Leda) para poder controlar a temperatura nas cubas de fermentação.
O criador do Barca Velha “tinha o sonho de produzir no Douro um grande vinho de mesa” e para isso foi a França aprender com os melhores. O primeiro vinho da prova de São Paulo foi o Barca Velha de 1965 que, segundo Sottomayor, “foi feito como o de 52”, o primeiro, em condições que descreveu como “arcaicas”. Apesar da idade, Sottomayor chamou a atenção para os aromas terciários que já começam a notar-se, com notas “levemente iodadas, uma certa maresia, alguns cheiros de farmácias antigas”.
Em novo, provavelmente “seria imbebível dada a sua adstringência”. Mas, moldado pelo tempo, ultrapassou os 50 anos de vida ganhando em charme e complexidade o que perdeu em intensidade, porque, notou o crítico, “os vinhos são seres vivos, evoluem, passam por diferentes fases, quase à semelhança dos humanos”.
Daí o interesse de uma prova vertical como esta, que continuou com o Barca Velha de 1982, já da “era da electricidade” nas adegas. O público foi fazendo perguntas: como sabe que vai ser Barca Velha? Alguma vez decidiu que seria Reserva Especial e mais tarde pensou que poderia ter sido Barca Velha? Houve até quem tentasse a sua sorte perguntando ao enólogo como estava o de 2011 – mas a decisão sobre este, respondeu Sottomayor sorrindo, será tomada até ao final do ano.
No de 82, os aromas terciários estão apenas a começar a aparecer, sente-se “muita pimenta, frutos secos como a noz e a amêndoa, e na boca é de uma frescura extraordinária, uma intensidade fora do comum”, resumiu o enólogo. O terceiro vinho foi o de 1991, já vinificado por Sottomayor, e o quarto foi o de 2008, o tal cuja decisão de levar o rótulo de Barca Velha foi tomada pela primeira vez por ele.
Por fim, para terminar a prova, foi servido um Reserva Especial de 2009, um vinho, nas palavras de Sottomayor, “provocante, guloso, que diz olá, cheguei, estou aqui, sou bonito”. Não sendo um Barca Velha, ajudou o enólogo a explicar melhor a tal diferença: “Se calhar é um vinho demasiado oferecido e talvez tenha sido isso que me levou a decidir que seria um Reserva Especial”.
O Vinhos de Portugal no Brasil, com presenças no Rio e em São Paulo, é uma iniciativa dos jornais PÚBLICO, de Portugal, e O Globo e Valor Econômico, do Brasil, em parceria com a ViniPortugal.