António “Farinheiro” fechou a loja de cereais “mais antiga do Porto”
No Largo do Moinho de Vento, são vários os prédios, onde dantes funcionavam negócios antigos, que estão vazios. O último estabelecimento a encerrar estava ali há 66 anos, próximo de um novo hotel 5 estrelas em construção
Por entre o gradeamento do número 83 do Largo do Moinho de Vento, no Porto, consegue-se ler um aviso escrito em papel, a caneta. “Fechou a loja de cereais mais antiga da cidade do Porto”, diz a nota, que termina com agradecimento dirigido aos clientes pela preferência ao longo dos anos. Este recado tem data recente, 1 de Junho de 2019, dia em que o estabelecimento de António “Farinheiro” encerrou ao fim de 66 anos de actividade, mais um de muitos naquela zona da Baixa onde ao lado de um hotel 4 estrelas, aberto recentemente, está outro a ser construído, mas de 5 estrelas.
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Por entre o gradeamento do número 83 do Largo do Moinho de Vento, no Porto, consegue-se ler um aviso escrito em papel, a caneta. “Fechou a loja de cereais mais antiga da cidade do Porto”, diz a nota, que termina com agradecimento dirigido aos clientes pela preferência ao longo dos anos. Este recado tem data recente, 1 de Junho de 2019, dia em que o estabelecimento de António “Farinheiro” encerrou ao fim de 66 anos de actividade, mais um de muitos naquela zona da Baixa onde ao lado de um hotel 4 estrelas, aberto recentemente, está outro a ser construído, mas de 5 estrelas.
É o próprio António “Farinheiro”, nome pelo qual é conhecido, que assina o aviso da despedida. Era um dos últimos sobreviventes entre os poucos comerciantes mais antigos que quase já não existem, naquele largo e imediações. Dos poucos que ainda lá estão, sobram os restaurantes Golfinho, Casa Viúva e o Solar Moinho de Vento, encostado ao prédio onde funcionava o estabelecimento do Senhor António que ali está desde 1967, quando o tio lhe passou o negócio aberto em 1953.
São menos os que sobram do que os que já estão fechados, mudaram de sítio ou foram vendidos. Nas proximidades do largo, nos últimos anos, já na Rua do Actor João Guedes, a caminho da praça Carlos Alberto, fechou a Casa Romão, o icónico Salsichinha - fast food, com a informação “enganosa” que ainda lá está na fachada - não era um restaurante de comida rápida, era uma mercearia -, uma tabacaria e outra mercearia.
Na mesma rua, perto de um restaurante, esse sim de fast food, que exibe na lateral um mural de azulejos da autoria de Joana Vasconcelos, está ainda o café Progresso - até há pouco tempo o café em actividade mais antigo da cidade -, fechado, à espera de obras de remodelação, depois de ter sido comprado pelo chef José Avillez, para o transformar no mais recente café da cidade, rebaptizado de forma a esconder o passado de um dos símbolos do Porto, para ser a cara de uma nova cidade que nasceu há uns anos – Em Oporto, onde estava o Progresso, vai nascer o Cafeína Downtown.
Do outro lado, da mesma rua, num prédio com quatro números, casa que viu nascer o pintor Júlio Resende (1917-2011) e o irmão, maestro Resende Dias (1916-1992), também já lá não está a Casa das Malhas. O prédio foi vendido, a loja está vazia, o negócio que faz este mês 40 anos passou para a rua Costa Cabral, já distante da Baixa. De acordo com o que o PÚBLICO apurou, a mudança prende-se com o término do contrato de arrendamento com o novo senhorio.
Mais lojas fecharam naquela zona ao longo dos anos, recorda António “Farinheiro”. Ali perto, diz que fecharam uma confeitaria, uma padaria, uma “casa de roupa” e uma loja de sementes. Estavam todas na rua de Sá Noronha, que vem das Oliveiras até ao Largo dos Moinhos. Nessa rua há um hotel de 4 estrelas aberto recentemente e está a ser construído outro de 5 estrelas.
Estava lá há 52 anos, desde que saiu da tropa, altura em que trocou Arganil, distrito de Coimbra, pela Invicta. Conhecia todos os comerciantes da zona. Lembra-se de entrar no Progresso e conhecer os clientes pela cara.
Sai da mercearia poucos anos depois do prédio ser vendido. O contrato acabou e, após ter “recebido um X”, saiu dali. O prédio, diz, vai entrar em obras. Aos 75 anos, não tinha tempo para esperar. A renda depois das obras também “ia aumentar”. Pesando os prós e contras pendeu para a decisão de encerrar o estabelecimento. “Não podia ficar tanto tempo fechado e depois voltar a abrir”. Não tendo a quem passar o negócio, desocupou o rés-do-chão do prédio de três andares onde ainda está um cabeleireiro, que disse ao PÚBLICO ter ainda um contrato de arrendamento “longe de terminar”, e “outra senhora”, que “nunca lá passa”.
Muitos turistas, poucos moradores
Não passar pelo prédio é também uma opção sua. Diz que se emociona. “Foram muitos anos ali”. Grande parte deles passados “em alta” para o negócio. “Entre os anos 1970-1990 foram os melhores”, recorda. Nos últimos anos, além de cereais e farinhas, já vendia também comida para animais. “Tive que me adaptar aos tempos”, conta. Ao restaurante que está colado ao prédio onde tinha a loja abastecia-o com leguminosas.
A cidade que conheceu quando se mudou para o Porto diz já não ser a mesma. “Mudou para pior”, considera. Os negócios mais antigos daquele largo foram fechando e as pessoas que ali moravam foram saindo para os arredores. Tem “pena” de ver as ruas “cheias de gente”, mas “sem gente da cidade”. Noutros tempos, na Baixa, “vivia muita gente”. “Hoje só se vêem turistas”, finaliza.