O Governo subsidia casas de ricos

É extremamente fácil viver numa bolha quando se vive com condições acima da média. Mas a esquerda pode escolher não o fazer.

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LUSA/ANDRÉ KOSTERS

Há uma coisa paradoxal em chamar Programa de Arrendamento Acessível a uma coisa que permite que os senhorios abrangidos pelo programa possam cobrar por um T2 até 1150 euros. Ou seja, no mercado livre e especulativo que se vive na cidade de Lisboa um certo T2 “valeria” 1228 mensais e passaria a custar apenas 982 euros por mês, com o senhorio livre de impostos.

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Há uma coisa paradoxal em chamar Programa de Arrendamento Acessível a uma coisa que permite que os senhorios abrangidos pelo programa possam cobrar por um T2 até 1150 euros. Ou seja, no mercado livre e especulativo que se vive na cidade de Lisboa um certo T2 “valeria” 1228 mensais e passaria a custar apenas 982 euros por mês, com o senhorio livre de impostos.

Esta definição de arrendamento acessível que o Governo apresentou aos portugueses é do mais bizarro que se viu - é insultuosa para a classe média/baixa quando se dirige de uma forma incompreensível aos estratos mais elevados da população. De caminho, o Governo socialista apoiado pelo Bloco de Esquerda e PCP dá-se ao luxo de subsidiar a especulação que no momento actual é exercida, nos grandes centros urbanos, com casas e não com activos financeiros tóxicos. Aliás, prepara-se uma bolha, como avisou agora o Banco de Portugal.

O Governo andou a dormir quase toda a legislatura relativamente à questão da habitação, a chorar contra a chamada lei Cristas que, naturalmente, com o andar da carruagem se transformou na lei Costa – porque não se pode ser primeiro-ministro e ao mesmo tempo irresponsável pelos serviços públicos e por direitos constitucionais, como o direito à habitação condigna. A Lei da Habitação, para a qual finalmente houve acordo na Assembleia da República, deixou cair uma das suas alíneas mais importantes – o direito à expropriação das casas devolutas nos centros urbanos.

Esta medida revolucionária e com cheiro a 1975 seria a única capaz de mudar um cenário insuportável: a quase impossibilidade de alguém da classe média conseguir arrendar uma casa em Lisboa. Se acham a ideia muito comunista, perguntem a Carlos Carreiras, o presidente social-democrata da Câmara de Cascais, também a braços com problemas de habitação e especulação no seu concelho, o que pensa sobre o assunto.

Em entrevista ao i, em Outubro de 2018, Carreiras disse: “Alguém que tem uma propriedade que não estima, que não lhe liga nenhuma e cuja propriedade causa até problemas de segurança pública, descaracterização do espaço, etc. Tendo em conta que essas propriedades afectam negativamente a comunidade vizinha, não vejo razão nenhuma para não expropriar.

A própria lei da expropriação determina que se tem de pagar um valor justo ao proprietário”. Num país em que os serviços públicos estão esmifrados por falta de pessoal e de outras penas, subsidiar a classe média alta para viver no centro de Lisboa é não ter noção do mundo onde vive, do salário médio dos portugueses, do estado de “remediado” em que vive a esmagadora maioria da população.

É extremamente fácil viver numa bolha quando se vive com condições acima da média. Mas a esquerda pode escolher não o fazer.