O que fazer com os resultados das europeias?
Apesar de mais fragmentada, a maioria pró-europeia não tem alternativa: ou encontra os consensos necessários ou perde os desafios.
As últimas eleições europeias mostraram, uma vez mais, o que já todos sabíamos: não há um demos europeu. E, como tal, as eleições parecem-se mais com a justaposição de 28 eleições nacionais do que com umas verdadeiras eleições europeias. Ainda assim, é possível traçar algumas tendências gerais.
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As últimas eleições europeias mostraram, uma vez mais, o que já todos sabíamos: não há um demos europeu. E, como tal, as eleições parecem-se mais com a justaposição de 28 eleições nacionais do que com umas verdadeiras eleições europeias. Ainda assim, é possível traçar algumas tendências gerais.
A primeira é a inversão de tendência da abstenção. Depois de 40 anos de queda gradual e consistente, os europeus votaram mais e a participação eleitoral ultrapassou os 50% contra o mínimo histórico de 43%, em 2014. Porquê? Há quem diga que por causa do sistema dos Spitzenkandidaten. Eu penso que houve outra razão. É que para além do discurso tecnocrático, desta vez havia causas políticas que mobilizaram os cidadãos: o ambiente e a mudança climática, entre os mais jovens, e a polarização política provocada pelos nacionalismos populistas.
A segunda tendência é a erosão do centro político. As duas grandes famílias políticas europeias de centro direita e centro esquerda, que governaram a Europa nos últimos 40 anos – o PPE e o S&D –, perderam em conjunto 77 lugares e, pela primeira vez, não têm uma maioria no parlamento. Esse espaço foi ganho pelos Verdes e pelos Liberais. Significa isto que é possível, ainda, formar uma maioria pró-europeia, mas serão precisas não duas, mas quatro famílias políticas. O parlamento estará mais fragmentado, a formação de maiorias será mais difícil, as negociações mais complexas e as coligações mais instáveis na tomada de decisões e aprovação da legislação europeia.
A terceira tendência é a meia vitória/meia derrota da extrema-direita populista. Meia vitória, porque cresceram do ponto de vista eleitoral, reforçaram a sua posição no Parlamento Europeu e ganharam em alguns Estados-membros importantes da União. Meia derrota, porque independentemente disso ficaram muito aquém das expectativas e, sobretudo, não alcançaram o terço de lugares necessários para a minoria de bloqueio no Parlamento Europeu. Mais importante do que isso, porque depois de tudo o que se viu na tragicomédia do “Brexit”, os europeus, mesmo os mais eurocépticos, não querem sair da UE.
Os populistas perderam a sua principal mensagem política, a mais forte e por isso mais eficaz: a saída do Euro e da UE. Tiveram que mudar de estratégia e o discurso agora não é sair, mas mudar a Europa por dentro. Não é uma mensagem tão forte e, por isso, politicamente tão eficaz. Isto é, os populistas consolidaram a posição eleitoral, mas perderam iniciativa política. Apesar disso, continuam a mobilizar muitos dos perdedores da globalização e a UE não o pode ignorar. Apesar de mais fragmentada, a maioria pró-europeia não tem alternativa: ou encontra os consensos necessários ou perde os desafios. E não são pequenos: completar a união económica e monetária; aprofundar a defesa europeia; garantir a segurança das fronteiras externas; enfrentar a mudança climática e a inovação tecnológica; e, sobretudo, aproximar-se dos cidadãos.
Em tudo isto, Portugal parece em contraciclo. Primeiro, quando a participação eleitoral sobe na Europa, desce em Portugal e a abstenção atinge o máximo histórico de quase 69%. Segundo, o centro político resiste e o sistema de partidos mostra uma resiliência rara na Europa. Apesar do realinhamento das clivagens pós-troika com a polarização esquerda-direita e de alguma fragmentação à direita (Aliança), não há mudança estrutural do sistema de partidos e o centro esquerda e o centro direita (PS e PSD) recolhem ainda quase 56% do eleitorado. Finalmente, o fracasso rotundo das tentativas populistas (Ventura e Marinho Pinto) que não conseguem eleger nem sequer um deputado. No plano interno, perde a direita (PSD e CDS) primeiro pela colagem ao discurso da austeridade, depois pela incapacidade de construir uma alternativa ao governo. Perde a CDU numa tendência que já vinha de trás e que a demografia confirmará. Ganha o BE que se aproxima do seu melhor resultado de sempre. Ganha o PAN que na onda ecologista elege pela primeira vez um deputado europeu. E ganha o PS, não tanto pelo resultado eleitoral, mas pela distância em relação ao PSD e porque sendo governo não é punido. É premiado por ter conseguido o que parecia impossível: conciliar disciplina orçamental, crescimento económico e reposição de rendimentos. Esse desafio o governo ganhou. A confirmar-se essa tendência nas próximas legislativas, o que é provável, o próximo desafio será o das reformas estruturais. Que as condições políticas não permitiram nesta legislatura e de que o país tanto precisa.