Biomarcador assinala quistos de alto risco para cancro no pâncreas

Investigação em 169 doentes a quem retiraram cirurgicamente quistos no pâncreas permitiu identificar um biomarcador para o risco de evolução para cancro. É mais um passo para melhorar o diagnóstico precoce de lesões pré-malignas.

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As áreas a castanho assinalam a presença do biomarcador no tecido de doentes que desenvolveram cancro no pâncreas após ter sido detectado um quisto KOUSHIK DAS, M.D.

Uma equipa de investigadores da Escola de Medicina da Universidade de Washington, nos EUA, identificou um biomarcador em quistos pancreáticos que poderá servir para distinguir os casos mais preocupantes e que podem evoluir para cancro das situações aparentemente benignas. A descoberta poderá ser útil para a decisão clínica de avançar para uma complexa e arriscada cirurgia de remoção do quisto. De acordo com os autores do artigo publicado esta quarta-feira na revista Gastroenterology, este biomarcador garantirá cerca de 95% de precisão, enquanto as actuais orientações aprovadas pelos especialistas asseguram apenas 74%.

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Uma equipa de investigadores da Escola de Medicina da Universidade de Washington, nos EUA, identificou um biomarcador em quistos pancreáticos que poderá servir para distinguir os casos mais preocupantes e que podem evoluir para cancro das situações aparentemente benignas. A descoberta poderá ser útil para a decisão clínica de avançar para uma complexa e arriscada cirurgia de remoção do quisto. De acordo com os autores do artigo publicado esta quarta-feira na revista Gastroenterology, este biomarcador garantirá cerca de 95% de precisão, enquanto as actuais orientações aprovadas pelos especialistas asseguram apenas 74%.

A detecção de quistos no pâncreas é sempre um alerta, ainda que a maioria das vezes não seja razão para alarme, uma vez que apenas uma pequena percentagem evolui de facto para uma lesão maligna, para um cancro. Há, por isso, uma série de orientações clínicas que servem para um especialista decidir se o quisto deve ou não ser retirado. Assim, a complexa cirurgia só é feita após uma série de exames e análises que permitem perceber se este sinal tem ou não características preocupantes. Por se tratar de uma lesão relativamente frequente, geralmente benigna, e de uma cirurgia bastante complexa que implica riscos consideráveis não seria sensato retirar todos os quistos detectados nos doentes.

“A cirurgia do pâncreas é complicada. Geralmente requer a remoção do baço, porções do estômago, do intestino delgado e do ducto biliar. No mundo ideal, só faríamos cirurgias em pessoas cujos quistos pancreáticos provavelmente se transformariam em cancro. O que de facto se passa é que, provavelmente, não operamos algumas pessoas que precisam de cirurgia e às vezes operamos quando o cancro não estará presente porque estamos a trabalhar com informações pouco precisas”, refere Koushik K. Das, investigador do Departamento de Gastroenterologia na Universidade de Washington e principal autor do artigo, citado num comunicado de imprensa da instituição. Segundo o mesmo documento, entre 2% a 4% dos doentes com idades entre 50 e 70 anos têm quistos pancreáticos, e a percentagem aumenta para 8% a 9% em pessoas com mais de 80 anos. A grande maioria desses doentes não apresenta sintomas, portanto, é comum que a detecção destes sinais seja feita num exame de rotina (uma TAC ou ressonância magnética) que não tinha este objectivo. Após terem sido detectados, geralmente recorre-se a uma ecoendoscopia (uma ecografia com endoscopia) para retirar e analisar uma amostra do quisto.

Deixar os quistos em paz?

Em declarações em PÚBLICO, o médico e investigador Pedro Moutinho Ribeiro, que presidiu ao Clube Português do Pâncreas da Sociedade Portuguesa de Gastroenterologia, explica que há vários tipos de lesões e outro tipo de factores que fazem prever um risco aumentado de cancro de pâncreas e que obrigam a um acompanhamento mais atento de alguns doentes. Entre as lesões, há os quistos que por definição são tumores benignos cheios de uma substância líquida ou mole. E entre estas lesões, há ainda um subtipo que são os quistos mucinosos que, como o nome parece sugerir, são formados por uma espécie de muco e que são os que geralmente podem evoluir para cancro. O trabalho agora apresentado na revista Gastroenterology é especificamente sobre estes quistos mucinosos.

Os cientistas analisaram o fluido de quistos pancreáticos removidos a 169 doentes e testaram-no para detectar a presença de um anticorpo chamado “mAb Das-1”, o biomarcador que elegeram e que permitiu identificar os que tinham probabilidade de se tornarem cancerosos com 95% de precisão. Segundo o comunicado, este biomarcador já tinha sido associado a quistos pancreáticos de alto risco em estudos anteriores, no entanto, neste novo trabalho os investigadores concluíram que “foi mais preciso do que qualquer método actual”.

O próximo passo, explicou Koushik K. Das, é conseguir procurar este biomarcador numa ecoendoscopia exploratória, para uma análise de uma amostra do quisto sem que seja necessário removê-lo, a mesma que serve para identificar o subtipo de quisto que está presente. Há mais de dois anos que o investigador acumula amostras para conseguir validar este teste.

Há mais de dois anos que o investigador junta amostras de fluidos para começar a acumular um número suficientemente grande para validar o teste. “Muitos quistos (se não a maioria) provavelmente deveriam ser deixados em paz”, defende, acreditando que a sua ferramenta poderá ajudar os médicos a tomar a melhor decisão.

“É mais um biomarcador que poderá ser útil. Este consegue identificar lesões quísticas mucinosas de alto risco”, comenta Pedro Moutinho Ribeiro, que nota que têm sido identificados outros sinais deste tipo que podem orientar os médicos na tomada de decisões clínicas e até contribuir para um decisivo diagnóstico precoce de uma lesão maligna. Aliás, o investigador português está actualmente dedicado a um projecto que procura precisamente validar um biomarcador no sangue para identificar o risco de cancro do pâncreas, mais precisamente uma proteína, chamada “glipicano-1 (GPC1)”​. “Andamos todos à procura do mesmo”, desabafa Pedro Moutinho Ribeiro, lembrando que um dos principais problemas deste cancro é ser detectado numa fase já demasiado avançada e, por isso, com poucas hipóteses de sobrevivência.

O cancro do pâncreas é um dos mais agressivos, com uma das mais altas taxas de mortalidade e cujo diagnóstico precoce é fundamental para melhorar a sobrevida dos doentes. Actualmente, representará cerca de 3% de todos os tumores malignos diagnosticados no mundo, mas ocupa o quarto lugar em termos de mortes por cancro. Em Portugal, surgem cerca de 1500 novos casos por ano. A incidência é crescente e espera-se que em 2020 seja mesmo a segunda causa de morte por cancro em todo o mundo. Entre os factores de risco, encontra-se a ocorrência de pancreatites, a existência de casos na família ou, como mais recentemente se percebeu, a detecção de diabetes com início tardio (após os 50 anos).