Agustina, uma livre-pensadora sempre activa
Além da escrita, interveio na política, apoiou candidatos e Presidentes, defendeu e contestou causas públicas, desde a interrupção voluntária da gravidez à regionalização, dirigiu teatros e jornais… Sempre com uma liberdade de pensamento ímpar.
Um dia, Agustina Bessa-Luís foi abordada na rua por uma mulher que a tinha visto na véspera num programa de televisão e lhe disse: “Sabe, Dona Agustina, gostei muito de a ver e ouvir ontem na televisão, e gosto muito de si. Qualquer dia até leio um livro seu!” O episódio, contado pela própria escritora, mostra bem quanto o seu nome e a sua notoriedade extravasavam o universo da literatura e o círculo dos seus leitores.
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Um dia, Agustina Bessa-Luís foi abordada na rua por uma mulher que a tinha visto na véspera num programa de televisão e lhe disse: “Sabe, Dona Agustina, gostei muito de a ver e ouvir ontem na televisão, e gosto muito de si. Qualquer dia até leio um livro seu!” O episódio, contado pela própria escritora, mostra bem quanto o seu nome e a sua notoriedade extravasavam o universo da literatura e o círculo dos seus leitores.
De facto, enquanto esteve activa, Agustina sempre cultivou a exposição mediática e lidou bem com ela, e sempre se envolveu em diferentes áreas da vida pública: da política à intervenção social e cívica, da actividade jornalística à participação em campanhas e causas de índole diversa.
Na área da política, a escritora associou por diversas vezes o seu nome a algumas figuras e causas, ainda que um dia tivesse dito: “A política interessa-me, mas não me atrai”. Em 1969, ainda no tempo do Estado Novo, chegou a ser convidada a concorrer como deputada pela ala liberal da Acção Nacional Popular (ANP), o partido único do regime. Não chegou a candidatar-se por não estar recenseada nos cadernos eleitorais. Já depois do 25 de Abril de 1974, envolveu-se de forma militante, em 1986, na candidatura presidencial de Freitas do Amaral contra Mário Soares. Fê-lo, como explicou mais tarde numa entrevista a António-Pedro Vasconcelos para a revista Indy (Independente, 12/12/1997), porque achou que “o país estava a passar um momento em que era impossível ser-se outra coisa que não fosse ser de esquerda”. Acabaria por admitir que o vencedor dessa eleição, Mário Soares, se revelou “um homem muito conciliador” e “com um grande sentido de moderação”.
Dez anos depois, apoiou Jorge Sampaio contra Cavaco Silva para, na eleição presidencial seguinte, ter integrado mesmo a comissão de candidatura do ex-líder social-democrata. “Dei apoio aos políticos em momentos pontuais. Não tem nada que ver com partidos. Tem a ver com as pessoas e com os momentos do país”, disse também na entrevista ao Independente. Noutra entrevista (a Fernando Dacosta, da revista Visão, 27/05/2004), realçou que só lhe interessaria entrar verdadeiramente na política se fosse “pela porta nobre”: “Ser um primeiro-ministro, ser um tirano… uma Catarina da Rússia”.
Mas em simultâneo com estas “boutades" e o gosto pela provocação, Agustina não se eximiu nunca à intervenção cívica. No início da década de 90 subscreveu o pedido de amnistia para os presos do caso FUP/FP 25. “Não sou juiz, mas sou uma pessoa que preza a liberdade. Sou pela amnistia. Há também um lado romântico que contempla todas as dificuldades em julgar uma revolução”, justificou então em declarações ao PÚBLICO (18/06/1991).
Um dos últimos gestos cívicos e públicos foi o apoio que depois deu, em Novembro de 2006, pouco tempo antes de sofrer um AVC, ao Movimento Cidadania e Responsabilidade pelo Sim no lançamento da campanha para o referendo sobre a despenalização da Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG) que se realizaria em Fevereiro do ano seguinte, e que abriria o caminho a uma actualização do referendo de 1998 permitindo diminuir para o prazo de 10 semanas a IVG a pedido da mulher.
No primeiro referendo, Agustina tinha tido uma posição defensiva. “Temos de pensar caso a caso. Se vamos despenalizar por despenalizar, por uma atitude política, por uma atitude de dar liberdade às pessoas para disporem de si, do seu corpo, como agora se diz, eu acho que isso é perigoso e podemos cair em erros muito grandes”, explicou na entrevista ao Independente.
Já no referendo sobre a regionalização, realizada nesse mesmo ano de 1998, Agustina tinha-se manifestado contra, justificando que a lei não traria “a felicidade dos regionalizados”. “Somos um país pequeno de mais. Somos uma região. E corremos o risco de nos tornar uma região ainda mais demarcada”, comentou em declaração àquele semanário.
Directora do D. Maria II com pouco palco
Polémica foi a sua passagem pela direcção do Teatro Nacional D. Maria II (TNDMII), entre 1990 e 1993, a convite do então primeiro-ministro Cavaco Silva e do seu secretário de Estado da Cultura Pedro Santana Lopes, que por várias vezes brandiu o “trunfo” do apoio político da escritora. Foi um mandato muito contestado nos meios teatrais da capital, e onde não deixou grande rasto, até porque a programação do teatro foi praticamente monopolizada, desde 1991, pelo êxito do musical Passa por Mim no Rossio, de Filipe La Féria – o encenador tinha adaptado, antes dessa data, a peça de teatro da escritora A Bela Portuguesa, de 1986; e em 1996 encenou no próprio palco do D. Maria II o seu romance As Fúrias (1977).
Agustina abandonou a direcção do TNDMII em Setembro de 1993, atingida a idade da reforma, sendo substituída por Carlos Avillez. Mas manteve-se ligada à instituição, com Pedro Santana Lopes a atribuir-lhe o cargo de presidente do Conselho de Leitura, até que no início de 1998 foi exonerada pelo ministro Manuel Maria Carrilho, do primeiro governo socialista de António Guterres.
Mais tarde, Agustina comentou a sua passagem pelo D. Maria II nestes termos: “Gostei muito de lá ter estado, apesar dos odiozinhos, das invejas do meio. Tive a sorte de se encontrar em cena o Passa por Mim no Rossio, pelo que foram dois anos triunfais. Não fazia nada. Era só ganhar dinheiro. Foi uma bênção para mim” (Visão, 18/07/2002).
Ainda na área da administração pública, Agustina presidira, em 1989, ao Conselho Geral do Hospital de Crianças Maria Pia, no Porto, e, no ano seguinte, integrou o Conselho Superior para a Defesa e Salvaguarda do Património Cultural Português.
Mas a outra vertente da vida pública que a escritora mais cultivou foi a intervenção jornalística e televisiva. Foi directora d’O Primeiro de Janeiro, entre 1986 e 1987, a convite de Freitas do Amaral, então accionista do jornal portuense. Colaborou noutros diários (Diário Popular, Diário de Notícias) e também semanários (Liberal, Semanário, Independente), e chegou a integrar o Conselho da Comunicação Social (1986) e a Alta Autoridade para a Comunicação Social (1992). Participou igualmente em programas da televisão pública, como Travessa do Cotovelo e Ela por Ela (com Maria João Seixas).
Em todos os lados onde esteve, Agustina abraçou, escreveu e comentou os grandes temas do país – da cidade do Porto, do seu Douro – e do mundo com uma liberdade de pensamento ímpar. Como quando se referiu, assim, à Expo’98 em Lisboa: “É um lado megalómano que de vez em quando aparece em Portugal. É uma espécie de purga da humildade. Até politicamente a humildade é uma espécie de viático que se vai distribuindo pela missa política. Acho muito bem” (Semanário, 23/05/1998).