Papa pede perdão aos ciganos pelas discriminações da Igreja
O Papa Francisco pediu “perdão” aos ciganos, em nome da Igreja católica, pelas “discriminações, segregações, maus tratos” sofridos por esta comunidade, num encontro na Roménia com representantes da etnia.
O Papa Francisco pediu “perdão” aos ciganos, em nome da Igreja católica, pelas “discriminações, segregações, maus tratos” sofridos por esta comunidade, num encontro na Roménia com representantes da etnia.
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O Papa Francisco pediu “perdão” aos ciganos, em nome da Igreja católica, pelas “discriminações, segregações, maus tratos” sofridos por esta comunidade, num encontro na Roménia com representantes da etnia.
“Peço perdão — em nome da Igreja, ao Senhor e a vós — pelas vezes em que, ao longo da história, vos discriminámos, maltratámos ou olhámos de viés”, declarou o Papa num discurso dirigido à comunidade cigana da cidade de Blaj, no centro da Roménia, este domingo.
Na sua última etapa da viagem de três dias à Roménia, Francisco encontrou-se com representantes da minoria cigana, que conta com um milhão a dois milhões de pessoas neste país de 20 milhões de habitantes e constitui uma comunidade pobre e frequentemente marginalizada.
Francisco disse carregar “um peso no coração”, o das discriminações sofridas pela etnia, confessando que “também os cristãos e os católicos não são alheios a tanto mal”.
“É na indiferença que se alimentam os preconceitos e se activam os rancores”, lamentou, criticando “as palavras que ferem” e “as atitudes que semeiam o ódio”.
Na Europa, o número de ciganos é calculado entre 10 milhões e 12 milhões de pessoas, o que representa 1,2% da população da União Europeia.
O Papa iniciou na sexta-feira uma visita de três dias à Roménia, país maioritariamente ortodoxo, que foi visitado pela primeira vez por um líder da Igreja católica, João Paulo II, há 20 anos.
Hostilidade contra os ciganos na UE
A hostilidade contra os ciganos tem estado a crescer dentro da União Europeia e a ascensão dos partidos extremistas faz prever o pior. A necessidade de a combater já foi elevada a prioridade de topo também pelo Parlamento Europeu, que instou recentemente os Estados-membros a combater a ciganofobia. A situação é crítica em países como a Bulgária, onde os ultra-nacionalistas fazem parte do Governo.
“É essencial que as autoridades públicas se distanciem do discurso racista e xenófobo que visa os ciganos e criminalizem de modo eficaz a retórica contra os ciganos, os discursos de incitamento ao ódio e os crimes de ódio”, avisou já em 2016, na comunicação ao Parlamento sobre as estratégias nacionais de integração das comunidades ciganas, que instigou os Estados-Membros a lançar em 2011, na sequência das expulsões de ciganos búlgaros e romenos de França. “É importante tomar consciência de que a relutância em agir também contribui para a aceitação da intolerância na sociedade.”
São entre dez e doze milhões na Europa os roma, os viajantes, os sinti, os manouches, os calés, os romanichéis, os boiash e outros grupos étnicos habitualmente designados por roma ou ciganos. E estão espalhados por todo o espaço comunitário, com as populações de maior dimensão na Roménia, na Bulgária, na Hungria, na República Checa e na Eslováquia.
A discriminação em razão da origem étnica é a forma mais comum de discriminação dentro do espaço comunitário. Em 2016, segundo a Agência para os Direitos Fundamentais da União Europeia, 80% dos ciganos viviam em risco de pobreza, um terço das famílias não dispunham de água canalizada, metade não tinha duche ou casa de banho dentro de casa, um terço das crianças corria o risco de ir para a cama com fome pelo menos uma vez por mês.
A comunidade cigana em Portugal
O Comité Europeu dos Direitos Sociais, do Conselho da Europa, anunciou no início deste ano que vai continuar a pedir a Portugal que lhe diga o que está a fazer para que a população cigana tenha acesso a habitação digna. Apesar dos avanços, o país continua a violar a Carta Social Europeia.
Em Portugal, em causa está uma reclamação apresentada em 2010 pelo Centro Europeu de Direitos Roma, uma organização internacional que luta contra a discriminação e pelos direitos das pessoas ciganas. Portugal foi condenado não só pelas precárias condições de habitação em que vive grande parte da população cigana, mas também pelo facto de o Governo de então não ter demonstrado que tomara medidas suficientes para tentar contrariar essa realidade, que se arrasta há séculos.
Questionado sobre o que tem sido feito para resolver o problema, o actual Governo explicou, à data, que está em curso uma Estratégia Nacional de Integração das Comunidades Ciganas. “As várias iniciativas e projectos de organizações da sociedade civil e da academia permitiram aos mediadores socioculturais ciganos melhorar o conhecimento da situação da habitação e ministrar sessões de formação/informação nas áreas da educação para a saúde e serviços disponíveis”, referiu.
Em 2016, o Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU) divulgou um levantamento que fez com o Alto Comissariado para as Migrações. Encontrou 2461 famílias ciganas a viver em alojamentos não clássicos, isto é, barracas, tendas, pré-fabricados ou caravanas, o que correspondia a 37% do total de famílias identificadas.
Já em Fevereiro deste ano, veio a público que Portugal se preparava para dar um passo inédito no que diz respeito à inclusão da comunidade cigana, com onze candidaturas ao programa de inserção sócio-profissional da população cigana a serem apresentadas por entidades sem fins lucrativos, entre outas iniciativas de integração.
A avaliar pelos dados divulgados pela Agência para os Direitos Fundamentais da União Europeia, a taxa de participação dos ciganos portugueses no mercado de trabalho formal era de 35% em 2016. E a baixa escolaridade não explica tudo — 76% denunciavam discriminação.
Embora problemática, a situação melhorou nos últimos 20 anos, por força do Rendimento Social de Inserção, do Escolhas, da crescente (ainda que insuficiente) valorização da escola. De acordo com o Perfil Escolar da Comunidade Cigana, que caracteriza os alunos matriculados nas escolas públicas do continente no ano lectivo 2016/2017, duplicou o número de inscritos na escolaridade obrigatória.
Estima-se que a comunidade cigana integra cerca de 45 mil pessoas em Portugal.