Horticultores do litoral alentejano contestam restrições a mais estufas

Moção aprovada pelos autarcas de Odemira critica os “constrangimentos gerados” pelas culturas em estufa e a “perturbação” social causada pelo fenómeno migratório.

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Miguel Manso

A clivagem entre as posições tomadas pela Assembleia Municipal de Odemira (AMO), que está contra novos investimentos agrícolas dentro do Perímetro de Rega do Mira (PRM), e a Associação dos Horticultores, Fruticultores e Floricultores dos Concelhos de Odemira e Aljezur (AHSA), que defende a posição contrária, está a acentuar-se. Nos últimos dias, as críticas de lado a lado subiram de tom - os primeiros querem mais cautelas, os segundos dizem que a sua actividade é muito benéfica para o concelho.

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A clivagem entre as posições tomadas pela Assembleia Municipal de Odemira (AMO), que está contra novos investimentos agrícolas dentro do Perímetro de Rega do Mira (PRM), e a Associação dos Horticultores, Fruticultores e Floricultores dos Concelhos de Odemira e Aljezur (AHSA), que defende a posição contrária, está a acentuar-se. Nos últimos dias, as críticas de lado a lado subiram de tom - os primeiros querem mais cautelas, os segundos dizem que a sua actividade é muito benéfica para o concelho.

Na última reunião da AMO, realizada a 30 de Abril, o PS apresentou uma moção que foi aprovada com os votos favoráveis das bancadas daquele partido, CDU, BE e a abstenção do PSD, onde se “exigia” ao Governo “medidas preventivas imediatas quanto a novos investimentos em instalações agrícolas” em pleno Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina (PNSACV). O documento acrescenta que deveria haver cautela até que fosse “produzida decisão definitiva” sobre as propostas apresentadas pelo Grupo de Trabalho do Mira (GTM).

Com a criação deste organismo, em Agosto de 2018, pretendia-se dar resposta a questões como os alojamentos para trabalhadores agrícolas imigrantes e a “compatibilização” dos valores naturais do PNSACV e da Rede Natura 2000 com a actividade agrícola de regadio. Também as dificuldades crescentes no acolhimento e alojamento de trabalhadores imigrantes, têm suscitado constantes apreensões.

O presidente Câmara de Odemira, José Alberto Guerreiro, tem alertado para o facto de já existirem cerca de dezasseis mil habitantes naquela faixa do território. Mesmo assim, as empresas propõem a “triplicação” da população imigrante quando o território “não tem capacidade” para responder com oferta de habitação, infra-estruturas, desenvolvimento social, e articulação cultural a esse aumento populacional em tão curto espaço temporal, assinala o autarca.

Esta posição é igualmente partilhada pelo presidente Junta Freguesia Vila Nova de Milfontes, Francisco Lampreia, quando diz que na localidade “é impossível encontrar habitações para alugar porque as casas encontram-se ocupadas por migrantes”

Para além dos aspectos suscitados pelo fenómeno migratório, o grupo de trabalho também deveria ponderar sobre “uma eventual revisão da delimitação do PRM e ou da área abrangida pelo PNSACV”. Os trabalhos ficaram concluídos em Novembro de 2018 e o respectivo relatório de conclusões e propostas, foi então remetido ao Governo.

Até ao momento, não é conhecida qualquer decisão sobre as conclusões do relatório. Nem mesmo a garantia dada pelo primeiro-ministro, António Costa, ao deputado do PAN, André Silva, durante o debate quinzenal na Assembleia da República em meados de Janeiro de que, até final desse mês,“seriam tomadas decisões quanto as acções a desencadear no seio do que foi proposto no Grupo de Trabalho do Mira” foi cumprida, lembrou a moção apresentada pelo PS.

É neste contexto, “e tendo em conta a ausência de quaisquer decisões por parte do Governo referentes a esta matéria”, que os eleitos do PS na Assembleia Municipal propuseram, através da moção aprovada, que sejam tomadas, por parte do Governo, “medidas preventivas imediatas quanto a novos investimentos em instalações agrícolas no território, até que seja produzida decisão definitiva”. É ainda pedido que “seja tomada uma decisão” quanto a acções a desencadear com base no que foi proposto no GTM “num prazo não superior a 30 dias”.

Odemira é “beneficiada"

Confrontada com o teor desta moção, a AHSA, através de comunicado enviado ao PÚBLICO, diz que “não se revê”, bem como as suas associadas, na moção tornada pública pelo PS de Odemira, “sobretudo pelo claro desconhecimento que evidencia da realidade agrícola da região”. E assume que a actividade baseada nas culturas de pequenos frutos (framboesa, amoras, mirtilos) em estufa, bem como as próprias empresas agrícolas, “não geram constrangimento”.

Refere ainda que do ponto de vista económico, o concelho de Odemira “beneficia” das hortofrutícolas, realçando o Valor Acrescentado Bruto (VAB) concelhio gerado em 2015, pela actividade hortofrutícola, que ascendeu a 44 milhões de euros. E acentua que o factor determinante para a valorização económica do concelho de Odemira reside nas excelentes “condições edafo-climáticas únicas do Sudoeste Alentejano”, que consagra a região como “uma das melhores regiões da Europa” para a prática de um modelo agrícola com “elevadíssimo valor acrescentado”. 

Limitar a expansão da actividade agrícola no espaço que foi destinado para esse fim, há 50 anos, através da criação do PRM, não é encarado como razoável pela AHSA, frisando que “menos de 2% da área do PNSACV e de 0,7% da área total do concelho” estão ocupados por hortofrutícolas que empregam, segundo a AHSA “mais de 3500 colaboradores, muitos estrangeiros”.

Referindo-se ao teor da moção que se reporta às crescentes dificuldades de alojamento e integração destes trabalhadores, a AHSA salienta que, à semelhança do que acontece noutros países, uma solução possível seria ter os colaboradores a residir dentro das próprias unidades de produção agrícola, “em estruturas temporárias construídas para o efeito”. Este tipo de instalação “chega a alojar 600 ou mais colaboradores, de forma socialmente responsável, com muito relevantes condições de habitabilidade, sendo inspeccionados e auditados com frequência, quer pelas próprias cadeias de retalho, quer pelos organismos competentes”. É um modelo que “funciona e que permitiria retirar os trabalhadores agrícolas dos perímetros urbanos, minimizando, desta forma, a pressão que se verifica actualmente no centro das freguesias do concelho de Odemira”, conclui a AHSA.