Matos Gil diz que Faria de Oliveira minimizou sinais de alarme na La Seda
Manuel Matos Gil, que esteve esta manhã no Parlamento a explicar aos deputados a relação entre o seu grupo, a CGD, a La Seda de Barcelona e a Artlant em Sines, diz que orientação do banco público sobre a catalã mudou entre Santos Ferreira e Faria de Oliveira.
Manuel Matos Gil, líder do grupo Imatosgil (hoje conhecido como IMG) conheceu poucos presidentes da Caixa Geral de Depósitos: “vi um, uma vez e outro, vi duas”, disse esta manhã aos deputados da Comissão Parlamentar de Inquérito à recapitalização da CGD e à gestão do banco (CPI). Nas conclusões da auditoria à CGD, a EY identifica a operação de financiamento pelo banco público à Artlant, empresa criada para o projecto da fábrica da La Seda de Barcelona, em Sines (inicialmente constituída com o nome de Artenius Sines), como uma das mais danosas para a CGD.
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Manuel Matos Gil, líder do grupo Imatosgil (hoje conhecido como IMG) conheceu poucos presidentes da Caixa Geral de Depósitos: “vi um, uma vez e outro, vi duas”, disse esta manhã aos deputados da Comissão Parlamentar de Inquérito à recapitalização da CGD e à gestão do banco (CPI). Nas conclusões da auditoria à CGD, a EY identifica a operação de financiamento pelo banco público à Artlant, empresa criada para o projecto da fábrica da La Seda de Barcelona, em Sines (inicialmente constituída com o nome de Artenius Sines), como uma das mais danosas para a CGD.
A auditoria preliminar conta a história desta operação, que tem início em 2007 e que envolveu um crédito concedido de mais de 350 milhões de euros, com imparidades de 60,2% para a CGD, à data de 2015.
Questionado esta terça-feira sobre a relação do universo empresarial que lidera, que foi accionista directo e indirecto da petroquímica catalã, com o banco público – Matos Gil defendeu a linha de que havia interesse da instituição financeira em entrar, primeiro, e depois manter, a posição no mercado espanhol. O grupo empresarial, que chegou a deter quase 20% do capital da catalã, garante que saiu em Dezembro de 2008.
A 19 de Maio de 2006, dois dias depois de uma reunião com vários representantes do Governo liderado por José Sócrates, é a CGD que o convida – disse Matos Gil hoje – para uma reunião sobre o projecto da unidade de PTA em Sines. A unidade acabou por ser outra fonte de perdas para a CGD.
Santos Ferreira lidera então a comissão executiva da CGD, estando no encontro pessoas que Matos Gil classifica como “administradores relacionados” do grupo Imatosgil na LSB em 2006 – Freire de Sousa e Nuno Gaioso Ribeiro – e o administrador da CGD na administração da LSB, Jorge Tomé. Na ocasião não foi mencionado qualquer financiamento à Imatosgil, assegurou hoje Matos Gil, sendo o objectivo do encontro um pedido do banco português para reunir com o presidente da LSB, para abordar a vinda do investimento da fábrica para Sines.
Mas, cerca de dois anos depois, em Março de 2008, houve uma nova reunião com o banco e essa foi “péssima”, tendo havido “uma posição do novo presidente da CGD contrária” ao seu antecessor. E, insinuou mesmo Matos Gil, contrária também ao que era o entendimento do representante da CGD na LSB, Jorge Tomé, porque este acabou por sair da gestão da catalã ao mesmo tempo que Freire de Sousa e Gaioso Ribeiro.
No final de 2007, e alertado até por Jorge Tomé, “que sabia tanto ou mais do que nós, porque era administrador da LSB”, Matos Gil considera estarem “a detectar-se coisas estranhas na LSB” ao nível da gestão e das contas. Foi por isso que, aquando do lançamento da primeira pedra da unidade em Sines, a 11 de Março de 2008, a sua primeira reacção foi recusar a presença. Posição que acabou por inverter, sendo uma das figuras de destaque na cerimónia, a avaliar pelas fotos na altura, juntamente com Sócrates e Manuel Pinho (que só conhecera dois anos antes, assegurou, na apresentação inicial do projecto de PTA).
“Recebo uma chamada para ir… aceitei o almoço [da CGD]”, disse Matos Gil e nesse encontro há “uma linha de desconfiança” sobre o rumo da LSB entre os representantes portugueses na administração da LSB. É aqui que a “posição contrária” do “novo presidente da CGD” se evidencia, assegurou Matos Gil, que quando questionado por Cecília Meireles confirmou que estava a falar de Faria de Oliveira.
“Eu chego cá e vou, contrariado, ao lançamento da primeira pedra [do projecto da LSB em Sines], por estar na fotografia com pessoas da LSB, [em relação às quais] estou completamente em oposição. Ao presidente (Rafael Español) e ao conselheiro-delegado (entretanto já falecido, Gonçalo Isla).
Na reunião de 13 Março de 2008, “Faria de Oliveira diz que entrar em conflito com aquela região [Catalunha] … não convinha fazer muitas ondas”, acrescentando logo de seguida que “seguramente” Faria de Oliveira “não teria a sensibilidade ou conhecimento do que se estaria a passar” nas contas da LSB – que entre 2005 e 2007 registou aumentos de capital no valor de 971 milhões de euros, tendo terminado 10 anos depois insolvente. Não esqueceu contudo de referir que Faria de Oliveira “tinha estado na CGD em Espanha”, mercado onde o banco público “queria entrar” e fez logo negócios, defendeu o gestor, a seguir à entrada no capital da LSB em 2006.
“Não tenho problema com o eng. Faria de Oliveira”, assegurou quase no final da sessão da CPI de hoje, mas “na realidade fiquei de boca aberta com a outra opinião, de Fernando Faria de Oliveira”, na altura, até porque, voltou a dizer, a 11 de Março tinha escrito uma carta a alertar a gestão do banco público sobre o que se estava a passar na LSB.
Sobre a entrada do banco público (CGD e Caixa BI) na La Seda, “ficámos admirados”, confessou Matos Gil aos deputados esta terça-feira. “A CGD entrou por sua e livre vontade, num aumento de capital em Julho/Agosto de 2006 por tomada firme do Santander (cerca de 40 milhões de euros)”. O que acabou por justificar: “a CGD tinha muito interesse em vir a tomar negócios em empresas espanholas”, o que acabou por acontecer logo “cinco ou seis meses” depois de entrar na catalã, já que como adviser da LSB numa operação de aquisição feita pela companhia com sede em Barcelona, o grupo financeiro público teve um “beneficio directo” de cerca de “sete ou oito milhões”. “Estavam contentes com o investimento que estavam a fazer”, concluiu hoje Matos Gil sobre o banco público.
A partir do último trimestre de 2007, “iniciámos com o representante da CGD”, Jorge Tomé, que Matos Gil viu como “catalisador” dos sinais de alarme para a situação financeira da LSB – “ligou-me várias vezes para o México” –, uma linha de defesa dos interesses portugueses, disse, que era “de confrontação” com a administração de Rafael Español. E, para o novo presidente da CGD em 2008 “o caminho era de não confrontação”. “O parceiro que estava no conselho era da mesma linha”, de “desconfiança” perante o que se estava a passar na catalã.
Sobre se Jorge Tomé terá mudado ou não de posição, Matos Gil remeteu para o antigo gestor da CGD, mas insinuou que não deve ter mudado “porque resignou no mesmo dia que os nossos conselheiros [administradores relacionados da Imatosgil]” da administração da LSB. A demissão ocorreu em Abril de 2008 e, no final desse ano, o grupo Imatosgil saiu do capital da LSB, defendeu.
Matos Gil recordou hoje, por várias vezes, que Rafael Español, um dos antigos presidente executivos da LSB, foi condenado pela justiça espanhola em vários processos por, entre outras questões, apropriação indevida de fundos e reporte incorrecto das contas da catalã, que terá ocultado dívidas de mais de 80 milhões de euros entre 2006 e 2008.
A Caixa ficou, chegando a atingir 14% do capital através de vários aumentos de capital, o que agravou a sua exposição aquando da falência da LSB, em 2014. A Artlant, empresa que era responsável pela fábrica em Sines, entrou em insolvência em 2017.