AnaMary Bilbao: pensar “o eterno retorno” na fotografia
Como se pode pensar a circularidade da História que se repete? A pergunta é da artista luso-espanhola AnaMary Bilbao, finalista do Prémio Novos Artistas Fundação EDP, em exposição no MAAT, em Lisboa. Até Junho, o PÚBLICO apresenta os seis jovens finalistas.
O conceito do eterno retorno remete para uma ideia de repetição em que a extinção e a criação fazem parte de um ciclo incessante. Será que cada série de eventos está fadada a reproduzir-se eternamente? Será que a História está condenada à repetição? São estas as questões que conduzem um trabalho de impressão inédito que a artista luso-espanhola AnaMary Bilbao apresenta agora no MAAT, no âmbito do Prémio Novos Artistas Fundação EDP, do qual é uma dos seis finalistas.
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O conceito do eterno retorno remete para uma ideia de repetição em que a extinção e a criação fazem parte de um ciclo incessante. Será que cada série de eventos está fadada a reproduzir-se eternamente? Será que a História está condenada à repetição? São estas as questões que conduzem um trabalho de impressão inédito que a artista luso-espanhola AnaMary Bilbao apresenta agora no MAAT, no âmbito do Prémio Novos Artistas Fundação EDP, do qual é uma dos seis finalistas.
O mote para a obra que apresenta em exposição é, ele próprio, um retorno. Neste caso, às questões iniciais com que a artista se debateu nos seus primeiros trabalhos, desenhos de gesso sobre papel centrados em ideias como as da “repetição, do erro e da diferença que podia surgir depois dessa repetição”.
Mas se retorna a conceitos teóricos anteriormente trabalhados — questionando “tempo, memória, passado, presente” — verifica-se o elemento de diferença por, no seu trabalho, estar agora a “mudar os suportes”. Trabalhar com desenho permitiu a AnaMary Bilbao trabalhar a “insistência do gesto”, mas a artista luso-espanhola empenhou-se em seguir um novo caminho que a levasse “a outro núcleo de trabalho”. Este interesse parte tanto do seu doutoramento, como de um trabalho artístico previamente iniciado na sua exposição individual na galeria Uma Lulik em Dezembro, O último brilho da estrela que morre. Aqui, como agora na exposição no MAAT, explora, de forma quase abstracta, a condição da fotografia e a memória com processos de raspagem, rasura e “um trabalho de impressão”.
Esta obra, produzida nos três a quatro meses que se seguiram à inauguração da sua exposição individual, resulta de material fotográfico que encontrou em Londres mas que, depois, cruzou com “referências teóricas e, nesse sentido, o trabalho ficou uma obra totalmente nova e inédita”, diz a artista. Duas das suas referências foram a obra filosófica de Walter Benjamin e o legado do activista socialista francês do século XIX Louis Auguste Blanqui — e neste, sobretudo o livro L'Eternité par les Astres, no qual discute o conceito de “eterno retorno” comentado por Benjamin no seu “projecto das arcadas” parisienses, uma obra fragmentária sobre a capital francesa. AnaMary Bilbao tenta, na sua nova obra, construir “pontos de ligação entre um e outro, e entre a forma como também a própria ideia de ‘eterno retorno’ está relacionada com a eternidade”.
Mas como se pode pensar a circularidade da história que se repete? Como é que se pode pensar o “eterno retorno”? À artista interessa-lhe explorar esta “noção política” que considera “muito importante em toda a História” e “implementar dúvidas sobre estes processos de leitura e de discussão [da História]”.
Partindo de uma formação sobretudo teórica — AnaMary Bilbao não passou pelas mais práticas Belas Artes mas pela História da Arte — e vive uma relação estreita entre a sua produção artística e a sua investigação académica: “Vejo-as como áreas interligadas e acho que às vezes deveria, na minha cabeça, fazer uma separação mais clara. Acho que são mesmo inseparáveis para mim”, considera.
A sua selecção para o Prémio Novos Artistas Fundação EDP é vista por AnaMary Bilbao como forma de se libertar do isolamento do atelier. “[O prémio] possibilita uma coisa que tem sido difícil para mim, porque fiz um percurso muito fechado a nível nacional”, e as suas expectativas concentram-se agora na projecção internacional. A relação com o curador João Silvério, que a acompanhou durante o processo de concepção da obra para esta exposição no MAAT, classifica-a como sendo marcada pela “cumplicidade” e por um diálogo aberto que “foi guiando o processo” e permitiu que o seu trabalho ganhasse novas perspectivas.
No MAAT, AnaMary Bilbao apresenta uma série de seis imagens, trabalhadas com técnicas de raspagem e impressão, que derivam de “antigos negativos de vidro”. Estes negativos fazem parte de um álbum encontrado por AnaMary Bilbao e apresentam imagens tanto “completamente preservadas pelo tempo” como em estado de degradação.
Usando uma técnica de raspagem com granito e lixas feitas pela sua própria mão, a artista trabalha as imagens reflectindo questões sobre a “circularidade do tempo”. Esta série de imagens é acompanhada por uma projecção de som que remete para a ligação entre esta obra, a noção de eterno retorno e a figura trágica do revolucionário Blanqui. O som que emana da projecção é uma gravação feita numa prisão em Château du Taureau, em Morlaix, onde Blanqui esteve preso. Juntando-se ao som do mar, ouve-se uma frase do poema de Rimbaud, L'Eternité, que Anna Karina lê no filme Pedro, o Louco de Jean-Luc Godard (1965).
Um “percurso tardio"
AnaMary Bilbao é doutoranda em Estudos Artísticos – Arte e Mediações, pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, com ligação à School of Arts – Birkbeck, da Universidade de Londres. Anteriormente, frequentou também os cursos de Pintura e Cinema/Imagem em movimento no Ar.Co – centro de Arte e Comunicação Visual de Lisboa. Contudo, considera que a sua grande formação prática foi feita através do seu trabalho como assistente de artistas, incluindo João Onofre, com quem trabalhou durante cerca de cinco anos.
O seu percurso, que considera “tardio”, leva-a a começar a participar em exposições, de forma mais regular, a partir de 2013. O seu trabalho está representado em colecções como as de António Cachola e Figueiredo Ribeiro.
A exposição do Prémio Novos Artistas Fundação EDP foi inaugurada durante a feira internacional de arte contemporânea ARCOlisboa, e fica patente até Outubro deste ano, na galeria da Central 1, do MAAT.
Os seis artistas finalistas — AnaMary Bilbao, Mónica de Miranda, Henrique Pavão, Isabel Madureira Andrade, Dealmeida Esilva e Diana Policarpo — foram seleccionados entre mais de 530 candidatos, pelos curadores Inês Grosso, Sara Antónia Matos e João Silvério.
O Prémio Novos Artistas Fundação EDP já distinguiu criadores como Joana Vasconcelos, Gabriel Abrantes, Leonor Antunes, Vasco Araújo, João Maria Gusmão e Pedro Paiva ou Mariana Silva.
A série de apresentação dos finalistas do Prémio Novos Artistas tem o apoio