Marta Paço é a primeira surfista cega campeã da Europa. “Quero continuar a apanhar ondas”
Portugueses destacaram-se no primeiro primeiro campeonato europeu de surf adaptado. “A sensação de adrenalina” do surf leva Marta Paço a competir.
A surfista portuguesa Marta Paço, de 14 anos, que é cega de nascença, conquistou este sábado a medalha de ouro no primeiro campeonato europeu de surf adaptado, o EuroSurf Adaptive 2019, em Viana do Castelo, tornando-se a primeira campeã europeia feminina na categoria ASVI (surfistas com deficiências visuais). Ao competir junto dos atletas masculinos, na categoria ASVI Open, a jovem portuguesa voltou a conquistar um lugar no pódio – desta vez, em terceiro lugar.
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A surfista portuguesa Marta Paço, de 14 anos, que é cega de nascença, conquistou este sábado a medalha de ouro no primeiro campeonato europeu de surf adaptado, o EuroSurf Adaptive 2019, em Viana do Castelo, tornando-se a primeira campeã europeia feminina na categoria ASVI (surfistas com deficiências visuais). Ao competir junto dos atletas masculinos, na categoria ASVI Open, a jovem portuguesa voltou a conquistar um lugar no pódio – desta vez, em terceiro lugar.
Apesar de só se dedicar ao surf há dois anos, Marta Paço já é bem conhecida na área por ser das mais jovens nas competições. Em Dezembro de 2018, com apenas 13 anos, foi a surfista mais nova no ISA World Adaptative Surfing Championship, a quarta edição da competição mundial de surf adaptado, que decorreu na Califórnia. Na altura, ganhou o bronze.
“A sensação de adrenalina que o surf me dá é uma das razões de gostar de competir”, disse a jovem ao PÚBLICO após a vitória deste sábado. “Isso e estar com outras pessoas cegas em água. Gosto de aprender as técnicas que usam, mas também de ensinar outras pessoas.”
Por norma, Marta treina três vezes por semana, embora nas últimas semanas antes do europeu tenha dobrado as sessões com o treinador. No começo, o surf “era só uma brincadeira”, um “desafio” dos instrutores do Surf Clube de Viana, que frequentavam o café da mãe. Mas Marta sempre gostou de desporto (antes do surf, praticava equitação e natação) e de se desafiar.
O mais difícil, diz, é apanhar as ondas. “O meu treinador só me pode dar indicações verbais. Não me pode guiar de outra forma. É com instruções que se torna os meus olhos no mar. Por vezes é difícil, porque por vezes há uma onda que surge muito depressa”, admitiu. “Temos de estar sincronizados. E para isso, o treinador tem de utilizar a linguagem certa, e saber quais são as melhores ondas para mim.”
Primeira competição do género na Europa
O primeiro-ministro, António Costa, usou o Twitter para felicitar a jovem pelos resultados recentes. “Parabéns à Marta Paço, a jovem atleta do Surf Clube de Viana, que hoje em Viana do Castelo conquistou o título de campeã da Europa de surf adaptado”, escreveu o líder socialista, que também elogiou organização do evento.
A competição europeia a decorrer esta semana nas praias de Viana do Castelo é a primeira do género na Europa e contou com a presença de seis selecções nacionais – Portugal, Espanha, Itália, França, País de Gales e Alemanha. Na competição entre equipas, a selecção lusa, com apenas quatro participantes, conquistou a medalha de bronze, atrás das selecções de Espanha e França. Além de Marta Paço, a equipa é composta por Nuno Vitorino, Camilo Abdula e Nuno Maltêz.
“Para a selecção portuguesa foi muito bom. Os atletas da selecção foram todos à final, apenar de Portugal ter uma equipa que era cerca de metade das outras”, resumiu ao PÚBLICO o presidente da Federação Portuguesa de Surf, João Aranha, que espera que este desporto – a que se refere como “parasurf” – se torne uma modalidade paralímpica oficial nos jogos de Paris em 2024. A Federação Internacional de Surf (ISA), que apoiou o evento desta semana em Viana do Castelo, apresentou uma candidatura em 2017.
“O grande objectivo agora é atrair mais pessoas para a modalidade”, disse João Aranha. “O interesse de Portugal por alojar o evento aumentou depois de os nossos atletas terem conseguido bons lugares lá fora que são muito motivados. Em particular a Marta Paço, que é muito jovem.”
Durante o evento, também Nuno Vitorino, 42 anos, conquistou uma medalha de ouro, desta vez na categoria AS5 Assist – atletas que surfam ondas em qualquer posição, mas estão dependentes de ajuda para remar e entrar na água. Já Camilo Abdula tornou-se vice-campeão europeu na classe AS1 (atletas que surfam as ondas de pé, geralmente com amputações nos membros superiores), e Nuno Maltêz conseguiu o quarto lugar na categoria de AS4 (surfistas que competem em posição de pronação, por norma, com paralisia nos membros superiores).
“O mais importante deste tipo de eventos é que mostram que o surf é um desporto para todos”, resume o director técnico do EuroSurf Adaptive 2019, Tiago Matos. “O mais difícil ainda é perceber as diferentes categorias e como se cria uma competição e se criam grupos homogéneos, com pessoas que têm diferentes tipos de capacidades. Mas é preciso lembrar que isto são atletas de alta competição.”
Para os atletas, o evento foi um sucesso. “Comecei o dia com o objectivo de ser campeão europeu. E acabei o dia como campeão europeu”, disse ao PÚBLICO Nuno Vitorino, campeão na categoria de AS5 Assist. Foi em 1995 que um acidente com uma arma de fogo o tornou tetraplégico. Para Vitorino, que foi atleta paralímpico de natação, o surf tornou-se “um modo de vida” em 2009. Atletas com deficiência “estão em pé de igualdade com outros surfistas” e as pessoas percebem que é preciso “respeitar a natureza em vez de a tentar dominar”, justifica.
Agora, para Vitorino, “o objectivo é terminar a carreira como campeão mundial”, antes de se reformar. Já para Marta Paço, a missão é “continuar a apanhar ondas e continuar a competir”.