Trump, “o Presidente mais transparente da História”, exige fim das investigações no Congresso
Presidente norte-americano abandona reunião com o Partido Democrata sobre o plano de infra-estruturas, depois de Nancy Pelosi o acusar de “encobrir” as investigações sobre a Rússia.
Se havia alguma coisa em que os mais optimistas ainda acreditavam em Washington, era que o Presidente Donald Trump e a maioria do Partido Democrata na Câmara dos Representantes podiam trabalhar em conjunto para renovarem a rede de estradas e caminhos-de-ferro dos EUA. Mas até essa ideia já se tornou uma piada entre os conselheiros dos dois lados – tal como tantas outras vezes nos últimos dois anos, esta semana devia ser a “semana das infra-estruturas” no Congresso e na Casa Branca.
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Se havia alguma coisa em que os mais optimistas ainda acreditavam em Washington, era que o Presidente Donald Trump e a maioria do Partido Democrata na Câmara dos Representantes podiam trabalhar em conjunto para renovarem a rede de estradas e caminhos-de-ferro dos EUA. Mas até essa ideia já se tornou uma piada entre os conselheiros dos dois lados – tal como tantas outras vezes nos últimos dois anos, esta semana devia ser a “semana das infra-estruturas” no Congresso e na Casa Branca.
Só que a mais recente “semana das infra-estruturas”, que deveria arrancar na manhã de quarta-feira, durou apenas três minutos.
Segundo o relato dos jornais norte-americanos, foi esse o tempo que os líderes do Partido Democrata no Congresso estiveram sentados na Sala Oval para falarem sobre estradas e caminhos-de-ferro – uma conversa que nem chegou a começar, porque o Presidente Trump bateu com a porta e desceu para os jardins da Casa Branca, onde falou durante 12 minutos sobre as investigações de que é alvo no Congresso.
Mas vamos por partes. O objectivo da reunião de quarta-feira entre o Presidente Trump e a presidente da Câmara dos Representantes, Nancy Pelosi, e o líder da minoria do Partido Democrata no Senado, Chuck Schumer, era a discussão do plano ambicioso e caro de renovação das infra-estruturas norte-americanas.
Tanto o Partido Republicano como o Partido Democrata concordam que é preciso renovar estradas e caminhos-de-ferro, mas não se entendem sobre a forma de pagar os dois biliões de dólares (1,8 biliões de euros) necessários. No Senado, muitos republicanos olham de lado para o risco de uma derrapagem orçamental, principalmente depois do enorme corte de impostos aprovado em 2017.
Por isso, a reunião de quarta-feira dificilmente teria resultados positivos – ainda que o Presidente Trump dissesse como se deveria financiar o plano, o seu Partido Republicano ainda tem uma palavra a dizer.
Mas a reunião de quarta-feira nem chegou a essa fase da discussão, segundo o relato do New York Times. Sem nunca se sentar e sem cumprimentar nenhum dos líderes do Partido Democrata, o Presidente Trump queixou-se das declarações dos seus convidados sobre as investigações do procurador especial Robert Mueller e disse que não iria falar mais sobre estradas e caminhos-de-ferro, enquanto estiver a ser investigado pelo Congresso.
“Investigações falsas”
Pouco depois, já nos jardins da Casa Branca, o Presidente norte-americano deu a sua versão sobre o que tinha acontecido na Sala Oval.
“Em vez de entrar para uma reunião alegremente, deparei-me com pessoas que tinham acabado de dizer que estou a encobrir [as acusações de obstrução da Justiça]. Eu não encubro nada”, disse Trump.
“Sou o Presidente mais transparente da História deste país”, afirmou Trump.
O Presidente dos EUA referia-se a uma declaração de Nancy Pelosi, cerca de uma hora antes, em que a líder da Câmara dos Representantes o acusou de “participar num encobrimento”. Pelosi tinha acabado de tentar acalmar os congressistas do seu partido que insistem no lançamento de um processo de impeachment contra o Presidente Trump.
“Entrei na sala e disse ao senador Schumer e à speaker Pelosi: ‘Quero aprovar o plano de infra-estruturas. Mais do que vocês. E seria muito bom nisso, porque é isso que eu faço. Mas sabem uma coisa? Não é possível fazer isto nestas circunstâncias. Por isso, acabem com essas investigações falsas’”, disse Trump aos jornalistas.
O ambiente entre a equipa da Casa Branca e os líderes do Partido Democrata é muito tenso. Assim que Trump saiu da Sala Oval, Pelosi fez um comentário que não agradou a Kellyanne Conway, a conselheira do Presidente. A troca de palavras entre as duas, revelada pelo New York Times, mostra em que pé estão as relações entre a Casa Branca e o Partido Democrata.
“Eu sabia que ele estava à procura de uma desculpa. Já esperávamos isto”, disse Pelosi, sugerindo que o Presidente norte-americano quis criar ruído por não saber como financiar o plano de infra-estruturas.
“Com todo o respeito, madam speaker. Tem alguma resposta directa para dar ao Presidente?”, perguntou Conway. Pelosi disse que só falava com o Presidente, e não com membros da equipa, ao que a conselheira da Casa Branca respondeu: “Muito bem. Isso é muito pró-mulher da sua parte.”
À saída, o líder da minoria do Partido Democrata no Senado disse que Trump planeou tudo o que aconteceu na reunião, para escapar à discussão sobre o plano de infra-estruturas. “Já havia investigações há três semanas, quando nos reunimos, e ainda assim ele recebeu-nos. Mas agora que tinha de dizer de que forma vai pagar isto teve de fugir. E arranjou esta desculpa”, disse Chuck Schumer.
Batalha nos tribunais
À espera do Presidente Trump nos jardins da Casa Branca estava um palanque com um cartaz – que Chuck Schumer garante ter sido posto antes da reunião e que diz ter visto por entre as cortinas fechadas da Sala Oval.
No cartaz liam-se cinco números sobre a investigação do procurador especial Robert Mueller: “+35 milhões de dólares gastos”; “+2800 intimações”; “675 dias”"; “+500 testemunhas”; “18 democratas furiosos”. Ao lado, a conclusão: “Não houve conluio, não houve obstrução.”
Segundo o Departamento de Justiça, a investigação custou cerca de 25 milhões de dólares, e metade desse valor teria de ser gasto com ou sem a nomeação de um procurador especial. E a equipa de Robert Mueller tinha 14 pessoas inscritas como eleitoras do Partido Democrata, mas Mueller é um conhecido republicano.
A mensagem do Presidente norte-americano era clara: a investigação foi exaustiva e muito cara para os contribuintes, e no final provou-se que Trump não conspirou com a Rússia nas eleições de 2016 e não tentou sabotar a investigação sobre essa suspeita.
Na verdade, o relatório do procurador Mueller não diz bem isso. Apresenta 11 situações em que qualquer outro responsável, que não o Presidente dos EUA, poderia ser acusado criminalmente de obstrução da Justiça; e diz claramente que “não exime” Trump dessa acusação, apesar de também não recomendar que o Presidente norte-americano seja levado a tribunal.
Como a política do Departamento de Justiça norte-americano diz que nenhum Presidente em exercício deve ser acusado criminalmente para responder perante um tribunal comum, as dúvidas de Robert Mueller também reflectem esse dilema – as 11 situações que revelou no relatório seriam suficientes para mudar uma política com raízes no Departamento de Justiça?
Ao não eximir o Presidente de obstrução da Justiça, o relatório foi recebido na Câmara dos Representantes, pela maioria do Partido Democrata, como uma peça fundamental para reforçar as suas próprias investigações, que não implicam a obtenção de provas como as que são exigidas num tribunal comum. Estão em curso várias, todas elas contestadas pela Casa Branca, e esta semana houve duas decisões judiciais que dão ainda mais alento ao Partido Democrata.
Na segunda-feira, um juiz federal do Distrito de Columbia decidiu que a empresa de contabilidade de Donald Trump tem mesmo de entregar ao Congresso os registos das suas actividades financeiras. E na quarta-feira, um outro juiz federal, de Manhattan, negou um pedido de Trump para que o Deutsche Bank fosse proibido de enviar ao Congresso os registos das suas contas bancárias.
A conclusão destes e de outros processos vai demorar meses ou anos a ser conhecida, mas os vários recursos que se seguem podem influenciar as eleições presidenciais de Novembro de 2020, em que Donald Trump procura ser reeleito.
Entre a maioria do Partido Democrata na Câmara dos Representantes há um grupo que está a pressionar a speaker, Nancy Pelosi, para abrir um processo de destituição, mas os responsáveis do partido querem avançar com cautela – mesmo que haja fortes indícios de obstrução da Justiça, uma parte do eleitorado, para além dos mais fervorosos apoiantes de Trump, pode ver nesse processo uma demonstração de mau perder e de mesquinhez por parte do Partido Democrata.