BCE alerta contra riscos para a independência do Banco de Portugal
Parecer de Mario Draghi critica proposta do Governo para a reforma do sistema de supervisão financeira, considerando que novas regras para exoneração do governador do Banco de Portugal podem pôr em causa estatuto de independência.
O Banco Central Europeu vê na proposta de reforma da supervisão financeira apresentada pelo Governo várias mudanças que poderiam enfraquecer o estatuto de independência do Banco de Portugal, nomeadamente no que diz respeito à forma como é escolhido e exonerado o governador e ao tipo de auditorias a que pode ficar sujeita a autoridade monetária nacional.
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O Banco Central Europeu vê na proposta de reforma da supervisão financeira apresentada pelo Governo várias mudanças que poderiam enfraquecer o estatuto de independência do Banco de Portugal, nomeadamente no que diz respeito à forma como é escolhido e exonerado o governador e ao tipo de auditorias a que pode ficar sujeita a autoridade monetária nacional.
No parecer agora emitido à proposta de revisão do sistema de supervisão financeira português – que o Governo já entregou na Assembleia da República – a entidade liderada por Mario Draghi repete muitas das críticas que já tinham sido feitas pelo próprio Banco de Portugal. E uma das áreas em que manifesta maior preocupação é a da independência do banco central português.
O BCE vê uma ameaça à independência do Banco de Portugal em várias das mudanças propostas pelo Governo. Entre elas está o facto de passar a estar previsto que um governo recém-nomeado tenha de confirmar a nomeação feita pelo executivo anterior, caso essa seja feita nos últimos seis meses de mandato. O BCE diz que uma não-confirmação da nomeação por parte do novo governo “produziria efeitos equivalentes à exoneração do governador com um fundamento diferente dos previstos no Artigo 14.º-2 dos Estatutos do Sistema Europeu de Bancos Centrais (SEBC)”.
O fundamento previsto nesses estatutos para a exoneração de um governador é apenas o de “deixar de preencher os requisitos necessários ao exercício das [suas funções], ou se tiver cometido falta grave”. Com a possibilidade de um governo recém-designado não confirmar a nomeação, “o desiderato de salvaguardar a liberdade do governador face a influência política deixaria de poder ser alcançado”, defende o BCE.
Relativamente à exoneração do governador, o parecer assinado por Mario Draghi revela ainda o seu desconforto com o facto de, na proposta do Governo, o Parlamento passar a poder desempenhar um papel. Está previsto na iniciativa do executivo que a Assembleia da República possa propor ao Conselho de Ministros a cessação do mandato, algo que o BCE, embora assumindo que é compatível com os estatutos do SEBC, considera poder “criar um nível suplementar de pressão política sobre o exercício das responsabilidades do governador”.
Outra preocupação expressa pelo BCE está no facto de o Governo prever na sua proposta que o Banco de Portugal passe a ficar sujeito ao regime de inspecção e auditoria dos serviços do Estado, nomeadamente a Inspecção-Geral de Finanças (IGF), excluindo apenas as questões relativas à participação do banco no desempenho de atribuições pertencentes ao SEBC.
No seu parecer, o BCE lembra que “a IGF é um serviço administrativo que funciona junto do Ministério das Finanças e que actua sob controlo hierárquico directo do ministro das Finanças ou do secretário de Estado competente” e que, por isso, “as inspecções e auditorias realizadas por um serviço desta natureza não seriam compatíveis” com as salvaguardas que o BCE considera indispensáveis para “preservar a independência do Banco de Portugal”.
Outros alertas feitos pelo BCE estão relacionados com os deveres de prestação de informações à Assembleia da República por parte do Banco de Portugal, para as quais são pedidas “salvaguardas adequadas para garantir que as obrigações em matéria de dever de segredo consagradas no direito da União são respeitadas”; e com o novo regime de responsabilidade dos trabalhadores e dirigentes do Banco de Portugal, que se considera poder afectar a “total liberdade para tomar medidas ou decisões de supervisão relativamente a bancos e grupos bancários sujeitos à sua supervisão”.
Repetindo aquilo que têm sido as críticas do Banco de Portugal à proposta do Governo, o BCE defende também que a obrigação de pagamento de contribuições à Autoridade da Concorrência por parte do Banco de Portugal “seria incompatível com a proibição de financiamento monetário” aos Estados existente nos tratados da zona euro. E considera que a entrega a novas entidades, como o Conselho Nacional de Supervisão Financeira ou a Autoridade de Resolução, de parte das competências até agora exercidas pelo Banco de Portugal nesta matéria cria problemas adicionais de coordenação e não é clara quanto às tarefas atribuídas a cada uma das instituições.
Em reacção ao parecer do BCE, o secretário de Estado Adjunto e das Finanças, Ricardo Mourinho Félix, afirmou, em declarações ao Jornal de Negócios, que as críticas do banco central “são acomodáveis” e “não põem em causa a estrutura da reforma”. O número dois das Finanças reconhece, no entanto, a existência de divergências e defende a posição do governo português em matérias como a da possibilidade da IGF poder fiscalizar a acção do Banco de Portugal. “O Banco de Portugal é uma pessoa colectiva de direito público e deve estar sujeito à actividade inspectiva. A IGF não é um serviço do Ministério das Finanças, é uma autoridade que faz inspecções sobre a boa utilização do dinheiro público”, disse.
A proposta do Governo foi entregue a 11 de Março passado no Parlamento, estando prevista a sua discussão em plenário no próximo dia 7 de Junho, descendo depois à especialidade.