Costa pediu, mas europeias nem sempre são referendo ao Governo

Podem as europeias ser um referendo aos governos? Pedro Magalhães e André Freire dizem que não há um padrão de resultados que o demonstre.

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Na apresentação dos candidatos do PS às eleições europeias, a 10 de Março, o secretário-geral socialista e primeiro-ministro, António Costa, estabeleceu uma fasquia eleitoral elevada. Pediu uma “votação maciça” no PS que permita a este partido ganhar “claramente as eleições” e que dê “força à acção do Governo”.

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Na apresentação dos candidatos do PS às eleições europeias, a 10 de Março, o secretário-geral socialista e primeiro-ministro, António Costa, estabeleceu uma fasquia eleitoral elevada. Pediu uma “votação maciça” no PS que permita a este partido ganhar “claramente as eleições” e que dê “força à acção do Governo”.

Com este apelo ao voto no PS, António Costa não fez mais do que assumir que olhava para o resultado das europeias como uma espécie de teste à sua governação, uma ideia de relegitimação do Governo que é complementada com o facto de os dois primeiros candidatos da lista socialista terem saído directamente do Governo: Pedro Marques, ex-ministro do Planeamento e das Infra-Estruturas; e Maria Manuel Leitão Marques, ex-ministra da Presidência e da Modernização Administrativa.

Mais: a tónica da aposta nas europeias como um referendo ao Governo foi ampliada com a ameaça de demissão do primeiro-ministro em cima do arranque da campanha eleitoral, por causa da coligação negativa formada no Parlamento a propósito do descongelamento integral das carreiras dos professores.

Mas será que faz sentido um primeiro-ministro apostar que o resultado de uma eleição para o Parlamento Europeu sufrague e legitime o seu Governo? O investigador André Freire, autor do estudo “Eleições de segunda ordem e ciclos eleitorais no Portugal democrático, 1975-2004”, publicado na Análise Social, em 2005, não é taxativo a considerar que tal teste seja possível.

“Espera-se que o PS tenha uma votação razoável nas europeias — quem sabe superior a 2014 [31,46%] — e também superior à das legislativas de 2015 [28,05%], em que ficou em segundo, depois da coligação Portugal à Frente”, afirma André Freire, argumentando que “o Governo é relativamente popular, está na fase final” da legislatura e “isso pode fazer com que não seja penalizado”.

Reconhecendo que “o PS e António Costa estão a querer referendar o Governo para ganharem élan para as legislativas”, André Freire sublinha que “os outros também querem ganhar protagonismo”, e as “sondagens dizem que o PSD está próximo”. O investigador adverte, porém, que, “como são eleições de segunda ordem, as pessoas são mais livres de votar com o coração e com menos cálculo”. Concluindo: “Não espero um reforço brutal, porque nas europeias as pessoas estão mais livres de constrangimento de tácticas. As europeias retiram premência ao voto útil, pois não está em causa a formação do Governo.”

Quanto ao peso que a crise política desencadeada pelo coligação negativa em torno do descongelamento integral das carreiras dos professores e a subsequente ameaça de demissão do primeiro-ministro podem ter no acto eleitoral, André Freire considera que “pode ser que tenha influência nalguns sectores do eleitorado, sobretudo se os agentes políticos dramatizarem” a questão, mas está convencido de que isso se verificará “mais nas legislativas, e não tanto nas europeias”.

Já o investigador Pedro Magalhães não aceitou pronunciar-se sobre o efeito que a crise da ameaça de demissão do primeiro-ministro pode provocar nas europeias. Este investigador considera, por outro lado, que “não é fácil tirar ilações directas dos resultados das europeias quanto à aprovação do Governo”, explicando que, “por um lado, é evidente que um clima positivo em termos de desempenho político e económico irá inevitavelmente reflectir-se num melhor (ou menos mau) resultado nas europeias”, já que “haverá menos descontentamento para canalizar através da votação noutros partidos ou mesmo na abstenção”.

No entanto, Pedro Magalhães também acredita que os estímulos “dos eleitores nas europeias são diferentes: não há tantos incentivos para o voto útil”. E conclui: “Eu diria mesmo que os apelos dos governos para o carácter decisivo e ‘referendário’ das europeias devem, de resto, ser interpretados como uma tentativa para contrariar precisamente essa tendência.”

No sentido de alertar para a especificidade das europeias, André Freire sublinha que elas “são consideradas eleições de segunda ordem, porque o poder executivo não está em jogo”. Isto é, “a formação da Comissão Europeia não depende directamente desta eleição e o Parlamento Europeu é um órgão com poderes limitados”, frisa o investigador, que acrescenta: “São vistas como eleições menos importantes, são menos participadas e os grandes partidos têm piores performances, enquanto os pequenos partidos têm resultados melhores. Os eleitores penalizam os governos, depende da popularidade e da fase do ciclo.”

Padrão “disperso”

Olhando concretamente para os resultados de anteriores europeias e legislativas, é perceptível que as eleições para o Parlamento Europeu não são indicativas de que o partido que está no Governo as vença e ganhe também as votações seguintes para a Assembleia da República — como pede agora o PS. Em sete europeias, apenas por três vezes os partidos no executivo as ganharam: António Guterres, a 13 de Junho de 1999; e Cavaco Silva, em 18 de Junho de 1989; e em 19 de Julho de 1987, ano em que se realizaram as primeiras eleições europeias em Portugal, que coincidiram no dia com as legislativas nas quais Cavaco obteve a sua primeira maioria absoluta. Já o melhor resultado do PS em europeias foi conseguido por António Costa como cabeça de lista, em 2004 (44,53%) — Eduardo Ferro Rodrigues era líder do partido.

Pedro Magalhães defende que a análise dos resultados das europeias como “indicação para resultados subsequentes nas legislativas” revela um “padrão histórico” que é “disperso”. E concretiza que “em 1991, em 2009 e em 2015, os partidos do Governo tiveram resultados nas legislativas muito mais positivos do que os obtidos nas europeias imediatamente anteriores, mas em 1999 e 2005 já não se passou assim”.

O investigador explica que “o PS mal superou o resultado das europeias nas legislativas de 1999 e que PSD e CDS, em conjunto, mal superaram nas legislativas de 2005 o resultado que tiveram em 2004 nas europeias”. E reforça o seu argumento, sublinhando que “não é fácil encontrar um padrão”, já que “em 1999 as duas eleições ocorreram muito próximas no tempo, mas em 2009 também, e 2015 foi um ano bom para a economia, mas 1999 também”.

Já comparando os resultados de europeias com os de anteriores legislativas, Pedro Magalhães lembra que “nas eleições europeias os partidos do Governo tendem a ter piores resultados do que nas legislativas imediatamente anteriores”. Ressalva, no entanto, “que em 1999 o PS teve nas europeias uma percentagem de votos (43,07%) quase idêntica à que teve nas legislativas de 1995 (43,76%)”, tendo obtido 44,06% nas legislativas de Outubro de 1999. E considera que “esse é um caso excepcional”. Como exemplos, Pedro Magalhães refere que “para o PSD em 1989 e 1994, para os partidos da coligação PSD-CDS em 2004 e 2014 e para o PS em 2009 as europeias comportaram perdas significativas, em pontos percentuais, em relação às legislativas anteriores”.

E conclui defendendo que “não surpreende que assim seja”, uma vez que “o que se julga na ciência política é que as eleições europeias são eleições em que os partidos grandes, em geral, e os partidos do Governo em particular, tendem a sofrer perdas, porque as europeias não elegem governos”. Logo, “são uma oportunidade para exprimir descontentamento sem consequências governativas e para votar ‘sinceramente’ — em partidos mais próximos das nossas preferências —, em vez de se optar pelo voto útil, o que comporta inevitavelmente punições para os grandes partidos”, advoga Pedro Magalhães, argumentando de forma idêntica ao defendido por André Freire.