O valor da biodiversidade
Biodiversidade pode referir-se a qualquer nível de variabilidade existente entre seres vivos, incluindo a diversidade genética dentro da mesma espécie, em espécies diferentes e ecossistemas.
Há 27 anos, as Nações Unidas propuseram 22 de Maio como Dia da Biodiversidade, para homenagear a data de aprovação do texto final da Convenção da Diversidade Biológica. Mas falar em diversidade da vida é demasiado lato: sobre que tipo ou sistemas vivos se pretende chamar a atenção? Como se expressa e qual o valor? Para muitos, biodiversidade e natureza são sinónimos. Paisagens com diferentes tons de verde e castanhos, salpicada de flores e algumas aves a sobrevoar transmitem um sentimento de beleza, subjectivo e pessoal, que apenas se interioriza quando desaparece ou se modifica.
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Há 27 anos, as Nações Unidas propuseram 22 de Maio como Dia da Biodiversidade, para homenagear a data de aprovação do texto final da Convenção da Diversidade Biológica. Mas falar em diversidade da vida é demasiado lato: sobre que tipo ou sistemas vivos se pretende chamar a atenção? Como se expressa e qual o valor? Para muitos, biodiversidade e natureza são sinónimos. Paisagens com diferentes tons de verde e castanhos, salpicada de flores e algumas aves a sobrevoar transmitem um sentimento de beleza, subjectivo e pessoal, que apenas se interioriza quando desaparece ou se modifica.
Mas afinal o que é a biodiversidade e por que é tão importante? Biodiversidade pode referir-se a qualquer nível de variabilidade existente entre seres vivos, incluindo a diversidade genética dentro da mesma espécie, em espécies diferentes e ecossistemas. Ou seja, não basta termos uma monocultura, herbácea ou florestal, para maximizar a produção onde não há diversidade genética, para termos biodiversidade. Pelo contrário, este “tipo” de diversidade pode implicar o aparecimento de pragas ou doenças ficando a produção globalmente afectada. O mesmo se passa com ecossistemas idênticos e contíguos. Não existindo variabilidade, a capacidade de resistência é praticamente nula. E isto explica o alastramento de incêndios porque as paisagens continuamente uniformes são ecossistemas de produção pouco complexos e/ou altamente explorados pelo homem. Surgem as tais “catástrofes” que requerem ajuda imediata.
Quando há diversidade genética dentro de espécies, em espécies e ecossistemas diferentes, a biodiversidade aumenta e a sua capacidade de resiliência a fogos e tempestades é maior. Nos ecossistemas naturais estabelece-se uma teia de dependências complexas que as torna intimamente ligadas e resilientes. São estes sistemas, que para além do alimento e da fibra, providenciam a regulação hídrica, a reciclagem de nutrientes, a purificação do ar, a regulação térmica, e ainda o lazer e deleite cultural. Serviços de que o homem tira partido sem nada dar em troca. Em áreas de reserva natural, mesmo que confiram um equilíbrio global e sustentável, se não são rentáveis, como podem ser garante da qualidade de vida?
Infelizmente, o homem só entende e respeita o que lhe possa dar benefícios e, por isso, dificilmente é entendível que o ecossistema natural preste um serviço que é de todos e para todos, sem trabalho humano. A compreensão dos serviços do ecossistema requer um conhecimento holístico interdisciplinar em ecologia. A vantagem dos ecólogos, em detrimento de outros investigadores, é o de saberem usar indicadores biológicos, para “ler” o estado de conservação dos ecossistemas como medida de prevenção e posterior intervenção. Esse conhecimento é, ainda, pouco apreciado e nada valorizado.
Antes que a biodiversidade do território se torne mais uniforme, é tempo de ler criteriosamente o relatório da Plataforma Intergovernamental de Biodiversidade e Serviços dos Ecossistemas (IPBES) saído em Maio da reunião de Bruxelas. Após anos de análise, o relatório é unânime em confirmar o elevado declínio de biodiversidade. No entanto, o nosso dia-a-dia não é afectado, nem a nível pessoal nem social, como no caso das alterações climáticas. Quer isto dizer que a biodiversidade se pode perder perante a passividade quase generalizada da população e a indiferença dos políticos. Do ponto de vista estratégico, o importante é reduzir a emissão dos gases com efeito de estufa, porque são eles os causadores de todas as catástrofes. Ainda não se entendeu que a “alteração climática” poderia não ser tão dramática se não tivesse havido a delapidação dos ecossistemas florestais e a sobreexploração dos habitats marinhos e terrestres. Um dos efeitos da integridade dos ecossistemas é servir de tampão às alterações externas.
Sem pretender retirar o mérito das presentes medidas legislativas para cumprir o Acordo de Paris, não deixa de ser estranha a perseguição aos parques automóveis, quando há isenção ao fuel da aviação e incentivo ao aumento da emissão de gases com a aposta no aumento da área aeroportuária. Nesta altura, a nível mundial, já se pondera restringir o transporte aéreo, mas em Portugal pretende-se aumentar e à custa de uma zona sensível para a biodiversidade.
Também, nas faldas das serras a norte do Tejo, onde há concentração de lítio, foi já concessionada a exploração do denominado “ouro branco” que trará (?) riqueza económica. Depois da informação de que grande parte desses territórios são os mais pobres e desabitados do país, como se pode argumentar e defender a conservação da biodiversidade, com investimentos oportunos, da era moderna, para satisfazer os mercados da nova tecnologia? Há ainda o caso da implantação do projecto do porto espacial na ilha de Santa Maria. Depois da base das Lajes, surge agora uma nova exploração de grande envergadura de que pouco se tem falado. Todos estes exemplos incentivam a emissão de gases com efeito de estufa, contraditórios à política climática. Os custos-benefícios ecológico-económico foram suficientemente estudados? Como ficarão afectados os ecossistemas com a poluição consequente? Em nome do desenvolvimento económico, a perda da biodiversidade é, apenas, um problema secundário.
Enquanto as alterações climáticas arrastam problemas sociais de efeitos globais, a perda de biodiversidade ainda é encarada com pouco interesse político. Depois do relatório do IBPES e das Nações Unidas terem declarado a nova década para o restauro ecológico, Portugal poderia assumir um protagonismo global ao canalizar alguns fundos estruturais europeus para incentivar a conservação da biodiversidade, de forma coerente e com bases científicas. Seria uma oportunidade diferente de preparar o futuro, contribuir com a criação de emprego especializado e estabelecer isenções fiscais a proprietários que pretendessem conservar a biodiversidade ou mesmo contribuir para o seu restauro. É especialmente necessário investir nas bases sociais que impeçam a degradação dos ecossistemas e a poluição ambiental. E isso é saber ler a natureza e ensinar a valorizar a biodiversidade.