Descoberto plano para manipular a democracia em Portugal
Ao fazer compras online ou ao pôr um “like” no Facebook, expomos a nossa identidade e privacidade a uma reserva gigantesca de dados. Sim, há aí um enorme potencial para a humanidade. Mas há também uma série de ameaças para as quais temos de estar atentos. Oitavo de uma série de dez textos sobre os riscos da “revolução digital”.
Este título podia remeter para uma notícia verdadeira, mas não é o caso. Foi fabricado apenas para demonstrar como se pode facilmente manipular a informação com o objectivo de conseguir mais visualizações e reacções (as minhas desculpas aos leitores!). A manipulação pode ser feita com base em factos verdadeiros ou pode ser totalmente fabricada, mas, uma vez lançados nas redes sociais, os conteúdos ganham vida própria e influenciam percepções e contextos offline.
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Este título podia remeter para uma notícia verdadeira, mas não é o caso. Foi fabricado apenas para demonstrar como se pode facilmente manipular a informação com o objectivo de conseguir mais visualizações e reacções (as minhas desculpas aos leitores!). A manipulação pode ser feita com base em factos verdadeiros ou pode ser totalmente fabricada, mas, uma vez lançados nas redes sociais, os conteúdos ganham vida própria e influenciam percepções e contextos offline.
Os novos media digitais simbolizam abertura, permitem aproximar e mobilizar pessoas, divulgar ideias e promover pluralidade nos debates. Mas existe também a outra face da moeda e, se dúvidas ainda persistissem sobre o seu impacto negativo na democracia, os mais recentes acontecimentos contribuiriam certamente para as dissipar. O ambiente online, que é amplamente definido por algoritmos criados por empresas como o Facebook e Google, está a transformar os comportamentos sociais e políticos. Apesar de não terem sido eleitos, Mark Zuckerberg (Facebook) e Larry Page (Google, Alphabet) estão actualmente entre as pessoas que mais poder têm no mundo. E entre o que mais tem proliferado com a utilização dos novos meios de comunicação está o extremismo. Os media online têm estado no centro do debate sobre eleições de populistas, campanhas de ódio ou ataques terroristas, levando a cada vez mais pressão para controlar (e censurar) o conteúdo na Internet.
São vários os “novos” desafios à democracia, entre eles: a criação de “bolhas”, que isolam os cidadãos numa realidade em que só lhes é dito aquilo que querem ouvir, a partilha de notícias falsas, e os problemas que isto coloca à liberdade de expressão.
As novas tecnologias vieram aperfeiçoar os instrumentos que permitem segmentar os utilizadores/eleitores e direccionar-lhes mensagens específicas. E se a lógica destas técnicas não é nova, uma vez que a aplicação de técnicas de mercado à democracia já é feita pelo menos desde a década 1930, a rapidez e precisão aumentaram exponencialmente. Algoritmos permitem agora recolher e analisar quantidades imensas de dados pessoais que cada utilizador produz através das suas pesquisas na Internet, das suas compras online, dos seus telemóveis e dos seus perfis nas redes sociais.
Pensemos numa qualquer campanha política. O seu sucesso passa pela capacidade que os candidatos têm de interagir com os eleitores e para isso sempre precisaram de informação. Mas se antes as mensagens eram mais genéricas, para agradar a “gregos e a troianos”, agora é possível agrupar os eleitores de acordo com critérios específicos (localização, sexo, interesses e comportamentos, etc.), o que permite enviar mensagens altamente personalizadas com base nos seus perfis. Estes programas de inteligência artificial conseguem mesmo prever características mais sensíveis, como a religião, e ajudar a desenhar mensagens que podem ser diferentes para si e para a pessoa que está ao seu lado, sem que ninguém se aperceba. Naturalmente, estes dados pessoais dos utilizadores podem ser utilizados para vários fins, incluindo para influenciar as suas percepções políticas, com efeitos nos resultados das eleições.
E se, idealmente, a informação sobre os factos seria uma base neutra, fundamental para resolver debates políticos, algo que permitiria sustentar acordos, agora é, mais que nunca, uma mercadoria, sujeita às regras de mercado, cuja livre manipulação é considerada ”normal” na disputa pelo poder. Organizações com menos escrúpulos podem criar informação falsa (as chamadas “fake news”) e enviá-las apenas aos eleitores mais susceptíveis. Isto não faz parte de um futuro distante, é o presente.
O que nos coloca perante outra questão fundamental: a dos limites à liberdade de expressão. As redes sociais e sua utilização foram apresentadas como uma ferramenta com enorme potencial de democratização e de participação política (recordemos os eventos que ficaram conhecidos como a Primavera Árabe) e têm certamente permitido que mais pessoas comuniquem em países totalitários ou com regimes muito controladores. No entanto, a utilização que tem sido feita dos meios online em eventos recentes, como os ataques terroristas em Christchurch, Nova Zelândia, em Março de 2019, ou no Sri Lanka cerca de um mês depois, levaram a pedidos de censura da informação e de limites à circulação de informação, práticas até agora próprias de governos autoritários. O Governo do Sri Lanka justificou o bloqueio das redes sociais após os ataques terroristas para evitar a propagação de notícias falsas que pudessem causar o pânico entre a população ou incitar ao ódio contra grupos específicos de uma sociedade, que é multicultural. E após o ataque em Christchurch que foi transmitido em directo, a primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinda Ardern, tornou-se uma das mais fervorosas defensoras da censura nas redes sociais, com o objectivo de eliminar os conteúdos relacionados com extremismos e terrorismo que circulam nestas redes.
A decisão do Facebook de apagar páginas e perfis de extrema-direita antes das eleições de Espanha (Abril de 2019) e das eleições europeias (já no próximo domingo) e a do Twitter de fornecer uma ferramenta para os utilizadores poderem denunciar informação falsa relacionada com as eleições demonstram não só como estas estratégias estão a ser postas em prática, como são, em muitos casos, bem-sucedidas. Ainda assim, o Facebook, cujas políticas têm motivado muitas críticas ultimamente, anunciou que não fechava estas páginas devido ao seu conteúdo, mas sim pelos indícios de se tratar de violações da política de autenticidade (ou seja, de serem páginas e contas falsas eventualmente actualizadas por software automático, bots, e não por utilizadores reais). Falsidade e extremismos parecem caminhar lado a lado nas redes sociais.
Deve então a manutenção do princípio de uma Internet completamente livre e aberta sobrepor-se à prevenção de extremismo e falsidade? O debate que tem de ser feito não se deve centrar apenas nos limites à liberdade de expressão, mas deve incluir também a responsabilidade das plataformas online e redes sociais na partilha de conteúdo falso ou de natureza extremista. As redes sociais não são os media tradicionais, que podem ser responsabilizados pelo que publicam, nem operadores neutros, como as redes de telecomunicações. Têm como modelo de negócio a monetização dos dados dos seus utilizadores e essa informação está a ser utilizada em campanhas com fins diversos, para influenciar comportamentos, incluindo eleitorais.
Se historicamente os media tradicionais têm operado na distinção entre o interesse do público (para aumentar as audiências e, logo, as receitas) e o interesse público, que inclui a defesa dos valores democráticos, para as empresas da Internet esta visão dos conteúdos a publicar está completamente ultrapassada: o seu modelo de negócio assenta em promover o que provoca mais receitas, geradas por mais visitas e clicks, promovidas por mais reacções. Isto cria uma espiral de afastamento, um efeito centrífugo nas opiniões, afastando-as do centro para os extremos, porque é precisamente aí que estão as emoções.
A sociedade pode exigir a responsabilização destas plataformas mas, para isso, é fundamental que os cidadãos e eleitores estejam informados e que assumam a sua responsabilidade na divulgação de conteúdos falsos. Para além das contas falsas e bots, os cidadãos também partilham “fake news”, logo cada um de nós tem de se perguntar se pensa na veracidade e no impacto daquilo que decide partilhar online. Existem cada vez mais serviços de identificação de notícias falsas, como o snopes.com e, mais recentemente em Portugal, o Polígrafo. Mas campanhas como a “Pro-Truth Pledge” alertam que só uma sociedade mais atenta, informada e comprometida com a verdade pode colocar travões à epidemia de notícias falsas. Plataformas que promovem o debate aberto e inclusivo podem ajudar a contrariar a radicalização e a polarização. Estes espaços virtuais também podem facilitar a identificação de notícias falsas, reforçando o combate à desinformação nas eleições futuras. Fora dos ciclos eleitorais, a participação democrática dos cidadãos pode ser potenciada pela dinâmica das redes sociais. Precisamos, contudo, de legislação adaptada à nova realidade que proteja a democracia. Mas também passa por nós: não nos deixemos manipular, nem manipular a nossa democracia.