Zelensky dissolve Parlamento ucraniano e começa a lutar contra o sistema

A decisão do novo Presidente gera muitas dúvidas acerca da sua constitucionalidade e não é certo que consiga levar à convocação de eleições antecipadas, que seriam cruciais para o novo governante.

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Volodimir Zelenskii tomou posse esta segunda-feira MYKHAILO MARKIV/ PPS HANDOUT / EPA

Numa das cenas mais memoráveis da série televisiva que o catapultou para uma candidatura vitoriosa à presidência da Ucrânia, Volodimir Zelensky, que interpretava o papel de chefe de Estado, está frente a frente com os deputados. Em poucos segundos, tira a metralhadora a um dos seus guarda-costas e atira sobre os parlamentares. Na vida real, a luta do novo Presidente ucraniano contra a classe política estabelecida promete ser um pouco mais complexa e menos espectacular.

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Numa das cenas mais memoráveis da série televisiva que o catapultou para uma candidatura vitoriosa à presidência da Ucrânia, Volodimir Zelensky, que interpretava o papel de chefe de Estado, está frente a frente com os deputados. Em poucos segundos, tira a metralhadora a um dos seus guarda-costas e atira sobre os parlamentares. Na vida real, a luta do novo Presidente ucraniano contra a classe política estabelecida promete ser um pouco mais complexa e menos espectacular.

Zelensky inaugurou o seu mandato com estrondo. Durante o discurso de tomada de posse, esta segunda-feira de manhã, anunciou a intenção de dissolver o Parlamento e convocar legislativas antecipadas. A decisão não causou surpresa e tem dois propósitos. Por um lado, Zelensky, sem passado político, não tem qualquer aliado no Parlamento e não iria conseguir trabalhar com a actual composição da Rada Suprema; por outro lado, antecipar para o Verão as eleições inicialmente marcadas para Outubro iria permitir um bom resultado para o partido recém-criado do Presidente.

As sondagens atribuem ao Servo do Povo, o partido que fundou, entre 25% e 39% das intenções de voto, o que iria garantir a Zelensky uma maioria estável para governar, caso as eleições fossem disputadas em breve. Para além da dissolução do Parlamento, Zelensky pediu a demissão dos detentores de postos-chave no aparelho jurídico e securitário do país, como o chefe dos Serviços de Segurança, o procurador-geral e o ministro da Defesa.

No seu discurso, Zelensky disse que o fim do conflito com os rebeldes pró-Moscovo que há cinco anos ocupam parte do Donbass é a prioridade inicial do seu mandato. A sua intervenção foi iniciada em ucraniano, mas quando se referiu ao conflito começou a falar em russo, defendendo a necessidade de um diálogo. “Estou convencido que para este diálogo começar temos de ver o regresso de todos os prisioneiros ucranianos”, afirmou Zelensky, numa mensagem aparentemente dirigida ao Governo russo.

O novo Presidente garantiu não ter receio de tomar “decisões difíceis” e disse estar preparado para “dar tudo o que for preciso” para que o conflito termine. “Se houver essa necessidade, estou preparado para abdicar do meu próprio cargo, desde que a paz seja alcançada, mas sem abrir mão do nosso território. Nunca”, declarou.

“Guerra jurídica”

Porém, a dissolução do Parlamento ucraniano gera muitas dúvidas e é provável que abra uma “guerra jurídica” que pode tornar os primeiros tempos da presidência de Zelensky particularmente difíceis, como explicou ao PÚBLICO a jornalista Tetiana Ogarkova, do canal independente Hromadske. Antecipando a possibilidade de o novo chefe de Estado tentar forçar eleições antecipadas assim que tomasse posse, o partido Frente Popular, do ex-primeiro-ministro Arsenii Iatseniuk, e aliado do ex-Presidente Petro Poroshenko, anunciou o seu abandono da coligação parlamentar de apoio ao Governo, ditando o colapso efectivo da maioria.

Os deputados dos principais partidos “estão a tentar ganhar tempo”, disse Ogarkova. À luz da Constituição, o fim da coligação abre um período de 30 dias durante o qual os partidos podem entrar em negociações para tentar formar uma nova maioria e que impede o Presidente de declarar a sua dissolução. Se até 27 de Maio a dissolução não se concretizar, as eleições irão manter-se a 27 de Outubro, a data inicialmente prevista.

“Zelensky sabe que o tempo está contra si”, afirmou a jornalista, que observou que o Servo do Povo está totalmente dependente da popularidade do Presidente, não tendo apresentado ainda qualquer programa ou candidato. “Zelensky precisa de apresentar resultados rapidamente, caso contrário a sua fantástica popularidade perde-se”, disse Ogarkova.

Mesmo que as eleições sejam disputadas apenas em Outubro, o partido de Zelensky deverá conseguir garantir representação na Rada Suprema, embora menor do que aquilo que alcançaria mais cedo. Para além disso, a manutenção da data das legislativas não deixará de ser encarada como uma primeira derrota do comediante eleito para lutar contra o sistema político ucraniano. “Se não conseguir antecipar as eleições, as pessoas irão vê-lo como um presidente fraco”, sublinhou a jornalista.