Os bichos são família? “É como se empalhássemos os animais domésticos”
Nos meios urbanos as pessoas entendem cada vez com mais frequência que os bichos pertencem à sua família, com todos os perigos que isso implica, assinala aquele que é considerado o papa dos direitos dos animais em Portugal.
E se os animais domésticos começassem a ser libertados aos poucos das casas onde moram? E se os donos abdicassem de uma vez por todas da sua companhia, e nunca voltassem a adoptar mais um destes companheiros quando o seu bicho morresse? Controversa, a ideia tem como um dos seus defensores aquele que é considerado o papa dos direitos dos animais em Portugal, o professor da Faculdade de Direito de Lisboa Fernando Araújo.
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E se os animais domésticos começassem a ser libertados aos poucos das casas onde moram? E se os donos abdicassem de uma vez por todas da sua companhia, e nunca voltassem a adoptar mais um destes companheiros quando o seu bicho morresse? Controversa, a ideia tem como um dos seus defensores aquele que é considerado o papa dos direitos dos animais em Portugal, o professor da Faculdade de Direito de Lisboa Fernando Araújo.
Por oposição às correntes criacionistas que postulam a humanização dos animais domésticos, abolicionistas como este docente entendem não ser aceitável privar os chamados irracionais de direitos básicos como a liberdade ou a sexualidade para que possam dar prazer aos seres humanos. “É quase como se os empalhássemos em vida. Como se fossem bonecos”, critica. “Mas nós abolimos a escravatura há muito tempo.”
A Fernando Araújo, que falava à margem do I Congresso Nacional de Direito Animal, que termina esta sexta-feira Cascais, horrorizam menos as consequências de uma libertação maciça de animais de companhia - que teria de ser gradual, admite, até por razões sanitárias - do que a actual situação.
“Nos meios urbanos as pessoas entendem cada vez com mais frequência que os animais não humanos pertencem às famílias humanas – com todos os perigos que isso implica para os animais. Chamam-lhes filhos para depois dizerem, com toda a naturalidade, ‘os filhos que eu mandei castrar’”, nota. É a abolição das fronteiras da espécie – caminho que o jurista entende não poder ser trilhado à custa da subalternização daqueles a que muitos donos conferem o estatuto de eternas crianças: “Castram-nos e desnaturam-nos, para que não se emancipem.” Mas à solta não morreriam? Muitos deles sim, admite. Mas essa é a lei da natureza: os mais aptos sobreviveriam.
Fernando Araújo entende já ser possível proibir touradas caso a caso com a actual legislação. “Não podemos ser hipócritas, a lei já permite proibir o uso de touros nessas situações, uma vez que não permite que o seu proprietário maltrate o animal. Só falta um juiz dizê-lo”, explica. Mas para que o diga é preciso que lhe chegue uma queixa – seja de uma associação de defesa dos animais seja mesmo do Ministério Público, possibilidade que o professor de Direito também não põe de lado.
Mas, nesse caso, não teria o juiz de sopesar também as tradições tauromáquicas da localidade onde lhe fosse pedido que decretasse a proibição da corrida? O especialista assegura que não: afirma que o Código Civil, que é o instrumento legal que na sua opinião já permite abolir estes espectáculos caso a caso, não está condicionado pelas tradições.
Presentes também no congresso, vários veterinários municipais queixaram-se de serem confrontados com frequência com casos de bichos que ficaram órfãos porque o dono idoso morreu e os filhos recusam adoptá-los. Queriam saber se não lhes podem impor esta herança, uma vez que a maioria dos canis das autarquias estão a rebentar pelas costuras.
É verdade que os animais integram o património da herança, responderam os especialistas – mas em última instância, se ninguém os reclamar, quem deles fica herdeiro é o Estado.