Operação Cavaleiro: o pedido de julgamento, a acusação de homofobia e o tapete mistério
O Ministério Público e a Presidência da República querem que no dia 19 de Junho o tribunal decida que Diogo Gaspar vai ser julgado pelos 42 crimes de que é acusado. A primeira sessão do debate instrutório ficou marcada por uma acusação que deixou o procurador “perplexo”.
O debate instrutório do processo da Operação Cavaleiro ficou marcado ontem pelo facto de o Ministério Público (MP) e de a Secretaria-Geral da Presidência da República, assistente no processo, terem de se defender de uma acusação de homofobia. Antes disso, já o MP tinha considerado que o ex-director do Museu da Presidência da República Diogo Gaspar deve ser julgado pelos 42 crimes de que está acusado.
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O debate instrutório do processo da Operação Cavaleiro ficou marcado ontem pelo facto de o Ministério Público (MP) e de a Secretaria-Geral da Presidência da República, assistente no processo, terem de se defender de uma acusação de homofobia. Antes disso, já o MP tinha considerado que o ex-director do Museu da Presidência da República Diogo Gaspar deve ser julgado pelos 42 crimes de que está acusado.
Foi Raul Soares da Veiga, advogado de Diogo Gaspar, que ao fazer algumas considerações sobre as viagens e estadas em hotéis disse que a acusação espelhava “um preconceito discriminatório homofóbico”.
Este comentário teve uma réplica do procurador que disse estar absolutamente perplexo com tal acusação. “Estamos perante crimes económico-financeiros, não é pertinente nem relevante a sexualidade do arguido”, disse o procurador, que voltou a afirmar que entendia que o tribunal devia pronunciar todos os arguidos. Além de Diogo Gaspar, o MP acusou Paulo Jorge Duarte, José Lourenço Dias e Vítor Luís Santos, amigos do ex-director do Museu da Presidência da República e donos de empresas.
Também a advogada da Secretaria-Geral da Presidência se defendeu e refutou a acusação de homofobia.
Os arguidos estão acusados de abuso de poder, participação económica em negócio, tráfico de influência, falsificação de documento, peculato e branqueamento de capitais.
Segundo o Ministério Público, Diogo Gaspar utilizou de facto a sua posição, funções e atribuições para obter vantagens patrimoniais e não patrimoniais indevidas, em seu benefício e de terceiros. Para o MP, violou vários deveres inerentes a um funcionário público, agindo por interesse próprio e não acautelando os interesses do Estado, transgredindo os seus deveres de isenção e de persecução de legalidade. Beneficiou as empresas dos amigos em negócios com o Museu da Presidência tendo, ele próprio, beneficiado financeiramente .
No mesmo sentido foi a advogada que representa a Secretaria-Geral da Presidência da República. Relembrou que o arguido vem acusado de 42 crimes e que não conseguiu pôr em causa a investigação. “Entendemos que acusação veio mais do que confirmada”, referiu a advogada, para quem Diogo Gaspar “criou uma teia, uma rede, para tirar proveitos, de mais de dois milhões de euros”, e não protegeu o interesse público de diverso património cultural. Além de favorecer empresas de amigos em negócios, o Ministério Público acusa ainda Diogo Gaspar de elaborar uma lista de peças de mobiliário do Palácio da Cidadela de Cascais [onde se encontra parte do espólio da Presidência da República] que classificava “como alienáveis, a abater, invocando o seu estado de degradação ou falta de valor”, para depois, através de empresas criadas para o efeito com cúmplices seus, as “adquirir para si”. Terá feito isto com, pelo menos, “178 peças de mobiliário, por valor inferior ao de mercado”.
Em buscas realizadas no Verão de 2016, a Polícia Judiciária apreendeu, em casa de Diogo Gaspar e de amigos seus, móveis antigos e outros objectos que a acusação diz que pertenciam ao espólio do Museu da Presidência.
Quando usou da palavra, Raul Soares da Veiga, advogado do ex-director do Museu da Presidência da República, realçou o facto de o processo ter começado com uma denúncia anónima feita com argumentos jurídicos que parecia até ter sido feita por advogados. “Era uma alegação”, refere, sublinhando que o processo se tornou um escândalo mediático porque passou a seguinte ideia: “O Museu da Presidência foi roubado.”
Destacou o facto de terem sido feitas buscas nas casas de Diogo Gaspar e da família e que os investigadores não olharam a meios, tendo levado tudo e etiquetado tudo. Mas, depois, não se sabia de onde faltavam aqueles bens.
O advogado diz que toda a investigação foi no sentido de tentar encontrar crimes para justificar os bens que estavam nas casas de Gaspar e da família. “Quando ficaram com as mãos cheias de nada, tiveram de ir à procura de alguma coisa”, refere, acrescentando que ninguém foi ver a Lei-Quadro dos Museus. Segundo Raul Soares da Veiga, a lei explica quando há obrigação de fazer inventários e o que é o apoio ao património cultural. “Muitos dos 42 crimes são duplicações e triplicações da mesma coisa”, sublinhando que houve situações de negócios privados, nos quais o Estado não tem nada que ver.
“Muitos destes factos, quando muito, são irregularidades administrativas hiperbolizadas”, disse o advogado, que começou a sua intervenção referindo que o procurador que pediu que a juíza levasse Diogo Gaspar a julgamento não assistiu à fase de instrução, tendo ficado com o processo na sequência da licença de maternidade da anterior procuradora.
O advogado de Diogo Gaspar diz mesmo que não há provas de que os bens que estavam na casa do ex-funcionário da Presidência foram retiradas do Museu da Presidência da República ou da Secretaria-Geral da Presidência da República. Segundo o advogado, um dos exemplos é um tapete. “Ninguém sabe onde falta. Não há provas de que falte um tapete nem na Secretaria-Geral da República nem no museu”, disse.
No fim da sua intervenção, Raul Soares da Veiga salientou que Diogo Gaspar fez tudo do zero: criou um museu. “Não conheço ninguém que tenha ido buscar a baixela à sua própria casa para meter ao serviço do Estado. Tomara o país estar cheio de Diogos Gaspar, que o que fez foi emprestar bens.”
Diz que o que fez foi, quando muito, pisar algumas regras regulamentares.
No caso dos outros arguidos, para o MP as provas documentais e testemunhais revelam “uma conjugação de vontades no sentido da participação de Vítor Santos para a aquisição de espólio de bens móveis do Palácio da Cidadela”, em Cascais. No caso de José Dias, o procurador diz ter sido provado que o ex-director do Museu da Presidência “permitiu que o amigo recebesse dividendos monetários e que o próprio Diogo Gaspar tirou benefícios para si próprio”. A decisão final foi marcada para 19 de Junho.