Espera para consultas e cirurgias. “A expectativa é que os tempos se deteriorem”

Presidente da Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares fala sobre o agravamento dos tempos de espera para consultas e cirurgias nos primeiros cinco meses de 2018. Alexandre Lourenço admite que os resultados possam ser ainda piores quando for conhecido o relatório do final de 2018.

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Daniel Rocha

Numa entrevista conjunta do PÚBLICO e da Rádio Renascença, que vai esta quinta-feira para o ar às 13h, o presidente da Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares admite que os tempos de espera para cirurgias e consultas nos hospitais no final de 2018 sejam piores que os resultados já demonstrados pelo relatório da Entidade Reguladora da Saúde. Alexandre Lourenço critica a actual política financeira da Saúde “está a levar a um desperdício grande no sector”. 

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Numa entrevista conjunta do PÚBLICO e da Rádio Renascença, que vai esta quinta-feira para o ar às 13h, o presidente da Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares admite que os tempos de espera para cirurgias e consultas nos hospitais no final de 2018 sejam piores que os resultados já demonstrados pelo relatório da Entidade Reguladora da Saúde. Alexandre Lourenço critica a actual política financeira da Saúde “está a levar a um desperdício grande no sector”. 

Um relatório desta semana, da Entidade Reguladora da Saúde (ERS), diz que os tempos de espera para cirurgias programadas e para consultas nos hospitais agravaram-se nos primeiros cinco meses do ano passado. Como é que explica isto?
Antes de mais, este é um relatório parcial que só representa cinco meses. Creio que devemos aguardar com algum cuidado o relatório do acesso do final do ano de 2018, que será apresentado pelo Ministério da Saúde à Assembleia da República. A expectativa é que os tempos se deteriorem, até porque existiram outros efeitos para além destes cinco meses. Nomeadamente, a redução do horário de trabalho das 40 para as 35 horas nos contratos individuais de trabalho e a greve no final do ano que terá cancelado cerca de 7000, 8000 cirurgias.

Espera que os tempos ainda sejam mais atrasados do que mostra este relatório parcelar?
Exactamente. Pelo menos em relação a 2017, a expectativa é que os tempos se deteriorem por todos estes efeitos no Serviço Nacional de Saúde (SNS).

Há aqui um efeito também da redução dos tempos máximos de resposta garantidos nas prioridades normais. O grupo de trabalho independente, criado pelo Ministério da Saúde quando saiu o relatório do Tribunal de Contas sobre os tempos de espera, fazia essa referência: que houve uma redução dos tempos que foi administrativa, sem critérios clínicos. Partilha dessa opinião?
Esta redução é iminentemente administrativa e tem efeitos práticos na emissão de vales-cirurgia, que vai permitir que a partir do momento em que 75% do tempo é ultrapassado, os doentes possam recorrer ao sector convencionado.

Que sabemos que muitos não são usados.
Muitos não são usados porque os doentes têm confiança nos seus médicos e querem ser operados nessas instituições. A questão do acesso deve ter uma política integrada, que não se coaduna com medidas pontuais. E isso passa necessariamente por existir algum planeamento da gestão de serviços. Nomeadamente num problema grave que actualmente existe no SNS, que é a limitação do número de anestesiologistas. Além disso, este relatório da ERS também nos dá um ponto muito interessante, que é o de os tempos de acesso a cirurgia serem mais problemáticos em hospitais periféricos. O que é que quer dizer? Que na prática estamos a oferecer alguns serviços em alguns hospitais mais periféricos que não têm capacidade de resposta.

Esteve entre 2011 e Setembro de 2014 como vogal da Administração Central do Sistema de Saúde — que é a entidade que gere os tempos e as listas de espera. Há realmente limpeza, como falam os relatórios do grupo de trabalho independente e do Tribunal de Contas?
Creio que aqui é uma questão mais de explicitação dos critérios que levam a estas limpezas de listas, de uma regulação desta matéria e de uma governação dos sistemas informação do que propriamente a existência de uma limpeza de listas. Que nos pode levar a um descrédito do próprio modelo de gestão. É importante explicitar que regras é que existem e que levam à limpeza das listas, porque essas limpezas não têm efeitos sobre os doentes. Estamos a falar muitas vezes de casos redundantes ou de problemas no sistema de informação que não dão baixa dos doentes que tiveram cirurgia.

Como é que se recuperam os tempos de espera e a confiança?
É uma pergunta bastante difícil. Os tempos de espera só serão recuperados quando as instituições tiverem autonomia para gerir as suas próprias organizações. Isso necessita naturalmente de maior autonomia dos hospitais, maior investimento no sector e uma melhor política de gestão recursos humanos.

Como está a recuperação das cirurgias adiadas devido às greves dos enfermeiros?
Qualquer recuperação de listas e de doentes, que viram as suas cirurgias adiadas, vai levar ao cancelamento de outras que podiam estar a ser realizadas. Até porque as estruturas não têm flexibilidade para dar resposta a todo o volume de doentes que temos no sistema.

A saúde tem-se tornado num tema-chave na discussão política. Tem esperança de que essa centralidade da saúde tenha efeitos positivos a curto prazo?
Ultimamente não tem tido efeitos positivos. Demonstra um enorme ruído, que leva a essa desconfiança dos portugueses em relação ao SNS e que os leva a optar por outros caminhos. Esse ruído reduz-se claramente por maior investimento no sector e, devo dizer, também por um novo modelo de governação do sector.

Houve uma injecção financeira no final do ano passado para pagamento de dívidas em atraso. Nos primeiros três meses do ano houve uma redução e aparentemente esta dívida está numa fase estagnada. Será possível manter estes bons resultados?
As injecções de capital no final do ano são típicas e regulares. E decorrem de uma gestão financeira e orçamental das instituições de saúde completamente errada e que leva ao aumento do desperdício. Se tivéssemos orçamentos adequados no início do ano, não veríamos este crescimento de despesa. Ela decorre de uma prática de restrição financeira no início do ano. Isto leva a que o SNS esteja a pagar mais caro os bens e serviços que compra do que seria normal. Isto é totalmente errado e está a levar a um desperdício grande no sector.

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O que diz é que as dívidas vão voltar a aumentar.
Como tem ciclicamente aumentado. E vamos voltar ao final do ano e ter mais dívida a fornecedores e depois existe uma transferência adicional no final do ano por parte do Ministério das Finanças. Esta é uma gestão orçamental completamente errada.

Como justifica esses erros e esses atrasos? Há falta de confiança nos administradores hospitalares? Ou há falta de dinheiro?
Falta de dinheiro não existe, porque o dinheiro acaba por aparecer sempre. O que existe é uma desconfiança grande da equipa do Ministério das Finanças no Ministério da Saúde. Nem a ministra da Saúde tem a capacidade para autorizar contratações. Isto é totalmente absurdo.

É uma miragem este desejo do Ministério da Saúde de, até 2020, eliminar os pagamentos em atraso?
Totalmente. Poderá ser feito, se existirem injecções de capitais que seriam muito superiores ao que seria necessário se tivéssemos orçamentos de início razoáveis e a responsabilização da gestão.

Fez recentemente críticas ao modelo da ADSE, dizendo que fomenta distorções no SNS. O que defende para a ADSE?
A ADSE ao longo do tempo teve grandes alterações do ponto de vista do seu financiamento, mas manteve os modelos de relacionamento com os prestadores privados completamente inalterados e hoje possui modelos de relacionamento perfeitamente anacrónicos. E que de uma forma genérica estão a promover o volume de cuidados e não a qualidade de cuidados. Um exemplo claro é o caso das taxas de cesarianas, que são exageradamente elevadas contrariando as recomendações clínicas e de qualidade e segurança para os doentes. Esta ideia de promoção do volume também leva a um comportamento dos profissionais de saúde, que vêem as suas remunerações aumentadas se produzirem mais quantidade de cuidados.

E a sobrevivência dos privados acaba por estar sustentada pela ADSE.
A ADSE não vive sem o sector convencionado, nem ele vive sem a ADSE. É importante chegar a um acordo. Acho que o ruído que foi criado não é útil à ADSE e cria a desconfiança dos funcionários públicos em relação ao subsistema.

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Não acha que houve aqui um funcionamento de cartel?
Essa é uma matéria que está a ser analisada pela Autoridade da Concorrência. Aguardemos os resultados dessa averiguação.