Fim da austeridade em Portugal anima debate entre candidatos à presidência da Comissão Europeia
Eurovisão promoveu debate entre os seis cabeça de lista das principais famílias políticas europeias.
Foi uma referência a Portugal e ao desejo do primeiro-ministro António Costa de “virar a página da austeridade” perante a intransigência de alguns dos seus parceiros europeus que marcou o primeiro despique entre o cabeça de lista do Partido Popular Europeu, Manfred Weber, e o seu rival dos Socialistas & Democratas na corrida à presidência da Comissão Europeia, Frans Timmermans, no debate entre os Spitzenkandidaten promovido pela Eurovisão e transmitido em directo em todos os Estados membros da União Europeia, esta quarta-feira.
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Foi uma referência a Portugal e ao desejo do primeiro-ministro António Costa de “virar a página da austeridade” perante a intransigência de alguns dos seus parceiros europeus que marcou o primeiro despique entre o cabeça de lista do Partido Popular Europeu, Manfred Weber, e o seu rival dos Socialistas & Democratas na corrida à presidência da Comissão Europeia, Frans Timmermans, no debate entre os Spitzenkandidaten promovido pela Eurovisão e transmitido em directo em todos os Estados membros da União Europeia, esta quarta-feira.
Depois das intervenções iniciais em que os seis cabeça de lista presentes falaram quase em uníssono numa Europa “solidária” e “optimista”, “o melhor lugar do mundo para viver hoje”, como frisou a liberal Margrethe Vestager, o tom amistoso deu rapidamente lugar a uma troca acesa e combativa entre os concorrentes das duas maiores bancadas no Parlamento Europeu, que mostraram como os respectivos campos continuam divididos em relação ao tema do controlo orçamental.
Ao falar sobre o desemprego jovem e os empregos do futuro, o concorrente do PPE evocou uma conversa com jovens estudantes portugueses durante uma visita recente ao Porto, em que estes lhe perguntaram sobre “empregos que paguem bem” e não sobre o salários mínimos, como disse ser a tónica dos socialistas. “A geração jovem quer bons empregos, com bons salários, para estabelecerem as suas famílias. E para isso precisamos de boas políticas económicas”, assinalou.
Imediatamente, Frans Timmermans evocou os bons resultados das políticas promovidas pelo Governo de António Costa, no sentido oposto daquelas que preconizavam os líderes conservadores e os que, como Weber, defendiam que o país devia ser “punido” pelas suas intenções. “Quando eu estou em Portugal, os jovens querem é saber porque quando António Costa apresentou os seus planos para criar mais justiça social, mais empregos e mais crescimento económico e a lhe Comissão disse ‘avance’, Manfred Weber disse ‘não, castiguem Portugal, castiguem Portugal’”, replicou Timmermans, que no domingo esteve ao lado do secretário-geral do PS no arranque oficial da campanha para as europeias.
Manfred Weber não se deixou ficar, e lembrou que nos últimos cinco anos foram dois socialistas — Pierre Moscovici, o comissário europeu para os Assuntos Económicos e Financeiros, e Jeroen Dijsselboem, antigo ministro das Finanças holandês e ex-presidente do Eurogrupo — os “responsáveis pela programação do euro” e que “tomavam as decisões sobre as reformas” propostas pelos países.
Mas Timmermans ficou com a última palavra neste confronto sobre Portugal. “Moscovici olhou para os planos portugueses e disse OK. [O presidente da Comissão Europeia] Jean-Claude Juncker olhou e disse que podia funcionar. Vieram depois Manfred Weber e o Parlamento Europeu dizer que não, nunca autorizaremos isto, Portugal deve ser punido”, recordou. “E o que aconteceu foi que o plano funcionou: a justiça social cresceu em Portugal e os postos de trabalho aumentaram significativamente porque o país pôs fim à austeridade. E isso é o que mais governos deviam estar a fazer”, rematou o socialista holandês, actual vice-presidente da Comissão Europeia.
Os restantes candidatos, representantes das famílias Liberais, Verdes, Conservadores e Reformistas e da Esquerda Unitária, deixaram o duelo entre Weber e Timmermans sobre Portugal correr sem interferir. Nas suas intervenções sobre o tema da política económica, Nico Cué (Esquerda Unitária) defendeu a criação de um salário mínimo europeu, enquanto Margrethe Vestager (ALDE) disse que a Europa tem de melhorar as remunerações. “Temos de concordar que é preciso ganhar decentemente quando se tem um emprego a tempo inteiro”, observou. Pelo seu lado, Jan Zahradil, em nome dos Conservadores e Reformistas, lembrou que são as empresas e não a Comissão Europeia que criam empregos. “As situações são muito diferentes em cada país, e por isso as soluções também devem ser ajustadas para cada país”, afirmou, rejeitando (como de resto em muitas outras áreas) a abordagem comunitária.
Reformar a UE
Para o debate entre os Spitzenkandidaten, o Parlamento Europeu transformou a sala do hemiciclo de Bruxelas num gigantesco estúdio de televisão, com o palco a ocupar a tribuna e os 650 convidados da assistência a sentarem-se nos lugares habitualmente ocupados pelos eurodeputados nos trabalhos parlamentares. O trabalho de adaptação (que começou a 30 de Abril) incluiu a instalação de 14 câmaras de televisão, entre as quais, pela primeira vez, uma “fly camera” (XD Motion), para permitir a integração de elementos de realidade aumentada na emissão.
O sinal da Eurovisão foi transmitido em directo em canais (públicos e privados) dos 28 Estados membros, com tradução simultânea nas 24 línguas oficiais da União Europeia e também linguagem gestual internacional.
Até ao fim do debate, os seis cabeça de lista não voltaram a discordar de forma tão enérgica, apesar de terem deixado ficar claras as diferentes abordagens que têm para responder aos desafios e resolver alguns dos actuais problemas com que a Europa se confronta — das migrações à guerra comercial global, das alterações climáticas ao populismo e à relevância das instituições europeias.
Timmermans ainda voltou a provocar Weber ao mencionar a avaliação de uma organização não governamental que descreveu os eurodeputados do PPE como “dinossauros” depois de analisar os eu registo de voto em questões do clima e do ambiente. E também Vestager rebateu o argumento de Weber, que tentou dar protagonismo ao comissário europeu para a Energia, Miguel Arias Cañete, da sua família política. “Ele fez um bom trabalho não por ser do PPE mas por estar a trabalhar em equipa na Comissão”, distinguiu.
Mas apesar destas pequenas picardias, o debate desenrolou-se de forma calma, com os candidatos a concordarem quase sempre no diagnóstico dos problemas e frequentemente a prescreverem receitas semelhantes para a sua resolução.
No capítulo das reformas, Manfred Weber mostrou-se favorável à revisão da regra da unanimidade na tomada de decisões sobre política externa e algumas matérias fiscais. “Acredito na concorrência, mas para alguns campos, como por exemplo na taxação digital, penso que devemos mudar a regra para a maioria qualificada”, afirmou, acrescentando que as receitas desse imposto deveriam ser usadas em benefício dos “perdedores da digitalização”.
Margrethe Vestager, que como comissária europeia da Concorrência já aplicou pesadas multas aos gigantes Apple e Google, falou numa taxa mínima para os lucros das grandes corporações. E Timmermans teve o soundbyte da noite, ao perguntar ao sistema de colunas inteligente “Alexa, quando é que a Amazon vai pagar impostos?”.
A emissão terminou, como começou, com mais apelos à unidade, e também ao voto nas eleições para o Parlamento Europeu entre 23 e 26 de Maio. “Todos nós queremos ter a melhor Europa possível”, concluiu Manfred Weber. “Que nunca nos deixemos ficar indiferentes”, aconselhou Frans Timmermans. Margrethe Vestager e Ska Keller, dos Verdes, pediram “coragem” para a mudança. Nico Cué falou num “novo rumo”, enquanto Jan Zahradil defendeu “um novo equilíbrio” entre o nível europeu e nacional.