União Europeia quer salvar acordo com o Irão mas não sabe como
Existe o perigo de haver erros de cálculo do lado de Teerão, Bruxelas, e Washington quando a tensão continua a aumentar. Pompeo aparece em reunião sem ser convidado.
O ministro britânico dos Negócios Estrangeiros, Jeremy Hunt, deixou um alerta num tom raro sobre a possibilidade de um conflito não intencional entre o Irão e os Estados Unidos, quando a tensão na região aumenta e o acordo sobre o nuclear ameaça ruir com os parceiros que restam após a retirada, há um ano, dos EUA.
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O ministro britânico dos Negócios Estrangeiros, Jeremy Hunt, deixou um alerta num tom raro sobre a possibilidade de um conflito não intencional entre o Irão e os Estados Unidos, quando a tensão na região aumenta e o acordo sobre o nuclear ameaça ruir com os parceiros que restam após a retirada, há um ano, dos EUA.
“Estamos muito preocupados com o risco de haver um conflito por acidente, com uma escalada que não seja realmente intencional de cada um dos lados”, disse Hunt. O diário norte-americano Washington Post notava que Hunt dava aparentemente igual responsabilidade a Teerão e a Washington.
“Acima de tudo”, continuou Hunt, “precisamos de ter a certeza que não pomos o Irão no caminho da re-nuclearização. Porque se o Irão se torna uma potência nuclear, os seus vizinhos vão querer provavelmente tornar-se poderes nucleares. Esta já é a região mais instável do mundo, e isto será um passo enorme na direcção errada”.
Enquanto isso, em Bruxelas, líderes europeus reuniam-se para discutir justamente a questão do nuclear iraniano – a agenda era originalmente outra, mas a ameaça de Teerão sair do acordo e outros desenvolvimentos impuseram o tema.
O secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, decidiu entretanto alterar o seu programa para segunda-feira e saltar um dia de cerimónias em Moscovo para ir antes a Bruxelas conversar com os ministros que se reuniam sobre o Irão, para falar sobre o tema. Foi a segunda alteração de última hora recente no calendário de Pompeo, e o Washington Post disse que o responsável apareceu em Bruxelas sem ser convidado, e manteve depois reuniões bilaterais com os participantes na reunião.
Na semana passada, os EUA enviaram um porta-aviões e quatro bombardeiros para o Golfo Pérsico – dizendo que havia “indicações claras” da preparação de um ataque do Irão os seus aliados.
E, no domingo, a Arábia Saudita deu conta de um ataque a dois petroleiros seus ao largo dos Emirados Árabes Unidos. Um dos petroleiros ia buscar petróleo à Arábia Saudita para levar para os EUA, que não fez vítimas mas causou danos significativos.
Mesmo que a Arábia Saudita não tenha indicado potenciais responsáveis, e o arqui-rival Irão tenha negado qualquer responsabilidade, vem aumentar o clima de imprevisibilidade. Um porta-voz do MNE iraniano disse que a sabotagem dos navios pode ter sido parte de uma conspiração para provocar um conflito na região.
Além de tudo isto, o Irão anunciou a detenção de uma funcionária do British Council, acusando-a de espionagem. Teerão não deu detalhes, mas os media britânicos dizem que se trata de Aras Amiri, 33 anos, uma iraniana a trabalhar em Londres que foi presa o ano passado quando foi visitar a família ao Irão. O seu caso tem semelhanças com o de Nazanin Zaghari-Ratcliffe, que tem dupla nacionalidade e está há mais de dois anos presa por suspeita de espionagem.
Expectativas irrealistas
O que iria acontecer ao acordo com o Irão era uma incógnita: Teerão ameaçou na semana passada aumentar o seu enriquecimento de urânio se os outros signatários que se mantiveram (União Europeia, Rússia e China) não melhorassem os termos do acordo. O enriquecimento limitado de urânio serve fins civis, mas um grau maior de enriquecimento já serve para o fabrico de uma arma atómica.
No encontro em Bruxelas, a responsável pela política externa europeia, Federica Mogherini, disse que as conversações iriam focar-se no “modo de continuar a apoiar do melhor modo a concretização total do acordo”.
Mas como comentou ao Guardian Ellie Geranmayeh, do European Council on Foreign Relations, a pressão do Irão deve-se à esperança de que a União Europeia e a China ainda “tirem um coelho da cartola” que ajude a aliviar as sanções que os EUA voltaram a impor, assim como a pressão sobre todas as empresas para que não façam negócios com o Irão sob pena de verem afectado o seu acesso ao mercado americano.
A decisão do Irão anunciar um afastamento gradual do acordo e deixar aberta a possibilidade de se retirar pode “parecer irracional à Europa”, escreveu a analista num artigo de opinião, mas “o Irão concluiu que o presente estado de coisas é insustentável”.
Geranmayeh também disse que as expectativas que Teerão tinha sobre o poder de manobra da UE para proteger o Irão dos efeitos das sanções norte-americanas e contrariá-las eram “irrealistas”.
A União Europeia não consegue obrigar as suas empresas a fazerem negócios com o Irão, nem proteger as multinacionais de eventuais retaliações norte-americanas se o fizerem.
Assim, ainda que “tanto a Europa como o Irão queiram que o acordo sobreviva”, diz Geranmayeh, há “um perigo real de que no decurso das próximas semanas os dois lados calculem mal que acções é que o outro está disposto e é capaz de tomar.”