A polémica em torno do segundo golo do Benfica
Do jogo Rio Ave-Benfica há um lance que tem sido muito comentado, o golo de João Félix ao minuto 45’+2’, tendo como base três questões: o início da jogada, o golo propriamente dito e a intervenção do videoárbitro (VAR). É certo que os adeptos colocam o ênfase nas questões de quem é ou não beneficiado ou prejudicado, mas para os verdadeiros amantes do futebol, assim como para os técnicos de arbitragem, o interessante é perceber as questões da lei, a interpretação da mesma, e a forma como, mesmo os especialistas, têm dúvidas e questões relacionadas com o desenrolar do lance.
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Do jogo Rio Ave-Benfica há um lance que tem sido muito comentado, o golo de João Félix ao minuto 45’+2’, tendo como base três questões: o início da jogada, o golo propriamente dito e a intervenção do videoárbitro (VAR). É certo que os adeptos colocam o ênfase nas questões de quem é ou não beneficiado ou prejudicado, mas para os verdadeiros amantes do futebol, assim como para os técnicos de arbitragem, o interessante é perceber as questões da lei, a interpretação da mesma, e a forma como, mesmo os especialistas, têm dúvidas e questões relacionadas com o desenrolar do lance.
Então, vamos por partes para tentar, sobretudo, dizer o que está escrito no guia universal das leis de jogo, para que, independentemente da minha opinião, cada um possa fazer também a sua análise e interpretação.
O lance começa com uma acção ofensiva de Gabrielzinho que, ao entrar na área, sofre uma carga de Florentino que, na ocasião, empurrou o jogador vila-condense, acabando este por se desequilibrar e cair, já no interior da área. Ora, no meu entender, houve falta e, com excepção do agarrar, todas as outras infracções contempladas na lei 12 (faltas e incorrecções) punidas com livre directo ou penálti são penalizadas onde tem início a sua acção. Neste caso concreto, o braço nas costas e o empurrão começam fora da área, logo seria pontapé livre directo e não penálti contra o Benfica.
O árbitro assim não entendeu e na sequência do lance, os “encarnados” iniciam aquilo a que se chama sua transição ofensiva, que culminou no golo. Como o lance foi sempre na direcção da área vila-condense, nunca a bola ficou de posse do Rio Ave ou teve um momento em que regressou para o próprio meio campo do Benfica, e tendo sido obtido golo, e porque sempre que ocorre um golo, o VAR tem de ver a sua legalidade desde o tal momento de transição ofensiva, que neste caso foi com a infracção de Florentino, só por este facto deveria ter invalidado o golo e recomeçado com livre directo a favor do Rio Ave.
Contudo, este lance tem outro momento importante. É que João Félix acaba por tirar vantagem da posição de fora de jogo após defesa do guarda-redes vila-condense, pois no momento em que o seu colega toca a bola na direcção da baliza, Félix estava adiantado em relação ao penúltimo adversário.
Aqui surgem também algumas dúvidas, porque o desenho habitual da jogada, é um jogador rematar à baliza e o guarda-redes defender para a frente e a bola ir para um colega daquele que rematou e que no momento inicial já estava em fora de jogo - aqui todos dizem e compreendem, porque percebem o conceito de ganhar vantagem dessa posição.
A questão é que a lei não fala em remate à baliza, nem põe o foco no jogador sob o ponto de vista de ter que rematar. A lei enfatiza é o facto de a bola ir ou dirigir-se para a baliza, independentemente de ser um passe ou um remate, e no facto de um defensor, que neste caso foi o guarda-redes, deter ou tentar deter a bola, porque na realidade o jogador do Benfica não rematou inicialmente para a baliza mas mandou a bola nessa direcção para assistir um colega (como o passe foi longo demais, o guarda-redes do Rio Ave o que fez foi tentar deter a bola).
Por outro lado, o guarda-redes do Rio Ave não agarrou a bola ficando claramente com ela na sua posse e depois a passou ou largou. O que aconteceu foi uma defesa defeituosa e incompleta e, como tal, o que conta mesmo é o momento inicial do passe e o posicionamento de João Félix, que estava em posição irregular e que daí tirou vantagem desse mesmo posicionamento.
Para melhor compilar e entender todos estes conceitos, vejam o que a lei 11 (Fora de jogo) na sua página 98 diz: “Considera-se que um jogador ganha vantagem da posição de fora de jogo quando joga a bola que tenha sido deliberadamente “defendida” por qualquer adversário e uma “defesa” ocorre quando um jogador detém uma bola, ou tenta deter, que se dirige para a baliza ou está muito próxima da mesma, com qualquer parte do corpo, inclusive as mãos ou os braços no caso de ser o guarda-redes na sua área de penálti.”
Assim sendo, a falta no início da jogada e o golo em fora de jogo, difíceis ambos os lances, quer para o árbitro, quer para o seu assistente em jogo corrido, tinham claramente que ser vistos pelo VAR. Este, ao “checkar” todo o lance, devia, pelo menos, ter detectado uma das duas ilegalidades ocorridas e de ter levado o árbitro a ver no monitor e a reverter o golo.
Embora as questões do protocolo do VAR estejam num processo de aprendizagem e crescimento, este lance teria de ter tido uma outra leitura e decisão final que, nesta fase, não poderiam ter passado despercebidos ao binómio árbitro/VAR.
Pedro Henriques é ex-árbitro e actual comentador de arbitragem