Posso culpar a minha tiróide por não emagrecer?

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ADRIANO MIRANDA

Um dos principais motivos para termos um “metabolismo preguiçoso” é muitas vezes atribuído à tiróide. O que de facto é verdade e mito nesta relação?

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Um dos principais motivos para termos um “metabolismo preguiçoso” é muitas vezes atribuído à tiróide. O que de facto é verdade e mito nesta relação?

Começando pelo básico, qual é o papel da tiróide e das suas hormonas no nosso metabolismo e qual a sua interferência na perda de peso? De facto, as hormonas tiroideias (T4 e T3) são responsáveis por um aumento do gasto calórico, sendo o hipotiroidismo caracterizado por um estado hipometabólico que pode levar ao aumento de peso, aumento dos níveis de colesterol, diminuição da lipólise (degradação de gorduras para posterior oxidação) e diminuição da gliconeogénese (formação de glicose a partir de aminoácidos e outros compostos).

Como tal, não será novidade perceber a associação entre maiores níveis basais de T3 e T4 livres e maior perda de peso (média de 2kg de diferença entre as tiróides mais “trabalhadoras” e as mais “preguiçosas”) após os seis primeiros meses de uma dieta hipocalórica, algo que é facilmente explicável de acordo com os efeitos acima descritos. Ainda assim, qual é a magnitude deste efeito e qual o gasto energético “extra” que podemos atribuir às hormonas tiroideias? Apesar de ser extremamente complexo chegar a um valor exacto, um estudo bastante interessante atribuiu um aumento de 10 kcal/dia (ou 0,15 kcal/kg/dia), no nosso metabolismo basal, por cada aumento de 10pg/dL de aumento da T3 livre. Na prática, andando os valores de referência entre 260 – 480 pg/dL, comparando duas pessoas que estejam nos extremos dos valores de referência, a diferença anda à volta das 200 kcal/dia, o que ao final de um mês pode originar um gasto energético adicional de 6000 kcal, suficiente para justificar uma perda adicional de 1 kg de massa gorda. É preciso ter em conta que este exercício é meramente académico, uma vez que existem mecanismos de auto-regulação que em situações normais e não patológicas automaticamente ajustam estes valores. Por exemplo, indivíduos obesos possuem maiores níveis de T3 em circulação, uma vez que a leptina (hormona produzida pelas nossas células gordas) aumenta os níveis de T3 e TSH (hormona que estimula a conversão de T4 em T3), como um mecanismo de defesa numa tentativa de aumentar o gasto de calorias em reposta ao armazenamento excessivo de gordura. Aliás, o mesmo trabalho atrás citado também associou um aumento de 0,47kg de massa gorda por cada aumento de 10 pg/dL de aumento da T3 livre. Mesmo com o tratamento com levotiroxina (T4), a perda de peso é moderada e pode ser mais devido a água do que massa gorda, sendo que estes efeitos na massa gorda e até colesterol podem ser potenciados quando o tratamento é efectuado com T3.

Torna-se então evidente que a tiróide tem um papel relevante na gestão do peso, mas que a sua magnitude não é grande ao ponto de não poder ser compensada com outras mudanças no estilo de vida. Aliás, basta olhar para a prevalência de hipotiroidismo na população adulta portuguesa (7,77%) e ver que está substancialmente abaixo da prevalência de excesso de peso e obesidade (57%).

E na alimentação há alguma forma de aumentar ou atenuar a diminuição das hormonas tiroideias? Existe alguma evidência de que o défice em nutrientes como o selénio, zinco e iodo pode contribuir para níveis subóptimos destas hormonas, sendo comuns as fontes alimentares destes três nutrientes (peixe, bivalves, crustáceos, moluscos, ovos e lacticínios). No caso do selénio, existe até uma “mega” fonte alimentar chamada castanha do Brasil. E mesmo naquela que é proveniente de solos mais pobres em selénio (180ug/100g) — argumento utilizado normalmente por quem vende suplementos de selénio — apenas 30g/dia continuam a providenciar a dose diária recomendada deste nutriente (55ug).

Num processo de emagrecimento, é praticamente inevitável que os níveis de T4 e T3 não diminuam, sendo esta diminuição proporcional à dimensão da perda de peso. Não é a mesma coisa perder 6kg em um ano ou 60kg em sete meses, sendo que neste último caso os níveis de T3 diminuíram praticamente para metade do valor inicial. A este nível também é importante referir que as diferenças no metabolismo basal (onde esta diminuição hormonal tem interferência) não parecem determinar o sucesso na perda de peso, até porque esta diminuição do metabolismo que se segue a perdas grandes de peso pode não ser tão grande como se pensa. 

Posto isto, o mais importante num processo de emagrecimento é focarmo-nos naquilo que de facto conseguimos controlar, ou seja: a alimentação, o treino e a actividade física feita fora do treino (trabalhar de pé quando possível, usar escadas em vez de elevador, caminhar o mais possível durante o dia, etc.). Que o envelhecimento e as consequentes alterações hormonais que daí decorrem não ajudam é certo, mas quanto mais cedo interiorizarmos e aceitarmos esta realidade, mais próximos estaremos de ser bem-sucedidos na nossa gestão do peso. Daí que a conclusão deste artigo seja semelhante à de muitos outros. Enquanto houver hábitos a melhorar na alimentação e no treino, não vale a pena atribuir as culpas à tiróide, bem como à pílula, ao “metabolismo” ou à “retenção de líquidos”.