A verdade adiada
Não há maior défice que o moral e de seriedade. A verdade não serve ideologias nem cores políticas e pode tardar, mas acabará por ser reconhecida.
Na última semana, a propósito da recuperação do tempo de serviço dos professores, Portugal foi presenteado com o pior da política, com muito do que dá mau nome a uma classe que, por princípio, deve ser regida pela máxima ética de serviço. Com muita pena, pois Portugal merece e precisa de muito mais. Precisa de um Parlamento e de um Governo que cumpram os desígnios do País.
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Na última semana, a propósito da recuperação do tempo de serviço dos professores, Portugal foi presenteado com o pior da política, com muito do que dá mau nome a uma classe que, por princípio, deve ser regida pela máxima ética de serviço. Com muita pena, pois Portugal merece e precisa de muito mais. Precisa de um Parlamento e de um Governo que cumpram os desígnios do País.
É agora importante esclarecer algumas questões que o ruído dos últimos dias tem afogado em mal-entendidos:
- O que foi votado em especialidade na semana passada não foi um diploma sobre a recuperação do tempo de serviço dos professores, ou qualquer acordo entre partidos. O PSD não negociou antes, durante ou depois com qualquer partido a sua proposta. O que foi votado em especialidade foram os artigos das cinco propostas de alteração ao diploma do governo, em alguns casos, quando coincidentes em termos de conteúdo, com redação acordada em conjunto. O diploma resultante destas votações será, como sempre, votado em Plenário;
- O que está em causa não é o pagamento de retroativos. Muito menos recuperação de vencimentos ou de eventuais progressões nos períodos de congelamento. É estritamente a contagem de tempo para a progressão futura na carreira dos docentes;
- Os professores não estão a receber tratamento especial. Este Governo, no Orçamento do Estado de 2018, assegurou que as carreiras gerais – em que estão inseridos a maior parte dos funcionários públicos e que estavam congeladas desde 2011 – iriam ver os seus escalões remuneratórios atualizados em função do tempo congelado. As carreiras especiais, como é o caso dos professores, ficaram de fora;
- Esta medida não vai abrir um precedente grave, generalizado a toda a função pública. As carreiras gerais, como foi dito, já estão regularizadas. Ficaram de fora as carreiras especiais, maioritariamente (80% da massa salarial) constituídas por professores. Algumas destas outras carreiras já foram objeto de negociação; outras aguardam publicação de uma Lei recentemente aprovada pelo Governo em Conselho de Ministros, cujo texto se desconhece;
- Esta medida pode ser concretizada, em negociação, de diversas formas. O PSD recusou um calendário fixo, independente da conjuntura, de recuperação de tempo. Esta recuperação deve ser feita, sim, mas sempre em sede negocial e, na proposta do PSD, tendo em vista a sustentabilidade das contas do País, com limites às despesas com pessoal do Ministério da Educação. Os compromissos acordados com os sindicatos, atendendo às necessidades do sistema educativo, em termos de condições de aposentação, necessidades futuras do sistema educativo e revisões das carreiras, entre outros, ditarão os valores de “cruzeiro”, que então terão de ser acomodados no orçamento do Ministério da Educação. É bom que se recorde que este orçamento, enquadrado no OE 2019, tem em pessoal quase menos 200M€ do que em 2018.
Não é possível esquecer o desinvestimento que está a ser feito na Educação, a desmotivação reinante e as consequências de se desvalorizar quem é responsável por valorizar os nossos filhos, de que a instabilidade do final do ano letivo passado é infelizmente exemplo. Os números contam uma história de abandono complicada:
- A despesa efetiva em educação face ao PIB desce desde 2015 (3,3%) para 3,1% em 2018 e 3,0% em 2019;
- O valor orçamentado para investimento de 2016 para 2018 diminuiu 24%. O investimento previsto para 2019 não só é 36% inferior ao de 2015, como a sua execução é inferior em 79,6%;
- A taxa de execução não parou de baixar desde que esta equipa ministerial entrou em funções: 41,2%, em 2016, 31,9% em 2018;
- 70% do investimento prometido e aprovado não foi executado;
- Metade da poupança prevista para este ano na revisão da despesa é feita à custa da saúde e da educação.
Os desafios enfrentados pelas escolas públicas têm-se vindo a agravar num clima de desinvestimento crónico e de desrespeito para com a profissão. A adicionar à cada vez maior exigência e responsabilidade da posição de professor, não é de admirar que a atratividade da profissão seja mínima para as novas gerações. Se um sistema de Educação de qualidade é difícil de conseguir, a continuar assim será amanhã uma ficção. A sociedade precisa de bons professores.
De acordo com os dados recolhidos pelo PISA, apenas 1,5% dos alunos aos 15 anos ambicionam ser professores: 1500 alunos por ano, em 100.000. Isto significa que não vamos formar professores suficientes para as necessidades a partir de 2030. Os alunos que agora têm 15 anos estarão a acabar a sua formação académica dentro de oito anos. Temos de ser capazes de motivar mais alunos a abraçar a profissão.
Todas as mudanças a concretizar no Sistema Educativo, de que a carreira docente é apenas uma peça, devem ser sólidas e integradas, de forma a proporcionarem estabilidade e consistência na melhoria dos resultados. No entanto, só podem ser concretizadas com a participação ativa de um corpo docente valorizado e dignificado.
O PSD foi sempre responsável ao abordar este tema, tendo apresentado neste processo de apreciação parlamentar uma proposta, em coerência com a posição desde 2017, que oferece um equilíbrio justo, responsável e, sobretudo, com visão para o País, assumindo a contabilização integral do tempo de serviço efetivo que esteve congelado, no respeito de compromissos com as despesas com pessoal do Ministério da Educação: duas faces indissociáveis de uma mesma moeda.
Na votação final, que hoje ocorrerá, as escolhas do Parlamento serão feitas. A nossa será a de sempre: decidir hoje a olhar para o futuro da Educação e do País, sem comprometer o equilíbrio orçamental.
Quanto ao resto, “as crises políticas”, “as mentiras”, “as fotografias”, “os jogos de poder”, “as meias-verdades”, deve confortar-nos a ideia que não há maior défice que o moral e de seriedade. A verdade não serve ideologias nem cores políticas e pode tardar, mas acabará por ser reconhecida.
A autora escreve segundo o novo Acordo Ortográfico