Caso das viagens da Galp faz 18 arguidos, dois são ex-secretários de Estado
PGR envia nota que confirma que, entre os arguidos acusados, há dois ex-secretários de Estado. São Rocha Andrade e Jorge Costa Oliveira.
A Procuradoria-Geral da República enviou uma nota à comunicação social na qual se lê que, no âmbito das polémicas viagens pagas pela Galp para ver jogos da selecção, foi deduzida “acusação, pela prática de crimes de recebimento indevido de vantagem, contra 18 arguidos”.
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A Procuradoria-Geral da República enviou uma nota à comunicação social na qual se lê que, no âmbito das polémicas viagens pagas pela Galp para ver jogos da selecção, foi deduzida “acusação, pela prática de crimes de recebimento indevido de vantagem, contra 18 arguidos”.
O PÚBLICO teve acesso ao despacho de acusação e a lista confirma os nomes dos ex-secretários de Estado Fernando Rocha Andrade (Assuntos Fiscais) e Jorge Costa Oliveira (Internacionalização).
O ex-assessor do primeiro-ministro Vitor Escária também está no grupo de arguidos acusados, assim como a sua mulher, Susana Escária, que era adjunta do ex-secretário de Estado João Vasconcelos, que viria a morrer.
A lista inclui ainda João Bezerra da Silva (ex-chefe de gabinete de Rocha Andrade) e Pedro Matias (ex-chefe de gabinete de João Vasconcelos). Pelas funções que exerciam à data, estão também elencados os nomes de Carlos Manuel Costa Pina (administrador da Galp e ex-secretário de Estado de José Sócrates), Álvaro Beijinha (presidente de Câmara de Santiago do Cacém) e Nuno Mascarenhas (de Sines).
A nota da PGR já confirmava que havia duas pessoas que, à data dos factos, exerciam funções de secretários de Estado, dois de chefes de gabinete de secretário de Estado, dois assessores governamentais, dois presidentes de câmaras municipais e um administrador de empresa concessionária de serviço público.
O Ministério Público defende, para os “arguidos que exerciam funções públicas”, a condenação na pena acessória de proibição do exercício de cargos públicos, de funcionários públicos ou de agentes da administração. E requereu também “a declaração de perda a favor do Estado dos valores” em causa e que correspondem a 40.265,00 euros.
“No âmbito do inquérito onde se investigou o pagamento pela Galp de viagens, refeições e bilhetes para diversos jogos da selecção nacional no Campeonato Europeu de Futebol de 2016, o Ministério Público proferiu despacho de arquivamento parcial em oito situações e deduziu acusação, pela prática de crimes de recebimento indevido de vantagem, contra 18 arguidos”, começa por se explicar na nota, acrescentando-se que “entre os arguidos agora acusados” estão também “duas empresas do grupo Galp e sete responsáveis ou colaboradores das sociedades arguidas”.
Arguidos “sabiam” que poderiam colocar em causa isenção
De acordo com a acusação, “os arguidos ligados ao grupo Galp, actuando em nome e no interesse das sociedades arguidas, endereçaram convites a várias pessoas que exerciam funções ou cargos públicos para assistirem a jogos da selecção nacional no campeonato europeu de futebol, que decorreu em França nos meses de Junho e Julho de 2016”, sendo “os custos inerentes à deslocação, que incluíam viagens, refeições e bilhetes para os jogos” suportados na íntegra “por uma sociedade arguida”.
Ora, lê-se na nota da PGR, “com tal conduta, ofereceram, fizeram oferecer e disponibilizaram, a expensas do Grupo Galp, vantagens patrimoniais e não patrimoniais a que os destinatários dos convites endereçados não tinham direito, com exclusivo fundamento nas funções por estes exercidas”.
No comunicado sublinha-se ainda que “os arguidos sabiam que poderiam colocar em causa e, no caso dos indivíduos que os aceitaram, colocavam, a transparência, equidistância, isenção e objectividade com que os destinatários dos convites deveriam desempenhar as suas funções, nomeadamente, no que diz respeito às empresas que integravam aquele grupo, criando um contexto de ilegítima proximidade”.
Ainda segundo a acusação, “os arguidos que aceitaram os convites, fizeram-no sabendo que a eles não tinham direito e que os mesmos apenas lhes tinham sido endereçados por força das funções públicas que desempenhavam”.
O entendimento defendido é o de que “estes arguidos sabiam, igualmente, que lhes estava vedado aceitar quaisquer ofertas de entidades privadas, uma vez que o seu recebimento colocava em causa a transparência, equidistância, isenção e objectividade com que deveriam desempenhar as suas funções, nomeadamente, no que respeitava a empresas do grupo Galp”.
Assim, o Ministério Público requereu o julgamento em tribunal colectivo dos 18 arguidos. E requereu, relativamente aos arguidos que exerciam funções públicas, a condenação na pena acessória de proibição do exercício de função de titulares de cargos públicos, de funcionários públicos ou de agentes da administração.
“Requereu ainda a declaração de perda a favor do Estado dos valores correspondentes às vantagens usufruídas e não reembolsadas, bem como os correspondentes às vantagens prometidas mas que foram recusadas ou reembolsadas, num total de 40.265,00 euros”, adianta a nota.
Regra da transparência
O facto de serem agora formalmente acusados não significa, no entanto, que os políticos que aceitaram estas viagens venham a ser punidos. Isto porque o parlamento prepara-se para aprovar novas regras sobre o recebimento de ofertas por titulares de cargos políticos e altos cargos públicos, já votadas na especialidade na Comissão da Transparência, que vão normalizar o recebimento de viagens deste tipo por mero “acto de cortesia ou urbanidade institucional”.
É o que consta da redacção final aprovada pelo PSD, PS e PCP a 27 de Março, no qual se lê que “não está sujeita a dever de registo a aceitação de ofertas, de transporte ou alojamento que ocorra no contexto das relações pessoais ou familiares” e outras que permitem aceitar quaisquer convites compatíveis com a “relevância de representação própria do cargo” ou “cuja aceitação corresponde a acto de cortesia ou urbanidade institucional”.
Se estas regras já estiverem em vigor durante o julgamento, poderão beneficiar os arguidos. Isto porque, em direito penal, o juíz está sempre obrigado à aplicação da lei mais favorável, o que significa que se esta norma estiver em vigor, dificilmente os políticos arguidos no Galpgate poderão ser condenados por recebimento indevido de vantagem.