Duarte Cordeiro: “Existem condições para continuar” a “geringonça”
Duarte Cordeiro não exclui que o Bloco e o PCP possam integrar um próximo governo PS. Se isso não acontecer, defende que a actual solução de Governo, “se todos quiserem”, deve continuar. Acredita que a Lei de Bases da Saúde vai ser aprovada, porque é melhor do que a que existe actualmente.
A expressão “contas certas”, já se viu, é o slogan da campanha. O antigo director de quase todas as campanhas de António Costa é agora secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares. Duarte Cordeiro acredita ainda na aprovação da Lei de Bases da Saúde, fala do caso das famílias e mostra que é mais um socialista satisfeito com o Presidente da República. Em entrevista ao PÚBLICO e à Renascença, que pode ouvir esta quinta-feira às 13h, não descarta que Bloco e PCP participem no próximo governo. Mesmo que isso não aconteça, a “geringonça”, tal como está hoje formada, é para continuar.
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A expressão “contas certas”, já se viu, é o slogan da campanha. O antigo director de quase todas as campanhas de António Costa é agora secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares. Duarte Cordeiro acredita ainda na aprovação da Lei de Bases da Saúde, fala do caso das famílias e mostra que é mais um socialista satisfeito com o Presidente da República. Em entrevista ao PÚBLICO e à Renascença, que pode ouvir esta quinta-feira às 13h, não descarta que Bloco e PCP participem no próximo governo. Mesmo que isso não aconteça, a “geringonça”, tal como está hoje formada, é para continuar.
Entre a Lei de Bases da Saúde e a “lei dos professores” têm sido dias complicados. Estava à espera de ter tanto trabalho neste fim de legislatura?
A função é complexa, exigente. Estava à espera. Serão sempre temas mais difíceis do ponto de vista das negociações, temos de assumir que temos posições diferentes. Esse é um princípio saudável que presidiu a toda a esta legislatura e ao entendimento à esquerda que suportou o Governo do Partido Socialista.
Catarina Martins disse na Renascença que ao longo destes quatro anos, para lidar com o Governo e o primeiro-ministro, percebeu que era preciso “gelo nos pulsos”. Para ser secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares e lidar com o Bloco de Esquerda também é preciso gelo nos pulsos?
Tenho excelentes relações de trabalho com os meus interlocutores. Sob essa perspectiva não me queixo. Obviamente nem sempre é possível nos entendermos. Mas temos de preservar boas relações e tentar estabelecer regras de convivência saudável e de confiança.
O que é que correu mal na questão dos professores? Ou acabou por correr bem para o Governo?
Não há surpresa nenhuma na posição que o Governo tem vindo a assumir desde 2018 e as posições dos nossos parceiros, Bloco de Esquerda e PCP. Já por diversas vezes houve conversas entre Governo e parceiros sobre estas medidas. Foi sempre transmitido que o Governo entendia não ser possível o reconhecimento do tempo integral que esteve congelado, mas que seria possível mitigar esse tempo.
O PS reconheceu o direito ao tempo integral num projecto de resolução...
O que aconteceu foi que coincidiu, na negociação do Orçamento do Estado de 2018, a aprovação de um projecto de resolução e a lei do Orçamento do Estado de 2018 que é clara e diz que o Governo deve procurar ter em conta o tempo, o modo e a forma, para procurar considerar o tempo que foi congelado. O que o Governo fez foi considerar essa resolução do Parlamento nos termos do Orçamento, reforçando aquilo que era a posição dos sindicatos.
Mas, mais tarde, a partir do momento em que apresenta uma proposta, o Governo foi sempre coerente dizendo aquilo que entendia que era a posição sustentável, correcta e justa, tendo em conta não apenas os professores mas todas as carreiras especiais. Nós não vamos conseguir recuperar todo o tempo para todas as pessoas relativamente a tudo o que nós perdemos no período da troika. O que podemos efectivamente é tentar mitigar. Esta matéria não estava no programa eleitoral de nenhum partido, não estava nas posições conjuntas, não está no programa do Governo.
Foi no momento em que se estava a tratar do descongelamento no âmbito do Orçamento do Estado de 2018 que esta matéria surgiu. E houve um esforço sério da parte do Governo de encontrar uma solução que respeitasse os professores.
Surpreendeu-o a posição do PSD e CDS na Comissão de Educação?
De alguma forma, sim. Para nós é tão irresponsável esta questão do reconhecimento do impacto financeiro como uma expectativa em que não podemos dizer aos professores nem como, nem quando lhes vamos pagar o tempo. Essas posições irresponsáveis do PSD e do CDS já as conhecíamos de alguma maneira, o que nunca pensámos é que fossem a este ponto. Essa talvez tenha sido para nós a surpresa de todo o processo.
Foi uma surpresa que permitiu ao Governo levar a cabo uma estratégia de dramatização....
Aquilo que o primeiro-ministro fez foi dizer que aquilo que estava prestes a ser aprovado – ainda não sabemos se será aprovado aquilo que foi votado, existe um texto final – tem impactos orçamentais em 2019 e 2020, que nós estimamos em cerca de 340 milhões de euros que não estávamos a considerar, e que depois é assumida uma factura de 800 milhões de euros para a frente que onera futuros governos. O que o primeiro-ministro diz e muito bem é que isto exige clarificação. Não estando nos programas eleitorais de nenhum destes partidos, o que fazia sentido é que os partidos viessem a defender estas posições nas eleições.
Quais são as possibilidades de o primeiro-ministro ainda se demitir?
O primeiro-ministro foi muito claro. Disse que se fosse aprovada uma alteração que tivesse o reconhecimento do tempo integral, com impactos nos orçamentos do Estado de 2019 e 2020 e que onere para o futuro uma despesa adicional que estimamos em 800 milhões, o primeiro-ministro apresentaria a sua demissão.
Estamos em stand-by então?
Estamos a fazer cenários com base naquilo que os diferentes partidos têm assumido sobre esta matéria. A verdade é esta: na sexta-feira veremos se são ou não são aprovadas estas alterações ao decreto do Governo.
Tendo em conta que parece impossível uma aprovação final global do que quer que seja, a crise parece ter passado. O que é que o Governo ganhou com esta crise?
Eu olho para as declarações das deputadas do PSD e do CDS na comissão e teria uma leitura. Ontem vejo a entrevista do líder do PSD e, aparentemente, é possível mais do que uma leitura sobre as mesmas declarações que me parecem absolutamente claras e transparentes. Todos aguardamos pelo momento em que os partidos tomam uma decisão final na Assembleia da República. Não é para manter suspense nenhum. É porque, aparentemente, é possível tudo e o seu contrário por parte do PSD e do CDS. Conseguem vangloriar-se de uma decisão num dia e no outro dia dizer que afinal não houve votação nenhuma.
O que é que o Governo pode ganhar com esta semana?
O Governo não tomou esta decisão com base num cálculo de nenhuma natureza. O Governo assumiu compromissos com os parceiros no Orçamento do Estado, nas posições conjuntas e a nível europeu. O que o Governo veio dizer foi que não se sentia capaz de cumprir os compromissos que assumiu, também no Orçamento do Estado, se de repente fosse incluído um conjunto de despesas não consideradas e que afectam aquilo que é a execução orçamental.
Decisões com esta relevância devem ser tomadas em eleições. Se existe essa vontade, então vamos clarificar posições, sendo o Partido Socialista claro na posição que tem. Não houve aqui nenhuma avaliação de outra natureza que não fosse dizer antecipadamente, com oportunidade para que fosse corrigida, que esta posição teria um impacto muito grande na governabilidade.
Mas António Costa é um grande estratego...
Acho que aqui foi mais uma posição de princípio. O primeiro-ministro afirmou uma posição de princípio sobre as condições de governabilidade, tendo assumido nós compromissos no Orçamento do Estado e com os parceiros.
Os parceiros acusam o Governo de ter feito um golpe de teatro, uma fantochada...
O Governo foi transparente. Na véspera da decisão sobre a votação na Comissão de Educação, o senhor ministro das Finanças esteve lá e afirmou tudo aquilo que o Governo veio a afirmar posteriormente. Muitas vezes os partidos querem ignorar as consequências das suas tomadas de posição. Isto tem consequências. Nós não podemos criar expectativas, onerar as despesas para o futuro e achar que depois virá alguém que resolva.
Aquilo que o primeiro-ministro disse de forma muito clara foi: o Governo tem tido uma prática que é assumir compromissos que consegue pagar. O sucesso desta governação resulta desse equilíbrio. Por um lado, reforço de direitos, recuperação de rendimentos, compatibilizada com uma economia a crescer, a criar emprego, a reduzir as desigualdades, com contas certas. A partir do momento em que retiramos uma variável da equação, deixa de ser possível o equilíbrio... Esta é uma posição de princípio.
Com esta crise em vias de ser resolvida, há uma outra que estava em curso antes de esta se agudizar, a crise à volta da Lei de Bases da Saúde.
Não lhe chamaria crise. Chamaria divergência...
O Governo acusou o Bloco de ter usado documentos de trabalho em público. Não há uma relação de confiança que se pode quebrar?
Não. O Governo não confunde uma divergência que tem e é conhecida com aquilo que são as convergências que foram possíveis e os resultados desta governação. Não haverá nunca da parte do Governo essa confusão e haverá sempre a valorização daquilo que foi possível obter e mesmo no âmbito do Orçamento do Estado de 2019 com conquistas públicas reconhecidas pelos portugueses. Na Lei de Bases da Saúde, as posições de partida são muito diferentes.
A posição de partida do Governo está reflectida na proposta que foi aprovada em Conselho de Ministros e que está na Comissão de Saúde e está a servir de base à discussão. As posições do PCP e do Bloco de Esquerda também são conhecidas.
Ainda acredita num consenso até ao fim da legislatura?
Existe da nossa parte a esperança de convergência para uma nova Lei de Bases da Saúde muito diferente da actual. Às vezes esquecemo-nos do ponto de partida: a actual lei de bases coloca o sector público a par do sector privado e diz que compete ao Estado promover o sector privado. A actual lei de bases, do ponto de vista do que são os direitos dos utentes, das taxas moderadoras, é muitíssimo recuada face ao que é possível em termos de convergências numa nova lei de bases.
Mas há uma divergência sobre acabar ou não com as PPP...
Eu não sei se a existência de uma divergência em relação a um ponto é uma divergência de fundo, confesso. Existe uma divergência sobre a proibição explícita relativamente às PPP. A relação com os privados é feita através das PPP, mas também através das convenções com privados. A despesa com convenções é 11%, as PPP cerca de 4%. Nas convenções tanto o PS como o PCP e o Bloco de Esquerda usam uma terminologia que significa aceitá-las “supletiva e temporariamente”. O que o Governo diz é que essa mesma formulação de excepção devia ser aplicada também às PPP. A única diferença que temos é essa.
O Governo concorda que, tal como propôs o PCP, a discussão sobre as PPP seja atirada para depois das eleições europeias?
Concorda. E se me pergunta se já terminou o diálogo, respondo que não, o diálogo ainda não terminou.
E está mais próximo de chegar a bom porto com o Bloco de Esquerda ou com o PCP?
Assumimos que o diálogo não terminou, em particular com o PCP.
É possível ainda chegar a um acordo com o Bloco de Esquerda?
Não se pede ao Bloco de Esquerda ou ao PCP que subscreva a posição que o Governo e o PS têm em relação a esta matéria. O que se pede, como muitas vezes temos conseguido fazer em relação a muitas matérias, é que não seja por causa dessa divergência que nós não conseguimos viabilizar uma nova lei de bases que é muito diferente da de 1990, consagra muito mais direitos para os utentes, que protege a gestão pública do Serviço Nacional de Saúde.
Em relação ao PSD também tem havido aproximação?
Existe uma enorme expectativa sobre a nova lei de bases e acho que o PSD também tem consciência disso. Com o PSD é assumido que não houve negociações. No entanto, uma lei de bases, por natureza, é uma lei que deve perdurar no tempo. Uma das posições que temos reafirmado é que pouco serve estarmos a fazer uma lei de bases que amanhã uma outra maioria conjunturalmente queira imediatamente alterar. Queremos uma lei que perdure, que seja suficientemente consensual para que não seja assim tão simples e tão fácil existir uma desculpa para ser alterada noutra conjuntura.
À luz das últimas divergências entre o Governo e os seus companheiros de estrada nesta legislatura, acha possível, como defendeu há um ano, que o PCP e o Bloco de Esquerda possam ir para o governo na próxima legislatura?
Não tenho por hábito limitar as opções políticas dos vários partidos. A prova é que às vezes criamos limitações artificiais que não se verificam e o exemplo é a estabilidade desta legislatura. Não acho que faça sentido nenhum que nos estejamos a autolimitar.
Acha então possível que Bloco e PCP vão para o Governo?
Acho possível desde logo que uma solução que funciona possa continuar. Isso é o que eu acho possível. Esta solução tem-se mostrado estável, positiva para os portugueses, tem melhorado a vida das pessoas. Esta solução é uma conquista para toda a esquerda, mesmo as contas certas! E é uma solução que tem funcionado e tem sido muito apreciada pelos portugueses. Se todos quiserem. Existem condições para continuação. Todas as outras [soluções] devem ser consideradas em função das vontades dos partidos e da conjuntura e do apoio que cada partido tenha. Há uma coisa que é certa: autolimitar-nos não faz muito sentido.
Mas esse discurso das contas certas podia ser feito pelo PSD e CDS. Há uma gasparização...
Pelo contrário. Há uma disputa relativamente àquilo que a direita entendia que era o seu monopólio. Não existe monopólio nenhum. Se não ficava claro com os resultados da governação, ficou absolutamente claro com esta discussão sobre os professores. Já lá vão os dias em que a direita podia dizer que era a defensora das contas certas.
Mas desde quando o défice zero é o alfa e ómega de uma política de esquerda?
Não foi isso que eu disse. O que eu defendi foi a compatibilização de um plano político de esquerda com contas certas. E era isto que há quatro anos nos diziam que não era possível. E isso é uma conquista política.
Num futuro, quando António Costa quiser sair, vê-se a ser candidato a secretário-geral do PS?
Não! Não me vejo...
E vê-se a apoiar Pedro Nuno Santos?
Não é o momento de ter essa discussão. O PS tem um líder forte, absolutamente consensual. Não faz sentido fazer futurologia.
Mas o seu preferido não é o seu amigo Pedro Nuno Santos?
Não faço declarações sobre essa matéria, toda a gente sabe as posições que fomos tendo nos congressos.
Fizeram uma moção juntos no último...
Fizemos uma moção a defender a importância do investimento público e o papel que o Estado pode ter na dinamização da economia, até na definição estratégica daquilo que deve ser o caminho do país. Foi uma moção que acho importante, uma boa reflexão dentro do PS.
É consensual que o caso das famílias prejudicou o Governo. A mulher de Pedro Nuno Santos trabalha com Duarte Cordeiro...
Já trabalhava.
Também está no centro deste caso. Até que ponto isto está a prejudicar a imagem do Governo? Os portugueses não percebem que todos os familiares de pessoas do PS trabalhem em gabinetes do PS.
Em primeiro lugar, importa reafirmar que isso não corresponde à verdade. Em segundo lugar, o Partido Socialista, que nada teme, apresentou uma proposta relativamente a esta matéria, inspirada no único caso que conhecemos, a “lei Macron”, e foi muito para além da “lei Macron”, que só visa familiares directos. E não corresponde minimamente à verdade a dimensão que a dada altura aparece nas notícias.
Há situações que não correspondem à verdade e graus de parentesco surreais! Nora de ex-deputado... Isto foi uma discussão construída para criar uma imagem que, obviamente, prejudica. Não vamos ignorar esse aspecto. Também acreditamos que o tempo e a serenidade permitem um olhar mais atento sobre estas situações. E reafirmamos aquilo que sempre dissemos: ninguém foi escolhido para nenhuma função por ser familiar de alguém. No meu caso concreto, as pessoas que trabalhavam comigo já trabalhavam comigo antes, quando era vice-presidente da Câmara de Lisboa. Nem no meu gabinete é dominante a filiação no Partido Socialista.
Foi criada aqui uma imagem para prejudicar deliberadamente o Governo. Se isto é para ser levado a sério, esperamos então que o Parlamento assuma posições e consiga avançar para não estarmos permanentemente num clima de suspeição. As pessoas têm direito, quando estão a constituir equipas, a sentir que existe alguma estabilidade. E também têm o direito ao seu bom nome. Não foi apresentado nenhum caso em que fosse provado que a pessoa foi contratada por ser familiar de alguém.
Esteve na direcção de campanha de Manuel Alegre, foi entusiasta de Sampaio da Nóvoa. Já há socialistas a manifestar apoio a Marcelo Rebelo de Sousa. Também se vê a apoiar uma recandidatura de Marcelo?
Tenho uma enorme dificuldade em me autolimitar no tempo relativamente a todas as matérias. A única coisa que posso dizer é que me junto aos socialistas que têm feito uma apreciação positiva do trabalho do senhor Presidente da República.
O PS deve ter candidato próprio?
O contexto político conta. Não sei qual será o cenário de amanhã. Hoje, posso elogiar convictamente o trabalho do senhor Presidente da República.